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Novas listas vermelhas da fauna e flora mostram risco de desaparecimento de 1,4 mil animais e 1,1 mil plantas em Minas Gerais


Encontrada no Leste de Minas, na divisa com o Espírito Santo, a Arara-Azul é uma das espécies criticamente ameaçadas de extinção e praticamente só é achada em cativeiro, como no criadouro autorizado da Fazenda Vale Verde. Foto de Marcos Michelin/EM/D.A Press

Silêncio nos campos e florestas – A biodiversidade mineira corre perigo. As novas Listas Vermelhas da Flora e da Fauna Ameaçadas de Extinção de Minas Gerais, prontas para serem divulgadas pelo governo do estado, mostram uma realidade assustadora: 1,4 mil animais e 1.127 plantas estão ameaçados. Desde 1995, houve aumento de 54% no número dos bichos em processo de vulnerabilidade. Os vilões são conhecidos: o desmatamento, a poluição e o comércio ilegal. Exemplares dos principais biomas integrantes da cobertura vegetal das paisagens mineiras também não ficam para trás. As plantas do cerrado são as mais afetadas, e 59,21% delas correm o risco de desaparecer. Do Estado de Minas, 16/08/2008

A relação dos animais e da vegetação sob o risco de extinção tem o objetivo de chamar a atenção para a ameaça ao meio ambiente e contribuir para a preservação. É usada também para conter o tráfico e a compra e venda ilegal, conforme disposto na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna em Perigo de Extinção (Cites), da qual o Brasil é signatário desde 1975. Lista Vermelha é o nome dado mundialmente para definir o nível de conservação dos exemplares.

As listas foram elaboradas pela organização não-governamental Biodiversitas por meio de convênio firmado com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), órgão vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), e serão oficialmente publicadas depois da homologação pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). De acordo com o artigo 2º da Lei Estadual 10.583, de 3 de janeiro de 1992, a revisão dos documentos deve ser feita a cada três anos. O livro da fauna havia sido publicado em 1995 e o da flora em 1997.

De acordo com o estudo Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS), apresentado no mês passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Minas é o estado com o maior número de espécies perto de se tornarem apenas uma lembrança. A pesquisa do órgão federal diverge do levantamento da Biodiversitas em um quesito. Enquanto esse último destaca 1.127 espécies vegetais ameaçadas, o IBGE divulgou 1.115. O instituto se baseou nos relatórios das secretarias estaduais de Meio Ambiente e comparou a situação nos oito estados nos quais há dados. Depois de Minas Gerais, o segundo lugar no ranking é São Paulo, com 968 espécies sob o risco de extinção, seguido por Espírito Santo (950), Rio Grande do Sul (856), Paraná (503), Rio de Janeiro (191) e, por último, o Pará (176).

Para o pesquisador do IBGE Judicael Clevelario, os resultados devem ser analisados com cautela. “Não é que os outros estejam melhores, mas o governo de Minas fez um esforço muito grande para levantar as informações. Por outro lado, é um ponto de encontro de mata atlântica, cerrado e caatinga e, em poucos estados, esses biomas estão concentrados na mesma região, sofrendo pressões da agricultura, da carvoaria e de outras atividades”, diz.

PARTICIPAÇÃO Para o gerente de Proteção à Fauna, Flora e Bioprospecção da Diretoria de Biodiversidade (Dbio) do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Miguel Ribon Júnior, é preciso a participação da comunidade. “Se cada um fizer a sua parte, poderemos diminuir o impacto da destruição e do desmatamento”, afirma. Ele aponta três ações importantes para assegurar a preservação: criar unidades de proteção em nível federal, estadual e municipal; áreas de preservação permanente (APPs) e conscientizar as pessoas sobre a importância da reserva legal (área em uma propriedade ou posse rural de no mínimo 20% do total do território, onde não é permitido o desmatamento, mas que pode ser explorada por meio do uso sustentável).

Dados do IEF mostram que apenas 3,11% da área do estado estão protegidos em unidades de conservação, das quais 1,13% são de proteção integral e 1,98% de uso sustentável. “Somando os parques nacionais, chegamos a uns 4%, mas esse índice está muito aquém do necessário. Precisaríamos de pelo menos 10% só de regiões de proteção integral para ficarmos mais tranqüilos”, relata Ribon. Já a cobertura vegetal em Minas atinge 35%.

Vários projetos estão em andamento para recuperar espécies e diminuir a pressão sobre o meio ambiente. Na Fazenda Engenho D”água, em Ouro Preto, na Região Central do estado, a expectativa é de que os trabalhos com veados-catingueiros, pacas e hortas acabem com a caça e revertam renda para os produtores locais, além de pesquisas e educação ambiental. No Parque Serra da Canastra, em São Roque de Minas, no Centro-Oeste do estado, a 322 quilômetros de BH, o “Pato aqui, água acolá” visa à preservação do pato-mergulhão. No Parque Estadual Serra do Brigadeiro, em Araponga, na Zona da Mata mineira, a 277 quilômetros da capital, além da conservação da vegetação, os trabalhos se voltam à proteção do macaco muriqui.

Número de espécies ameaçadas sobe 54%

Pesquisa identifica risco crescente para a fauna e flora de Minas, sendo o desmatamento e as queimadas os principais vilões

O número de espécies da fauna em risco de extinção em Minas Gerais passou de 178 para 273, um crescimento de 54% segundo os estudos das novas Listas Vermelhas da Flora e da Fauna Ameaçadas de Extinção de Minas Gerais. Para a superintendente técnica da Fundação Biodiversitas, a bióloga Gláucia Drummond, a diferença expressiva não era esperada, mas, ao mesmo tempo, não foi surpreendente. “Vários fatores contribuem para o novo dado: o aumento do conhecimento sobre as espécies, dando mais segurança para a avaliação e indicação para a lista; o fato de a publicação brasileira ter sido revisada em 2002, incluindo os peixes pela primeira vez, com um grande número de espécies no nível nacional – muitas endêmicas em Minas Gerais; e, sem dúvida, a crescente transformação dos ambientais naturais no estado”, afirma.

Os peixes em perigo tiveram aumento de 1.533%, saltando de três para 49, e agora respondem por 17,88% do total em perigo. Entre eles, estão o surubim-do-paraíba (Steindochneridion parahybae), o jaú (Zungaro jahu) e o pirapitinga (Brycon nattereri). Os invertebrados em estágio de vulnerabilidade também cresceram significativamente (64,52%) no período de 11 anos, e saíram de 31 para 51 grupos em processo de vulnerabilidade. Os exemplos são a minhoca-branca (Fimoscolex sporadochaetus), o minhocuçu ou minhoca-gigante (Rhinodrilus fafner), o besouro-de-chifre (Megasoma gyas) e a libélula ou cavalo-de-judeu (Castoraeschna margarethae).

As aves tiveram um salto de 36,14% na comparação com a publicação anterior, e aumentaram de 83 para 113. Entre os animais em situação crítica estão a jacutinga (Aburria jacutinga), o gavião-pintado (Accipiter poliogaster), a andorinha-de-coleira (Atticora melanoleuca) e o pica-pau-amarelo (Celeus flavus). Já os mamíferos saíram de 40 grupos em perigo para 45, uma diferença de 12,5%. O tatu-canastra (Priodontes maximus), a anta (Tapirus terrestris), o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), a onça-pintada (Panthera onca), o cachorro-do-mato-vinagre (Speothos venaticus) e o queixada (Tayassu pecari) engrossam a lista vermelha.

Dois grupos tiveram redução dos índices. Os répteis tinham 10 espécies incluídas na primeira publicação e agora têm seis, e os anfíbios, antes com 11, têm atualmente 10 representantes (-9,09%). Segundo Gláucia Drummond, uma das razões para o registro desses bichos na natureza é a falta de dados consistentes sobre alguns deles, o que levou os especialistas a os classificarem como “deficientes em dados” – uma das categorias consideradas no trabalho. Outros casos são exatamente o contrário. Houve aumento do conhecimento, por meio da intensificação das pesquisas de campo, mostrando que têm uma distribuição maior no estado do que se sabia.

Espécies que saíram da lista dos répteis em perigo de extinção, como Hoplocercus spinosus, foram excluídas por não apresentar registros confiáveis em coleção ou na literatura para Minas Gerais. Já a Heterodactylus lundii (cobra-de-vidro), Corallus hortulanus (jararaca-do-oco) e o Caiman latirostris (jacaré-do-papo-amarelo) deixaram de ser considerados ameaçados por ter sido constatada uma distribuição mais ampla do que se conhecia na época da elaboração da primeira lista, em 1995.

VEGETAÇÃO Das 1.127 espécies ameaçadas de flora, aproximadamente 60% ocorrem no cerrado, 36% na mata atlântica e 5% na caatinga. Uma das responsáveis pelo estudo, a bióloga da Fundação Zoo-Botânica Míriam Pimentel, afirma que o quadro já era esperado. “Minas apresenta diferentes formas de relevo, paisagens muito variadas recobertas por vegetação característica, e, conseqüentemente, uma enorme riqueza”, afirma.

Vários desses vegetais em situação de vulnerabilidade estão preservados no acervo do Jardim Botânico do zoológico, na Pampulha, em Belo Horizonte. Cactos típicos da caatinga, no Norte de Minas, como o Pilosocereus aurisetus , e das regiões Central e Sul de Minas, como o Tacinga werneri, estão em perigo devido ao corte ilegal. Nove espécies já estão extintas no estado, como orquídeas e bromélias que ocorriam na Região Central, principalmente na Serra do Cipó.

Ibama limita ação de criatórios

O artigo 6º da Lei 5.197/1967 que estimula a construção de criatórios destinados aos animais silvestres para fins econômicos e industriais pode sofrer uma alteração. Uma deliberação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Instrução Normativa (IN) 169, quer limitar a atuação do setor. Bem próximo de Belo Horizonte, numa área verde de 30 hectares em Betim, na região metropolitana, mil aves da fauna nacional e exótica vivem no criatório comercial do Vale Verde Parque Ecológico. Elas se reproduzem e garantem a continuidade de 100 espécies, das quais 11 estão ameaçadas de extinção: pomba-goura, cuiu-cuiu, papagaio-do-peito-roxo, loris amor amor, derbiana, três espécies de tiriba, ararajuba, papagaio-do-espírito-santo e arara-azul-grande (os dois últimos são típicos do Leste de Minas, na divisa capixaba e com o Rio de Janeiro, e do Nordeste de Minas, respectivamente).

“Há 400 espécies nas mãos de criadores comerciais, e o Ibama vai lançar uma lista restringindo esse número para 20. Todas que não estiverem na relação terão prazo de três anos para ser devolvidas à natureza. Será uma tragédia ambiental, pois elas terão de ir para os zoológicos, que não têm condições de recebê-las, ou aos mantenedores, que são proibidos de estimular a procriação”, afirma o coordenador do criatório do parque, o biólogo Paulo Machado.

A auditora interna Érica Vieira de Carvalho, de 30 anos, é de São Paulo e, num compromisso de trabalho em Betim, aproveitou para conhecer o parque. “A preservação ambiental é um dos focos das discussões no mundo e há um desequilíbrio enorme devido à extinção das espécies. Como a fiscalização não tem olhos para combater as causas dessa ameaça na natureza, é importante que a população tenha a iniciativa de preservar”, disse.

Com a nova instrução do Ibama, o parque e outros criatórios podem fechar as portas e interromper projetos de educação, que têm foco turístico e ambiental. Para Paulo Machado, o uso de populações em cativeiro é de extrema importância para apoiar os projetos de conservação. “Há vários casos de espécies que foram recuperadas na natureza devido a esse fator. Um caso clássico é o ganso-do-havaí. Hoje, temos a arara-de-spix, que está extinta em ambiente natural e, no futuro, temos a esperança de reintroduzi-la”, afirma.

Segundo o biólogo, um dos principais pontos das discussões entre pesquisadores, integrantes do governo, organizações não-governamentais e grupos de conservação, no que se refere aos criadores comerciais, são os recursos financeiros envolvidos no empreendimento. “É inviável investir sem um retorno financeiro. No Vale Verde, gastamos R$ 30 mil com as aves. É romântica a idéia de que a preservação da flora e da fauna seja auto-sustentável”, diz.

O coordenador de Fauna do Ibama, João Pessoa, informou que o número de 20 grupos indicados por Paulo Machado não procede, pois ainda está sendo analisado. Segundo ele, há 1,4 mil criatórios no Brasil, dos quais 50% concentrados em São Paulo e em Minas Gerais. Acrescentou que a atividade é importante para a preservação das espécies porque reduz a pressão sobre os animais na natureza. (JO)

[EcoDebate, 18/08/2008]