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Sul-africano aposta no biodiesel de pinhão-manso em Moçambique


O sul-africano Renier van Rooyen ampara sorridente, na palma da mão, um cacho verde, feito de volumosos bagos: é a jatropha, também conhecida como pinhão-manso.

Deste fruto não-comestível, se extrai óleo para fabricar biodiesel. Dentro de dois anos, o corpulento agricultor estará colhendo 12 mil hectares de jatropha em sua fazenda em Inhassune, localidade remota no interior da província de Inhambane, no sul de Moçambique, cerca de 450 quilômetros a norte de Maputo. Por Pedro Figueiredo, da Agência Lusa.

Antes mesmo de iniciar a produção, a Bio África, empresa proprietária e gestora da exploração, já tem comprador para toda sua lavoura.

A petrolífera moçambicana Petromoc receberá o óleo e fará o refino. Outros grandes clientes internacionais, como BP e Shell, já lhe bateram à porta na expectativa de adquirirem o que o mercado local não for capaz de absorver, à medida que o projeto for crescendo.

Não admira, por isso, a sonora gargalhada do agricultor ao ser perguntado sobre a estimativa de lucros para quando a fazenda estiver produzindo 36 milhões de litros de biodiesel: “muito”, se limita a dizer.

Descendente de holandeses que chegaram à África do Sul no século 17 e se dedicaram em gerações sucessivas à agricultura, Renier van Rooyen é um dos pioneiros no desenvolvimento de biocombustíveis em Moçambique – indústria em que as autoridades do país planejam apostar.

Calvo e de bigode farto, vestindo calções bege e com sapatos estilo “croc”, Renier van Rooyen já se tornou um dos maiores produtores mundiais de pinhão-manso que, em um futuro próximo, pode se tornar a principal matéria-prima para a fabricação de biodiesel.

Para isso, o agricultor tem investido todo seu tempo no aperfeiçoamento genético da planta, até aqui selvagem e pouco conhecida, para que cresça cada vez maior e com cada vez mais frutos.

“Precisamos de 90 a 100 ramos, o que nos dá 90 a 100 cachos de fruta em cada árvore. Assim estaremos fazendo bom negócio”, calcula.

“Acho que, no mundo, ninguém está produzindo pinhão-manso na escala em que estamos. Temos mais de cinco mil dos 12 mil hectares da fazenda já plantados, com a possibilidade de nos ser concedida uma outra exploração de 20 mil hectares. Nas Filipinas e na Indonésia plantam três, quatro hectares. Por isso, acho que sim, somos pioneiros”, diz com orgulho, acrescentando que 10% da terra é liberada para que os trabalhadores desenvolvam suas próprias culturas alimentares.

Em Pretória, de onde é originário, Renier van Rooyen tem uma fábrica de fertilizantes operando, mas é em Inhassune que, há quase três anos, se concentra: emprega 1.200 trabalhadores em tempo integral, cada um dos quais tem um pedaço de terra para desenvolver a sua própria cultura familiar, iniciou um programa de alfabetização de adultos com aulas de português em um dos celeiros da quinta e outro para a erradicação da malária. O produtor injeta US$ 85 mil por mês em salários, em uma região onde ter um emprego formal era uma miragem.

“Começamos do nada. Estas pessoas estavam sentadas debaixo das árvores, ninguém trabalhava havia 20 anos. Dois anos e meio depois, plantamos cinco mil hectares de árvores, temos 1.200 pessoas trabalhando. É uma grande mudança”, compara o agricultor sul-africano, enquanto ziguezagueia seu jipe Toyota por entre uma imensidão de ramos secos – as plantas de jatropha estão podadas nesta época do ano.

Alguns quilômetros na direção oposta, percorrendo um caminho de terra vermelha – a principal estrada asfaltada, que liga o sul ao norte do país, fica a mais de 70 quilômetros de caminho de terra batida -, chega-se à minúscula vila de Inhassune.

A casa de Renier van Rooyen está perto do centro, no caminho que conduz ao coração da exploração agrícola.

À porta está um mastodôntico leão da Rodésia (raça de cães anormalmente corpulentos proveniente da África do Sul). Dentro está uma casa onde não falta nenhum dos confortos da civilização, incluindo internet de banda larga, que recebe por satélite e por onde chega também a televisão. No fundo da casa, uma escola particular totalmente equipada garante a continuação dos estudos de suas duas filhas.

Mas o quê fez o produtor deixar a fábrica de fertilizantes em Pretória para produzir biocombustíveis nos confins de Moçambique?

“Há uns 10 anos, assisti a um congresso sobre sustentabilidade na África do Sul que me deixou pensativo. Percebi que, no futuro, haveria um mercado para a fabricação de diesel a partir de óleo vegetal e tomei a decisão de usar um óleo não-alimentar. Depois, pesquisei e descobri que a jatropha é o óleo que faz o melhor diesel do mundo. Depois, foi escolher o local. Aqui havia infra-estrutura e trabalho suficiente. Quando há estas duas coisas, o resto se faz”, relata.

O governo moçambicano tem mostrado receptividade para a aprovação de projetos de produção de biocombustíveis no país, que não têm parado de surgir.

Este ano, por exemplo, a Geocapital, do empresário macaense Stanley Ho, anunciou que investiria até US$ 40 bilhões nos próximos dez anos na produção de biocombustíveis em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, com uma produção que deve atingir a capacidade de 14 milhões de toneladas anuais.

Um estudo recentemente divulgado, realizado pela empresa norte-americana Econergy, revelou que Moçambique tem “grandes potencialidades” para se tornar um importante exportador mundial de biocombustíveis – dado o ainda diminuto consumo doméstico de combustíveis -, com 27 milhões de hectares de terras férteis, das quais entre 6,5 milhões e 15 milhões podem ser usados para produzir biocombustíveis, em especial jatropha e cana-de-açúcar.

O governo moçambicano deverá, em breve, divulgar a versão final de sua estratégia para o desenvolvimento deste negócio no país.

Renier van Rooyen antecipou-se e seu principal desafio é desenvolver comercialmente uma cultura pioneira.

“Ainda estamos aprendendo. Ninguém sabe o suficiente desta colheita. Não é como o milho, sobre o qual existem 300 ou 400 anos de experiência. Tudo é novo. Desde a produção de sementes, os genes da árvore, como é que vão reagir à poda. Todos os dias, aprendo alguma coisa. Estamos constantemente aprendendo, melhorando os nossos métodos de cultivo e produção, injetando novas tecnologias”, comenta.

O agricultor sul-africano não ignora, porém, o debate sobre o impacto da produção de biocombustíveis na segurança alimentar.

“O debate sobre alimentos e biocombustíveis não faz nenhum sentido. A produção agrícola na África é feita de maneira tão antiquada que, apenas aperfeiçoando os métodos de produção, poderíamos aumentar em cinco ou seis vezes as colheitas. É impossível a um homem com um boi e uma charrua arar mil hectares de terra. Por isso, mesmo se lhe dermos mil hectares, ele não vai conseguir fazer nada com eles. Até parece que não há pessoas morrendo de fome em Moçambique”, rebate.

“Não estamos prejudicando o meio ambiente, não estamos roubando terras da produção de alimentos, não estamos tirando comida das pessoas. […] Acho que fazemos muito mais pelos pobres da África do que essas pessoas que dizem para não se plantar biocombustíveis”.

Da Agência Lusa, 02-08-2008 12:16:51

[EcoDebate, 04/08/2008]