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Notícia

Pará: Guerra por madeira vale R$ 30 bilhões. Madeireiros ilegais criam milicias para disputar área de mais de 1 milhão de hectares

Numa região de difícil acesso e distante cerca 140 km do município de Santarém, no Oeste do Estado, milícias de madeireiros ilegais estão se matando dentro da mata fechada numa disputa que põe em jogo uma área de mais de 1 milhão de hectares de floresta primária e que possui cerca de R$ 30 bilhões em madeira. Por Alailson Muniz, da Agência Amazônia, no O Liberal, PA, Edição de 15/07/2008.

Curuatinga fica localizada às margens do rio de mesmo nome, que é afluente do rio Curuá-Una. A maneira mais fácil de chegar até a região é por barco. A vida pacata da região começou a mudar depois que várias madeireiras passaram a se instalar na região. Grupos de pessoas armadas passaram a circular dentro da mata, fazendo picos que demarcam as áreas que estão sendo desmatadas de forma ilegal.

Rica em floresta primária e, conseqüentemente, madeira de médio e alto valor comercial, a região do Curuatinga está sendo palco de várias atrocidades, que não se limitam aos costumeiros crimes ambientais.

‘A disputa pelas área que possuem madeira nobre está causando uma guerra entre os grupos armados’. As palavras são de um morador da região, que pediu para ser chamado apenas de José. ‘Tenho medo de morrer se saberem que falei alguma coisa’, justifica.

José conta que as milícias tornam mais ágil a derrubada da floresta. Elas entram na mata e identificam as áreas de extração e fazem todo o trabalho. ‘Quando a madeireira vem com as balsas, as toras já estão todas prontas para serem transportadas’, conta José. Ele explica que o transporte também é feito por dentro da mata por meio de estradas clandestinas e levado até o município de Uruará para burlar a fiscalização. ‘Lá, a madeira é vendida com documentos que eles arranjam’, diz José.

As milícias foram sendo criadas depois que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e Não Renováveis) passou a realizar sobrevôos de helicóptero sobre a região. ‘Sempre alguma balsa era apreendida, pois o trabalho de derrubada e retirada da mata era mais lento’, diz José.

O Ibama chegou a realizar várias apreensões de balsas transportando madeira em tora sem a Documentação de Origem Florestal (DOF). As milícias se aproveitaram da situação e passaram a oferecer os seus serviços às madeireiras, que só chegam para embarcar o produto.

AMEAÇAS

Na região, não existe um único posto da Polícia Militar ou Civil. Assim como José, as lideranças comunitárias têm medo de falar. As que falam são ameaçadas de morte como é o caso do agricultor Valdecir dos Santos Gomes, que mora na comunidade de Santo André, no rio Curuá-Una, área contígua ao Curuatinga. Lá, foi criado pelo Incra, em 2005, o Projeto de Assentamento Curuá.

Valdecir já sofreu várias ameaças de morte e vive sob constantes intimidações. Chegou a pedir proteção policial, mas não a tem até hoje. O agricultor confirma a existência de milícias de madeireiros dentro da região do Curuatinga. Ele também afirma que existe uma disputa entre os grupos que, em muitas vezes, acaba em morte. ‘A região é uma barril de pólvora prestes a explodir e ninguém faz nada. Muitas vidas terão de ceifadas para que o Estado olhe para nós’, crítica Valdecir.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) acompanha o caso há vários e anos e também considera a ausência do Estado como uma das principais causas dos conflitos, agressões, mortes e crimes ambientais. ‘Os conflitos são constantes, os crimes ambientais também. A derrubada ilegal de madeira e as ameaças aos líderes comunitários acontecem todos os dias. A ausência do estado fortalece a impunidade na região, que se transforma em um verdadeiro faroeste’, afirma Gilson Rego, coordenador da CPT em Santarém.

IBAMA

O superintendente do Ibama, em Santarém, Daniel Cohenca, confirmou que o órgão conhece a prática das milícias apenas na região do município de Uruará e que ficou sabendo apenas agora da situação no rio Curuatinga. Cohenca disse ainda que as Polícias Federal e Militar também têm conhecimento da situação em Uruará e que estão investigando. ‘Essa mesma situação acontece no ramal do Capixi em Uruará’, afirma Cohenca.

Sema libera apenas 1,3 milhão de metros cúbicos de madeira

A baixa qualidade dos projetos de manejo florestal encaminhados à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), resultou na liberação de pouco mais de 1,3 milhão de metros cúbicos de madeira paraense até ontem. A quantidade pode parecer alta, mas para o setor madereiro é considerada insuficiente para suprir a demanda estadual. A Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (Aimex) aponta que a pouca matéria-prima liberada dificulta o funcionamento do setor, o que tem fechado empresas e desempregado funcionários. A quantidade liberada até agora é inferior à metade do que foi no ano passado. Mais de 500 projetos com pendência técnicas e documentais estão parados na Sema por falta de adequação às exigências legais e ambientais.

O secretário adjunto da Sema, Marcelo Françozo, explica que a quantidade liberada pode aumentar, mas isso depende da demanda dos projetos aprovado pela secretaria. ‘Mais da metade dos 904 projetos de manejo florestal que a Sema recebeu estão, infelizmente, de péssima qualidade ou com falta de documentos. Não podemos aprovar nada que não tenha comprovação legal e ambiental’, diz o secretário. ‘Quem tem um projeto, pode acompanhar o andamento no site. Notificamos as empresas que precisam adequar os projetos pelos Correios e por e-mail. Se as empresas não receberam as notificações, podem vir à Sema para pegar a notificação protocolada’, observa.

O diretor técnico da Aimex, Guiherme Carvalho, diz que poucas empresas têm conseguido aprovar um projeto com a Sema, devido à dificuldade de notificação. A secretaria aponta que 59% dos projetos em avaliação apresentaram falta de documentos ou deficiência do projeto. Até agora, apenas 300 projetos foram aceitos.

Carvalho diz que o atendimento da Sema é ausente. ‘Com a greve dos Correios, muitas empresas não foram notificadas. Apenas alguns receberam notificações por e-mail, mas com informações confusas e os empresários não sabiam afinal o que precisavam, fazer. Isso se deve ao fim do atendimento ao público da Sema. O atendimento agora é on line ou por e-mail, mas o sistema apresenta falhas’, critica Guilherme. ‘Temos cerca de 1.500 empresas cadastradas na Aimex, das quais 90% são no interior. O custo é alto para se deslocar e procurar por atendimento quando não há mais essa possibilidade. Há processos protocolados há mais de um ano ainda sem resposta’, completa.

Françozo defende que a Sema tem problemas, mas faz a parte dela. ‘A Sema tem poucos funcionários para avaliar todos os projetos mais rapidamente, mas as empresas devem colaborar. Projetos inadequados lotam a secretaria e os notificados não corrigem os problemas’, diz.

O secretário adjunto acredita que se os projetos forem corrigidos, é possível que a quantidade de metros cúbicos de madeira liberados aumente. Françozo estima que até o final do ano seja possível liberar mais de três milhões de metros cúbicos e talvez superar a média de 2007.

[EcoDebate, 16/07/2008]