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Notícia

Amazônia enfrenta devastação em áreas protegidas

Levantamento mostra que 22,3% dos desmatamentos ocorreram em terras indígenas ou reservas ambientais

BRASÍLIA. De cada cinco árvores derrubadas ano passado na Amazônia, uma tombou em reservas indígenas ou de proteção ambiental. Levantamento inédito do Ibama usando dados do Prodes, o sistema que mede por satélite a devastação anual da floresta, mostra que 22,3% das derrubadas ocorreram nas chamadas terras intocáveis, que deveriam estar a salvo das motosserras. Embora o governo tenha comemorado quedas consecutivas na destruição da Amazônia desde 2004, a participação das áreas protegidas no total devastado dobrou no mesmo período. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, admite que a situação é alarmante. Por Bernardo Mello Franco, do O Globo, 06/07/2008.

– É um número terrível. Isso mostra que as nossas reservas não estão bem protegidas, e que não basta criar uma área no papel para garantir a preservação da floresta – diz o ministro.

A devastação das reservas voltou a crescer ano passado, quando 2,3 mil quilômetros quadrados de áreas de reservas ambientais foram ao chão – um aumento de 6,4% em relação à área destruída em 2006. No mesmo período, o desmatamento caiu 20% em toda a Amazônia Legal. Se forem contabilizados os últimos quatro anos, o desmatamento da Amazônia caiu 59%, mas o recuo em áreas de proteção ambiental e terras indígenas não ultrapassou os 12%. O levantamento foi feito, a pedido do GLOBO, pelo Centro de Sensoriamento Remoto do Ibama, que cruzou dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) com o mapa das reservas.

A ausência do Estado é o principal passaporte de entrada de madeireiros e pecuaristas nas áreas de proteção ambiental.

Criado em agosto passado para administrar as reservas federais, o Instituto Chico Mendes sofre com problemas comuns a órgãos antigos do governo, como o déficit de pessoal. Segundo um relatório aprovado este mês pelo Tribunal de Contas da União, unidades inteiras, como a Floresta Nacional São Francisco, no Acre, não têm um único servidor para gerenciá-las.

“Tem-se como resultado uma capacidade ineficiente para a administração das unidades de conservação, frente aos problemas de invasão, garimpo, roubo de madeira e caça”, atesta o TCU.

Para remediar o problema, Minc promete contratar de forma emergencial, nas próximas semanas, 120 técnicos e gestores de unidades. Ele também planeja aproveitar o recrutamento temporário de 2.500 brigadistas de incêndio, autorizado pela Presidência, para reforçar o combate às queimadas no entorno das reservas.

Governo não sabe a quem punir

O déficit de fiscais é agravado pela falta de integração entre os órgãos federais e pelas falhas no mapeamento da região.

Em alguns casos, a sobreposição de terras provoca conflitos entre o Ibama, o Instituto Chico Mendes, a Funai e o Incra, que comanda os assentamentos da reforma agrária. A Floresta Nacional de Roraima, por exemplo, tem 95% de sua área dentro do território dos índios ianomâmis e os outros 5% divididos entre dois assentamentos da reforma agrária.

Cercado por mapas da selva, o diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Azevedo, prepara uma grande operação para definir o uso de áreas verdes que envolvem a rodovia Transamazônica no sul do Amazonas, onde o desmatamento avança com velocidade.

Em outra frente, ele tenta identificar os ocupantes das áreas mais vulneráveis dos 36 municípios que mais devastam a floresta.

– Vamos fazer uma varredura para dar nomes aos bois. Hoje, o governo identifica o desmatamento e não sabe a quem punir – afirma Azevedo.

A metáfora bovina ganhou substância semana passada, quando o Ibama apreendeu 3.100 cabeças de gado em plena Estação Ecológica da Terra do Meio, no Pará. O governo estima que há outros 40 mil animais na reserva. Nas reservas indígenas, o desmatamento tem caído, mas a expansão da fronteira agrícola preocupa a Funai em Mato Grosso e Rondônia.

O maior foco de tensão entre índios e madeireiros está na reserva Kawahiva do Rio Pardo, em Colniza (MT), município que ocupa um dos primeiros lugares no ranking do desmatamento.

A coordenadora de Proteção de Terras Indígenas da Funai, Thaís Gonçalves, diz que o assédio do agronegócio é a principal ameaça à integridade das reservas: – A pressão é maior onde há expansão da fronteira agrícola.

Como a Funai não tem poder de polícia, estamos impedidos de prender ou autuar quem pratica crime ambiental nas reservas. Dependemos do apoio da Polícia Federal e do Ibama, mas a proteção das terras indígenas nem sempre é prioridade para esses órgãos.

Enquanto o governo não aperta a fiscalização, os madeireiros continuam a invadir as reservas. Só no mês passado, a Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, perdeu 35 quilômetros quadrados de área florestada, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento da ONG Imazon.

Mapeamento precário agrava problema na região

Secretaria de Patrimônio da União desconhece boa parte das terras que deveria administrar

BRASÍLIA. O descontrole sobre as terras públicas na maior floresta tropical do mundo é agravado pelo mapeamento precário de mais de um terço da região.

Dos 5,2 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal, 1,8 milhão (34,6%) fica numa zona chamada por especialistas de vazio cartográfico: áreas onde não existem mapas na escala 1/100 mil, necessários para obter informações sobre solo, rios e uso dos terrenos.

Por isso, órgãos como a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) admitem desconhecer a extensão de boa parte das terras que deveriam administrar.

– Ainda não temos um levantamento que possa dar a dimensão exata das áreas da União nas margens dos rios federais, que cortam toda a floresta. O Brasil é um país continental, mas historicamente não investe na cartografia de seu território – diz a coordenadora de fiscalização da SPU, Dulce Amaral.

Responsável pelos assentamentos da reforma agrária, que em 2007 responderam por 16,8% do desmatamento da Amazônia, o Incra é um dos órgãos mais confusos sobre as terras que distribui. “O Incra não tem controle e conhecimento acerca da ocupação de terras rurais da Amazônia, pois não possui um cadastro confiável que permita a gestão territorial da região”, resume um relatório aprovado no início do mês pelo Tribunal de Contas da União.

De acordo com o documento, o descontrole fundiário é aliado da grilagem, do desmatamento e dos conflitos pela terra. Uma das conseqüências do problema é a exploração de populações da floresta, como os moradores do arquipélago de Marajó, no Pará, onde o Rio Amazonas deságua no Oceano Atlântico. Lá, os grileiros aproveitam a ausência do Estado para obrigar os ribeirinhos a pagar pela moradia em casas de palafita assentadas sobre terras públicas. Coordenado pela SPU, um projeto piloto de regularização fundiária prevê a entrega de 40 mil títulos de posse na região, até 2010.

– Os grileiros ficam em Macapá, a seis horas de barco da ilha, mas usam documentos falsos e contratam até policiais para intimidar os ribeirinhos – diz o gerente regional da SPU, Neuton Miranda.

Publicado em fevereiro no Diário Oficial, um acordo entre a Casa Civil e as Forças Armadas para mapear a floresta começa a sair do papel mês que vem. O projeto, batizado de Radiografia da Amazônia, prevê a entrega de 20 mil cartas topográficas, náuticas e geológicas em sete anos, ao custo de R$ 350 milhões.

– Não dá para preservar o que não se conhece – diz o diretor do Serviço Geográfico do Exército, general Pedro Vieira.