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Artigo

Amazônia: espaço de viabilidade ou de inviabilidade do Brasil, artigo de Luis Fernando Novoa

[IBASE] É para a região amazônica que se dirigem as “fronteiras” econômicas, agrícola, energética e tecnológica do país. Contando com cerca de 52% do território nacional, a Amazônia não é simplesmente espaço de expansão, mas espaço de projeção em que o Brasil pode ser confirmado ou desfeito. Em um contexto de interconexão dos mercados e de harmonização de processos políticos decisórios em escala global, os “recursos naturais” da Amazônia passam a ser vistos como estoques, mercados de commodities ou de futuros, a serem regulados pelos conglomerados transnacionais. A “governança” que querem é a que proporciona capacidade de administração meticulosa da expansão das fronteiras dos negócios oligopolizados.

Nas décadas de 1970 e 1980, o regime militar procurou incorporar a Amazônia à estrutura produtiva do centro-sul e, por derivação, aos circuitos produtivos mundiais por meio de obras viárias e de incentivos a grandes projetos minerais e agropecuários. Nas últimas décadas, com os governos FHC e Lula, programas de interconexão de infra-estrutura (Avança Brasil, IIRSA e PAC) pretenderam vincular diretamente a região à dinâmica desses circuitos por meio de um processo de “integração regional”. Essa integração não passa de um novo ciclo de internacionalização do continente gerido de forma conjunta pelos Estados nacionais sul-americanos, em processo de desmonte, sob regência do Fundo Monetário Internacional (FMI) e bancos multilaterais.

O resultado dessas políticas instrumentalizadoras e fragmentadoras foi uma sucessão de enclaves em rotação, um enorme território a disposição dos investidores privados e de suas encomendas. Projetos e programas patrocinados pelo Banco Mundial para a região amazônica, tais como o PP-G7 e ALFA, revelam a tentativa de “racionalizar” esse processo de incorporação, de forma que a espoliação seja sustentável e duradoura. O fato de as políticas vigentes, com foco e prioridade na região amazônica, estarem subordinadas a instituições financeiras multilaterais revela um perigoso vazio de projeto nacional e regional.

A Amazônia como construção nativa, diversa e popular está sendo inviabilizada pela Amazônia das redes verticais, com centros decisórios externos que desprezam encadeamentos internos e compromissos com a população.

Um banco público de fomento como BNDES precisa, em primeiro lugar, rever todo e qualquer financiamento e/ou parceria que reforce esse padrão privado e monopolista de incorporação da Amazônia. O preço de não deter o processo de expansão das frentes reprimarizadoras da nossa economia na Amazônia será a cristalização de um modelo rebaixado e assimétrico, tornando-o irreversível. A Amazônia como estoque de matérias-primas, escoadouro energético e eixo viário bioceânico, a serviço das cadeias de suprimento no oceano Pacífico, representaria uma derrota histórica da possibilidade de construirmos uma nação justa e soberana.

Para além da lógica conservacionista, que se mostra muito funcional ao processo de mercantilização da Amazônia (estoques de capital natural, controle privado da biodiversidade e das águas, gestão corporativa do território), é preciso que se conceba uma base produtiva regional que seja fruto da potencialização e qualificação das atividades extrativistas, agrícolas, de serviços e industriais de base local.

A geração energética a ser obtida na Amazônia precisa ser submetida a um planejamento público nivelador em função dos interesses das comunidades que nela vivem. Fundos de inovação devem ser criados para dar suporte a cadeias tecnoprodutivas em biodiversidade, com agregação gradativa de valor de baixo para cima, a partir da unidades de pesquisa/aplicação/extensão biotecnológicas descentralizadas em cidades em que se possam entrecruzar escolas técnicas, universidades, órgãos públicos, cooperativas, assentamentos e pequenas empresas.

Uma política industrial e tecnológica específica deve ser adotada na Amazônia com critérios de seletividade para pesquisa e desenvolvimento em biofarmácia, indústria alimentícia e cosmética diferenciadas e fontes alternativas de energia. Além disso, redes de serviços em turismo e cultura regional devem ter acesso a crédito especial para sua qualificação e expansão.

Toda a logística concebida para a Amazônia como vetor de desintegração nacional e regional precisaria ser revista, para evitar um tipo de integração energética e viária para maior escoamento de matérias-primas da região. Uma nova lógica deve ser implementada, orientada para o fortalecimento de novas cadeias produtivas, com ênfase na biotecnologia e voltadas para o mercado interno e regional.

Artigo originalmente publicado pelo IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas