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Artigo

A crise climática potencia o conflito social, artigo de Sérgio Ferrari

Adital – O ecossistema planetário está em quarentena. A principal ameaça é o acelerado aquecimento climático. E as vítimas mais golpeadas são as populações desfavorecidas do Sul.

Tese central do seminário internacional, organizado na sexta-feira passada, 20 de junho, pela Ação Quaresmal e Pão para o Próximo, em Berna, Suíça.

Cerca de duzentos participantes do mundo da cooperação ao desenvolvimento e das organizações ecologistas participaram no debate.

Inaugurado pelo Conselheiro Federal -membro do executivo colegiado- Moritz Leuenberger, ministro do meio ambiente, transporte, energia e comunicação. Ele destacou a responsabilidade principal das nações desenvolvidas na atual emergência climática, incluída a Suíça, para coadjuvar o melhoramento dessa situação e “se comprometeu a reduzir as emissões de CO2 em 20% até o ano 2020”. Leuenberger recordou também a importância de promover biocarburantes e de criar “semáforos sociais”, na busca de soluções.

Estas opções não devem “ameaçar a alimentação da população mundial”, sujeita muitas vezes, inclusive, a “especulações financeiras e bursáteis”, enfatizou o ministro suíço. Reconhecendo a brecha crescente entre o Norte e o Sul, Moritz Leuenberger, apostou “os esforços para reduzir a mudança climática sobre a base de uma real solidariedade mundial”.

“Justiça climática”

“A mudança climática é uma das principias causas das catástrofes naturais em aumento e do caos produzido pela insegurança alimentar”, declara em entrevista exclusive a antropóloga costarricense Lorena Aguilar, Conselheira mundial de gênero da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

Essa mudança climática “não se mede somente com os dois graus de temperatura média em aumento que ameaça o ecossistema, mas com os bilhões de rostos humanos que o padecem”. E sublinha o impacto de gênero dos cataclismos: “Quatro entre cinco das vítimas mortais nos desastres na no Sul são mulheres. 70% das pessoas mais pobres também são mulheres”.

Lorena Aguilar, uma das duas convidadas da América Latina e do Caribe que participaram no seminário de Berna, falou de tempos políticos. “Os acordos internacionais para proteger o clima avançam muito lentamente, enquanto os efeitos desastrosos golpeiam aceleradamente”.

Daí a necessidade de medidas muito concretas e em curto prazo. “Em primeiro lugar o respeito dos acordos internacionais assumidos a partir de Kyoto. Em segundo lugar, a solidariedade ativa com as vítimas desta situação”.

Para Aguilar “as nações do Norte são as principais responsáveis por essas mudanças climáticas, portanto, devem assumir as conseqüências diretas para paliar os efeitos… Um simples ato de justiça”.

Desastre climático e miséria social

Conceito partilhado por Alexandre Kettly, do diretório nacional do “Movimento Camponês Papaya”, do Haiti invitada ao Fórum de Berna.

Para a dirigente social caribenha, “Estados Unidos, que por si só emite 23% do gás de efeito estufa no planeta”, está à cabeça das nações industrializadas promotoras dessa situação.

Sem esquecer os países emergentes, como China e Índia, “que acentuam os problemas climáticos”. Trata-se, em síntese, “de um modelo de desenvolvimento que despreza a saúde atmosférica”. E que penaliza, particularmente os setores mais desfavorecidos da população do Sul. “Os desastres naturais golpeiam especialmente os países pobres. Se entre 2000 e 2004, 268 milhões de pessoas foram atingidas a cada ano por cataclismos climáticos, 98% das mesmas habitam países em desenvolvimento”.

Haiti é um dos exemplos mais emblemáticos. Nos últimos 30 anos, “a freqüência dos desastres naturais aumentou 40% com respeito às décadas dos 40, 50 o 60”.

“Nos últimos 20 anos nos convertemos no símbolo da devastação ecológica, social e econômica do hemisfério americano”, enfatiza a porta-voz do Movimento Camponês Papaya.

Os desafios globais

Ante a injustiça climática, os desafios globais do conjunto do planeta são enormes e exigem uma especial responsabilidade dos estados bem como a mobilização da sociedade civil mundial. Síntese conclusiva do seminário internacional de Ação Quaresmal e Pão para o Próximo.

Para as duas ONGs suíças -ligadas às igrejas católica romana e protestante- existe também uma responsabilidade global para as 850 milhões de pessoas que padecem atualmente fome no mundo.

“Se não conseguimos reduzir as emissões de gás de efeito estufa e a limitar a 2 graus o aumento da temperatura mundial, a fome, a seca e os conflitos serão incontroláveis e reduzirão a nada os esforços de desenvolvimento”, enfatizam no documento de base do conclave de Berna.

[Colaboração E-CHANGER + swissinfo]

RESPONSABILIDADES DESIGUAIS

Pão para o Próximo e Ação Quaresmal são duas das organizações não-governamentais mais importantes da Suíça. Ambas promovem, anualmente, uma campanha de sensibilização e coleta de fundos. Em 2008, a problemática da fome no mundo apresentou-se como o tema principal de dita campanha. Para ambas ONGs, nada ameaça tanto a existência humana e o equilíbrio do ecossistema quanto o aquecimento climático. Fenômeno produzido fundamentalmente no Norte, porém que golpeia especialmente os setores mais desfavorecidos do Sul. Para ambas organizações -que fazem parte da Aliança Sul- a questão climática está intimamente ligada à questão da justiça social.

O aquecimento climático é uma realidade provocada pelos seres humanos. Apesar de que nem todos têm a mesma responsabilidade. Um habitante da Europa provoca uma emissão de 8 toneladas de CO2 por ano, quantidade oito vezes maior do que a de um africano. Enquanto um estadunidense produz emissões anuais que chegam a 20 toneladas. (Sergio Ferrari)

Sérgio Ferrari é Colaborador da Adital na Suiça.

Artigo originalmente publicado pela Agência de Informação Frei Tito para a América Latina – Adital