EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Debates da Transposição, artigo de João Abner Guimarães Jr.

[EcoDebate] A transposição do rio São Francisco, principal projeto do governo Lula e o maior investimento do Plano de Aceleração do Crescimento do Governo Federal para o NE – de seis bilhões de reais, encontra-se com execução em andamento apesar de estar “sub judice”, aguardando julgamento de mérito no Supremo Tribunal Federal de 14 ações judiciais que questionam frontalmente os seus processos de licenciamento hídrico e ambiental, que, caso julgado procedentes, deverá sustar definitivamente o andamento do projeto.

Só esse fato mereceria suscitar um debate nacional, que, entretanto, encontra-se travado, principalmente pelo forte consenso e articulação política que se construiu na região receptora com o Governo Federal, apesar das contradições que têm sido apontadas no Projeto – tachado pelos críticos, nos quais me incluo – como um verdadeiro presente de grego para a região: injusto, inócuo e ultrapassado.

O combate ao projeto, como numa longa corrida de bastão de sete anos de duração, vem sendo travado por um grande movimento popular com participação de entidades de diversos matizes políticas que desde o final do governo FHC vem resistindo contra o rolo compressor do lobby governamental da obra, a duras penas, com participação políticas latente no congresso nacional e nos estados da bacia do rio São Francisco.

Historicamente, podem-se destacar dois momentos na luta contra transposição: iniciando no campo institucional e evoluindo para uma luta de resistência popular.

No Governo FHC e no primeiro mandato de Lula a luta foi capitaneada pelo Comitê da Bacia do rio São Francisco, com o apoio fundamental dos governos estaduais da bacia doadora, dos ministérios públicos estaduais e federal e forte articulação com os movimentos sociais.

Apesar da força do movimento que conseguiu barrar o projeto no governo FHC e contrariar o interesse do Governo no âmbito do Comitê, o Governo Lula impôs o projeto, atropelado os processos democráticos de licenciamento ambiental e hídrico, conduzindo ao segundo momento da luta com a radicalização do movimento que culminou com as duas greves de fome do Bispo Dom Luiz Cappio de Barra do São Francisco na Bahia, intercaladas por uma tentativa de diálogo.

Antes do processo eleitoral da re-eleição, o Presidente Lula procurou os movimentos sociais, através de Don Luiz, buscando um diálogo interrompido imediatamente após as eleições unilateralmente pelo Governo.

Com a re-eleição de Lula e a conquista pelo PT dos governos da Bahia e Sergipe, onde se concentrava a principal resistência política, o projeto aparentemente se consolidou

Entretanto, a nível nacional, como um fogo de monturo que não se extingue nunca, o debate devagar vem se mantendo em várias frentes, apesar de um velado bloqueio da grande mídia que destaca apenas aspectos polêmicos folclóricos da obra, escondendo as fragilidades do Projeto.

Entretanto, cedo ou tarde, a verdade virá à tona, resta torcer para que os debatas possam, em tempo, evitar a irreversibilidade do grande prejuízo para a nação brasileira, dividindo o povo e retardar a ação efetiva do Governo Federal no NE durantes muitos anos.

Nessas últimas semanas estarei participando de dois importantes debates da transposição do rio São Francisco: no Rio Janeiro no BNDES, em 05/06 e no SANADO FEDERAL, em 12/06, com transmissão pala TV SENADO, a partir das 17:00 hs.

João Abner Guimarães Jr., Prof. da UFRN, colaborador e articulista do EcoDebate

One thought on “Debates da Transposição, artigo de João Abner Guimarães Jr.

  • Paulo Afonso da Mata Machado

    O Prof. João Abner é um corajoso. Ele afirma que toda a classe política de seu estado, o Rio Grande do Norte, defende ardorosamente a transposição do rio São Francisco. No entanto, ergue-se isoladamente contra ela e apresenta argumentos que, curiosamente, são seguidos por inúmeras pessoas interessadas em combater o projeto para manter o atual estado de exploração predatória do rio São Francisco.

    Como sei que o Prof. Abner é bem intencionado, prefiro comentar os equívocos que ele apresenta para lhe dar oportunidade de justificá-los em um próximo artigo.

    Prof. Abner, é verdade que a defesa do projeto é capitaneada por uma forte articulação
    político-empresarial, envolvendo os governos e as bancadas dos estados do Nordeste Setentrional (CE, PE, PB e RN). Afinal, são eles os maiores interessados em acabar com anos de obras públicas inacabadas. Tais obras, que demandaram muito dinheiro aos cofres públicos estão, muitas delas, paralisadas. Recuso-me a falar em valores, pois elas vêm acontecendo há séculos e a moeda foi se alterando ao longo do tempo. Por que não foram concluídas? Porque eram obras que tinham o fim em si mesmas. Muitas delas tiveram o objetivo de dar emprego aos milhões de refugiados da seca. Sem um projeto definido, quando as chuvas voltavam e a população retornava às suas propriedades, elas ficavam esquecidas.

    A transposição objetiva acabar com esse círculo vicioso e, por isso, tem sido defendida ardorosamente pelos nordestinos realmente interessados no progresso da região.

    O senhor diz que o projeto deverá comprometer grande parte dos recursos públicos em muitos anos no NE. Não entendo por quê. Estão previstas inúmeras obras no Centro-Sul, entre elas o trem-bala, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, obra esta que vai custar cerca de 12 bilhões de reais (o senhor informa que o custo da transposição do São Francisco será de 4,5 bilhões de reais). Não me ocorre que alguém tenha dito que o trem-bala vá comprometer os recursos públicos para o Centro-Sul.
    O que ocorre é que há uma crença generalizada de que as obras de infra-estrutura devam ser feitas onde possam ter mais retorno, ou seja, no Sul e no Sudeste. Para o Nordeste, ficariam os açudes e as obras emergenciais em época de seca.

    Quanto à transposição manter o quadro da seca inalterado, o senhor está correto. A transposição não objetiva alterar o clima do Nordeste. A contribuição que ela vai dar nesse sentido é que, ao longo dos 720 km de canais, vai promover uma ligeira melhora na umidade relativa do ar. Digo isso porque sou profundamente alérgico a baixas umidades do ar e agradeço qualquer melhoria nesse sentido. No entanto, a transposição, como qualquer outra obra de engenharia, não vai alterar a seca do Nordeste.
    Há uma afirmação do senhor de que “águas desviadas vão passar distante da grande maioria da população rural do sertão atingida pela seca, e, em contrapartida, vão irrigar em condições economicamente desfavoráveis regiões onde já se encontram os maiores reservatórios”.

    Tenho observado que essa crítica vem sendo seguida por inúmeros combatentes da transposição. Dizem que a água vai ser levada para quem não precisa.

    Não tenho nenhuma procuração para dar explicações sobre o projeto, mas como sinto que essa será a grande obra de remissão do Nordeste Setentrional, procurei me informar melhor e penso que posso esclarecer algumas dúvidas a esse respeito.

    Por que os canais vão descarregar nos reservatórios existentes? Se já existe água, para que está sendo levada mais água?

    Os reservatórios acumulam água das chuvas que, em grande parte do Nordeste, se concentram em, no máximo, três meses do ano. Por isso, os reservatórios se enchem durante o período de chuvas e vão esvaziando lentamente durante o período de seca.

    Ocorre, aí, um grande problema. Como a única fonte de água é a chuva, o reservatório precisa se encher durante o período chuvoso. Muitas vezes, se enche completamente e perde água por vertimento. Como essa água precisa durar por todo o ano, ela tem que ser economizada (os economistas gostam de chamar de “demanda reprimida”). Há, no entanto, um consumo que não há como ser economizado. Trata-se da evaporação. As perdas por evaporação são enormes. Estima-se que 75% de toda a água armazenada no Nordeste se perca por evaporação ou por vertimento.

    Como entra o projeto de transposição? Ele vai criar uma nova fonte de abastecimento para os reservatórios além da chuva. A grande vantagem é que será uma fonte contínua, sem interrupções. Dessa forma, os reservatórios não precisarão mais se encher para esperar o período de seca. Poderão funcionar com capacidade reduzida, reduzindo também as perdas por evaporação. Assim, o ganho com a transposição vai incluir, também, a redução das perdas.

    O senhor faz uma observação interessante, de que, no Nordeste, não se cobra pela água bruta. Trata-se de algo que não se sustenta. Como a água é um bem escasso no Nordeste, ela tem que ser cobrada. Se não é cobrada, é usada indevidamente e depois falta até para os consumos básicos. O caminhão-pipa, símbolo da seca no Nordeste, não existiria se houvesse uma política de cobrança da água bruta. O agricultor deve computar em seus custos também o custo da água.

    A Companhia de Saneamento de Minas Gerais – Copasa tem um estudo sobre o consumo de água quando há hidrômetro e quando não há hidrômetro. No primeiro caso, em que as pessoas pagam pela água que consomem, há a tendência de economizá-la. No segundo caso, em que pagam pela ligação, não importando quanto gastem, o consumo chega a ser o dobro do consumo no primeiro caso.
    Por outro lado, o senhor afirma que, com o pagamento da água transposta, haverá restrição na produção agrícola. É uma afirmativa corajosa, porque vai de encontro aos manuais de economia, que afirmam justamente o contrário: maior disponibilidade do insumo implica maior produção.

    Como a água é escassa no Nordeste, muitas atividades econômicas ficam restritas. Um exemplo disso é a apicultura.

    Como se sabe, a criação de abelhas é um importante fator de inserção social. Estados como Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Santa Catarina têm uma grande produção de mel e de outros produtos apícolas. No Nordeste Setentrional, em que o clima é propício, haveria plenas condições para que a apicultura viesse a ser uma atividade econômica de destaque.

    Ocorre que a apicultura demanda fornecimento ininterrupto de água durante todo o ano pois, como se sabe, grande parte do mel é composto de água. Como os rios do Nordeste Setentrional são, em geral, intermitentes, não há grandes possibilidades do desenvolvimento de uma apicultura comercialmente viável. O único estado do Nordeste Setentrional que se destaca na produção de mel é o Piauí, que detém cerca de 15% de toda a água doce do Nordeste.

    Prof. Abner, sei que o senhor é bem intencionado e faz suas críticas acreditando realmente no que diz. Acontece que, devido à sua posição de professor universitário, muitos adversários da transposição se aproveitam dessas críticas para combater o projeto. Não fosse a atitude do Poder Judiciário, que derrubou todas as ações contra a obra, e correríamos o risco de a transposição de águas do São Francisco para o Nordeste Setentrional vir a ser mais uma obra inacabada.

    in Portal EcoDebate, http://www.ecodebate.com.br , 06/10/2005

Fechado para comentários.