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Artigo

Impactos negativos da siderurgia do Brasil, artigo de Sônia Corina Hess

“Se nada mudar na siderurgia brasileira, os problemas ambientais e sociais ligados a este setor industrial poderão prejudicar, e muito, a imagem do aço produzido no Brasil perante os mercados interno e externo”

[O Estado de S.Paulo] O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de aço, e o maior consumo mundial está na China, muito à frente dos Estados Unidos, do Japão, da Alemanha, do México, da Coréia do Sul e do próprio Brasil.

Em 2007, pelo 6º ano consecutivo, o mercado mundial de aço experimentou significativo crescimento e, no Brasil, a siderurgia teve um ano de recordes na produção, nas vendas internas e no consumo aparente de aço. Para 2008, técnicos do setor prevêem que as exportações deverão alcançar patamares em torno de 12,4 milhões de toneladas, um aumento de 17,9% em relação a 2007.

Praticamente todo o ferro utilizado na produção do aço provém do ferro-gusa, obtido a partir da fusão de minério de ferro em altos-fornos, onde carvão mineral ou vegetal é utilizado como agente redutor e fonte de energia. Em 2006, o Brasil foi o maior produtor mundial de carvão vegetal e as indústrias siderúrgicas consumiram mais de 90% da quantidade total do insumo produzido no País, e 49% foi obtido a partir da derrubada de matas nativas. Em decorrência de tal uso, segundo estimaram pesquisadores da Embrapa e da Universidade Federal do Pará, somente em 2005 foi derrubada uma área da floresta amazônica equivalente a 105 mil hectares para atender à produção de ferro-gusa do pólo siderúrgico de Carajás.

Na primeira semana de maio, o Ibama divulgou que, em 2007, foram transportados 4,4 milhões de metros cúbicos de carvão oriundos de Mato Grosso do Sul, onde as atividades de extração de lenha e posterior produção de carvão estariam impactando, anualmente, mais de 200 mil hectares, inclusive em áreas do Pantanal e da região da Serra da Bodoquena, onde está inserido o município de Bonito.

No início do ano, o deputado Fernando Gabeira encaminhou projeto de lei para aprovação no Congresso Nacional, que “veda a utilização de carvão vegetal produzido com matéria-prima oriunda de extrativismo”. Se aprovada, tal lei resultará na necessidade de importação de carvão vegetal ou na sua substituição por carvão mineral, enquanto as florestas cultivadas no Brasil não forem suficientes para o atendimento da crescente demanda deste insumo na siderurgia.

Tendo em vista o panorama descrito, e considerando que o Brasil é signatário do Protocolo de Kyoto, seria justificável a introdução de mecanismos para compensação financeira pela degradação ambiental advinda do consumo de carvão mineral ou de carvão vegetal extraído de matas nativas. Das empresas consumidoras destes insumos deveria ser cobrada uma taxa para financiamento, por exemplo, da recuperação e manutenção de matas nativas.

Um outro aspecto relevante da cadeia produtiva do carvão vegetal se refere aos trabalhadores. Ao investigarem as condições de trabalho em carvoarias de Minas Gerais, pesquisadores coordenados pela doutora Elizabeth Dias descreveram que, “nas carvoarias volantes, os trabalhadores moram ou ficam alojados em instalações improvisadas, cobertas por lonas, dormem em catres e não dispõem de condições mínimas de higiene e saneamento básico. Para abastecerem o forno, os trabalhadores levam 41 minutos e 24 segundos transportando cerca 7.357 quilos de carga e o esforço físico se dá em condições de desconforto térmico”.

Pesquisas da área médica também revelaram que os trabalhadores expostos à fumaça dos fornos das carvoarias são acometidos por problemas respiratórios e danos à função pulmonar. Outros testes revelaram que aqueles trabalhadores estão sistematicamente expostos a substâncias genotóxicas presentes na fumaça, aumentando significativamente os riscos de adoecimento por câncer.

Portanto, a produção de carvão vegetal deveria ser realizada em dispositivos que permitissem a captura e o tratamento dos efluentes gasosos. Também visando à proteção da saúde dos trabalhadores, os processos de abastecimento e esvaziamento da carga dos fornos não mais deveriam ser realizados manualmente.

Se nada mudar na siderurgia brasileira, os problemas ambientais e sociais ligados a este setor industrial poderão prejudicar, e muito, a imagem do aço produzido no Brasil perante os mercados interno e externo.

*Sônia Corina Hess, engenheira química e doutora em química, professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, é consultora voluntária do Ministério Público do Trabalho e dos Ministérios Públicos Federal e Estadual de Mato Grosso do Sul

Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 24/05/2008.