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Remédios da floresta: Brasil ganha o seu primeiro índice científico de plantas medicinais

O Brasil tem algumas das mais biodiversas florestas do planeta, mas o tratamento com plantas ainda é muito pouco utilizado por profissionais de saúde. Diferentemente do que ocorre na China, por exemplo, onde a maioria das terapias corriqueiramente receitadas é fitoterápica, por aqui a prática é muitas vezes restrita a pessoas sem formação técnica e, por isso mesmo, marginalizada. Numa tentativa de mudar este quadro, foi organizado pela primeira vez no país um catálogo voltado para especialistas, a exemplo do que existe para medicações alopáticas: o Índice Terapêutico Fitoterápico (ITF), lançado pela Epub. Por Roberta Jansen, do O Globo, 25/05/2008.

O catálogo apresenta 320 plantas selecionadas entre as de uso mais corrente e entre as que estão em maior evidência no mundo todo.

Mas o principal é que o trabalho dá prioridade a plantas sobre as quais tenham sido feitos estudos — aqui ou no exterior — e os cita. Para cada uma das espécies listadas são apresentadas, como em qualquer índice alopático, princípios ativos, indicações, contra-indicações, efeitos colaterais, posologia, toxicologia, farmacologia, entre outras informações.

— Não considero um livro exclusivo para técnicos, ele tem uma linguagem clara que atende o leigo também. Mas tem essa característica de esclarecer os profissionais de saúde — explica a editora científica do catálogo, Ângela Lima, agente de saúde popular e herbalista.

— Em vez de priorizar as informações que tradicionalmente aparecem nas obras sobre plantas, damos ênfase a questões mais técnicas que não costumam ser veiculadas.

Procuramos reunir a maior gama possível de informações sobre cada uma das plantas, sobretudo o que pudesse ser mensurado e comprovado cientificamente.

Segredos de espécies nacionais e estrangeiras

É o primeiro catálogo do tipo organizado no Brasil. Até hoje, a referência para os fitoterápicos nacionais, inclusive para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), era uma publicação americana. Mas nem todas as plantas citadas são brasileiras.

— São muitas plantas da Mata Atlântica, outras da Amazônia, mas não só — explica Ângela.

— Muitas das plantas hoje perfeitamente adaptadas ao país e muito difundidas não são de origem brasileira, como a manga e o tamarindo, por exemplo, mas não tinha por que deixá-las de fora. De qualquer forma, a grande maioria é encontrada facilmente no país.

Outra razão importante para não se fazer um catálogo somente com plantas medicinais nacionais está relacionada justamente à marginalização da fitoterapia, apesar de a prática da chamada medicina tradicional ser aceita e estimulada pela própria Organização Mundial de Saúde (OMS). Estima-se que as florestas brasileiras abriguem nada menos que 12 mil espécies medicinais. Mas pouquíssimas foram pesquisadas com rigor, ao passo que plantas como o ginseng, por exemplo, são vastamente estudadas em todo o mundo.

— Não faria sentido deixar uma planta dessas de fora do catálogo e incluir uma outra para a qual não existem estudos científicos apenas por ser nacional — justificou a editora científica

Patrimônio genético das matas é pouco explorado

Surpreendentemente, a maioria das pesquisas sobre plantas medicinais brasileira usadas por Ângela é de autores estrangeiros. Especialistas em biodiversidade de florestas nacionais como a Mata Atlântica e a Amazônia alertam que o patrimônio genético, uma das maiores riquezas do país, é extremamente mal explorado.

Pior, corre o risco de desaparecer antes mesmo de ser descoberto por conta da destruição das matas ou ainda ser pesquisado — e patenteado — por estrangeiros, como aconteceu com o cupuaçu, cujos direitos de comercialização pertenciam a uma empresa japonesa.
Foram seis anos de contenda judicial para que, finalmente, no início da semana passada, o cupuaçu pudesse ganhar o status de fruta nacional.

— Temos o maior patrimônio genético da Humanidade — sustenta Ângela. — E esse patrimônio está sendo roubado do Brasil. Gostaria muito que os laboratórios nacionais olhassem com mais seriedade para as velhinhas que coletam plantas nas grotas dos rios porque os estrangeiros estão fazendo isso. E de vez em quando temos uma surpresa quando aparece uma patente dessas no exterior. Já imaginou pagar royalties para tomar um remédio oriundo de uma receita que a sua avó já conhecia? Ninguém merece.

Na análise de Ângela, a fitoterapia não tem posição de destaque no arsenal de tratamentos médicos disponíveis no país porque não é feita com seriedade.

— É preciso ter um profissional tarimbado acompanhando o tratamento, não dá para se medicar por conta própria — afirma a especialista. — É possível tratar muitas doenças com plantas. Veja, plantas bem simples contêm até 30 princípios ativos.

Mas a questão é saber o que vai utilizar, em que dosagem, por quanto tempo, de que forma. Chazinho não é solução. É preciso ter formulações específicas. O ideal é que se trabalhe com medicamentos encapsulados, padronizados em laboratórios, com as dosagens exatas do princípio ativo. Estamos falando de fitoterapia, não dessa coisa romântica de infusões.

SALSAPARRILHA: Seu uso terapêutico foi descrito pela primeira vez em 1574 por um médico francês. É usada em várias culturas para tratamentos de problemas de pele, eczemas e disfunções digestivas

l PITANGA: Nativa do Brasil, Argentina e Uruguai, a fruta é rica em vitamina C e flavonóides, com alto poder antioxidante. É indicada para problemas cardiovasculares, bronquites e reumatismos

BATATA-YACON: A raiz de origem japonesa é ideal para diabéticos por conter pouco amido e, por isso, não elevar as taxas de açúcar no sangue. Indicada também para casos de colesterol alto

CAPUCHINHA: Original do Peru e do México, é uma das plantas mais pesquisadas hoje no Brasil. Costuma ser usada para problemas como bronquite, infecções urinárias e como diurético

CHAPÉU-DE-COURO: Muito usada na medicina popular brasileira, a planta é pouco estudada e seus princípios ativos são pouco conhecidos. Sabe-se, no entanto, que tem ação na função renal e nos reumatismos

CAVALINHA: A ingestão de grandes quantidades da folha pode ser tóxica. Em dosagens corretas, é usada no tratamento de doenças dos rins e da bexiga por seu poder diurético

MELÃO-DE-SÃO-CAETANO: Muito utilizada por tribos amazônicas, a fruta tem uma vasta gama de indicações, como bactericida, antiviral. Apresenta, no entanto, efeitos colaterais em dosagens altas

AMORA-PRETA: Originária da China, onde serve de alimento para o bicho-da-seda, foi trazida por europeus e asiáticos. É usada nas afecções da boca, dentes, garganta e pulmão. Tem efeito laxante

NOZ-DE-COLA: Considerada um eficiente estimulante cerebral, é indicada para casos de estresse, cansaço físico e mental, depressão, melancolia. Nativa de Togo, Serra Leoa e Angola

ALCACHOFRA: Originária da região mediterrânea da Europa, é cultivada há milhares de anos. Há relatos de seu uso medicinal e comestível entre os antigos gregos e romanos

GUARANÁ: Indicado no tratamento de fadiga, cansaço excessivo, estresse, perda de memória, dificuldade de raciocínio. É natural da Amazônia brasileira e considerado uma planta sagrada pelos índios

CORDÃO-DE-FRADE: Natural da África e da Índia está bem aclimatada em todo o Brasil. Trata-se de uma erva muito comum na medicina caseira e homeopática como analgésico e antiespasmódico

COUVE: Usada nas afecções pulmonares, como tosse, asma, bronquite, rouquidão, é considerada um bom expectorante. É muito rica em proteínas, sais minerais e aminoácidos essenciais

MACELA-DO-CAMPO: Indicada para problemas digestivos, hepáticos e diarréias. É também um relaxante muscular. A planta ocorre em toda a América Latina e é utilizada há centenas de anos por índios brasileiros