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Notícia

Praga da pirataria chega ao campo – Sementes de origem desconhecida invadem as plantações e põem em risco a saúde dos consumidores

Estima-se que comércio ilegal cause prejuízos de R$ 830 milhões ao ano aos produtores formais de mudas. Plantadores de soja, cujos preços estão em alta no mercado internacional, são os principais alvos dos vendedores de sementes piratas. Luciano Pires e Luciana Navarro, da equipe do Correio Braziliense, 02/03/2008.

Como uma praga, a pirataria de sementes se alastra pelo Brasil de forma incontrolável. O uso de variedades fabricadas fora dos padrões das cultivadas em larga escala em quase todo o país preocupa o governo, mas também a indústria. Apesar do rigor da lei, das multas pesadas e de toda a fiscalização, os infratores não se intimidam. Só neste ano, metade da SAFRA de grãos – estimada em 136 milhões de toneladas – foi plantada com variedades ilegais.

Banir esse mal, alertam os especialistas, depende em grande parte dos produtores. Assim como na cidade, se não há demanda de artigos paralelos, e gente disposta a comprar, pelo menos em tese, não há também razões econômicas para ofertá-los. “O agricultor opta pela semente pirateada, que é mais barata do que as outras, porque acha que está fazendo um bom negócio. O que ele não percebe é que não há garantia nenhuma de qualidade e que isso atrapalha todo mundo”, adverte Ywao Miyamoto, presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem).

O mercado de sementes no Brasil movimenta cerca de R$ 7 bilhões anuais. Esse segmento se mantém graças a parcerias bem-sucedidas entre setor público e iniciativa privada. O pagamento de royalties remunera os inventores e quem desenvolve, além de ajudar no equilíbrio de forças tão necessário à pesquisa e à comercialização de novos produtos voltados ao campo. Miyamoto lembra que os investimentos são gigantescos, mas estão ameaçados por causa do avanço dos piratas. “Se não injetarmos muito dinheiro na pesquisa, o agricultor não terá opções e nem de quem comprar sementes legais”, completa o representante da Abrasem.

Referência no país e no exterior em pesquisa e desenvolvimento de sementes, a Embrapa Transferência de Tecnologia perde com a expansão do cultivo de variedades paralelas. “A pirataria de sementes pode desestruturar o AGRONEGÓCIO nacional no médio e longo prazos”, prevê José Roberto Rodrigues Peres, gerente-geral da unidade. Segundo ele, uma lavoura formada por sementes piratas tem perdas de produtividade que chegam a 20%. Além disso, como não se sabe o que contém no grão, doenças e outras pestes de difícil controle podem ser facilmente disseminadas. “A SAFRA atual de grãos tem 50% de sementes piratas”, reforça.

A pirataria de sementes escolheu a soja como principal alvo. Não é para menos, já que o grão é o mais valorizado no mercado internacional. Com a retomada dos bons preços para a exportação, um número cada vez maior de sojicultores segue o caminho da produção caseira. O cultivo localizado, no entanto, tem normas e limitações, o que nem sempre é respeitado por todos. O aumento desenfreado da produção de sementes para consumo do próprio agricultor leva a indústria a acreditar que o mercado paralelo poderá, um dia, sufocar o comércio formal.

Para tentar impedir que o setor entre em colapso, governo federal e governos estaduais gastam fortunas com campanhas de conscientização. Nos grandes estados produtores, como Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Paraná, é possível ver outdoors na beira das estradas alertando para o perigo do cultivo ilegal. Girabis Ramos, diretor do departamento de fiscalização de insumos agrícolas do Ministério da AGRICULTURA, explica que a ação institucional serve para mostrar ao produtor as desvantagens do uso de sementes piratas. “O trabalho tem de ser permanente. Mas, é claro, não podemos esquecer o papel da fiscalização, que é fundamental”, reforça o especialista.

Combate

Os esforços dos órgãos públicos tentam impedir que a prática se alastre. As operações de controle não se restringem apenas ao uso de sementes ilegais. Em 2007, a Polícia Federal realizou cinco operações de combate à falsificação e à entrada de agrotóxicos ilegais pelas fronteiras do país. Em uma delas, desmantelou uma quadrilha que atuava em Guairá, no Paraná. Os venenos, de fabricação chinesa, segundos os investigadores, eram ensacados no Paraguai com rótulos feitos em Maringá (PR), em português. O princípio ativo utilizado era misturado a produtos químicos similares mais baratos. Durante os seis meses de investigação, foram apreendidas cerca de 10 toneladas de agrotóxico contrabandeado.

Luiz Paulo Barreto, presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP), afirma que a pirataria no meio rural causa um prejuízo total estimado de R$ 830 milhões anuais. Neste ano, o CNPC deve coordenar atividades das polícias Federal e Rodoviária Federal para estrangular rotas de entrada de boa parte das sementes e dos produtos químicos piratas nas fronteiras com o Paraguai, Uruguai e Argentina. “Precisamos mapear as quadrilhas que trazem produtos do Sudeste Asiático para estrangular os pontos de entrada dessas mercadorias no Brasil”, afirma Barreto.

O agricultor opta pela semente pirateada, que é mais barata, porque acha que está fazendo um bom negócio. O que ele não percebe é que não há garantia nenhuma de qualidade

Ywao Miyamoto, presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas

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No segmento de materiais químicos, pirataria se confunde com contrabando. Reduzir os níveis de irregularidades depende de cooperação internacional, de um ajuste fino entre o Brasil e os países de fronteira. Ampliar e uniformizar as políticas de controle na entrada e saída de produtos é uma das metas do governo brasileiro para os próximos anos. Reeducar o produtor também ajuda, alertam os especialistas.

Maria Angélica Ribeiro, diretora de insumos pecuários do Ministério da AGRICULTURA, afirma que não é preciso criar legislações idênticas. “Basta que as respostas sejam iguais ou equivalentes”, completa. Segundo ela, Argentina, Paraguai e Uruguai têm atuado e colaborado para reduzir os índices de pirataria. “Se você tem uma lei mais fraca que a brasileira, você acaba estimulando o contrabando, o repasse de produtos”, justifica Luís Eduardo Rangel, coordenador-geral de agrotóxicos do ministério.

Principalmente nos estados que fazem fronteira internacional, é comum a troca de insumos entre os produtores brasileiros e estrangeiros. Isso nem sempre é positivo para o AGRONEGÓCIO. Há denúncias nos órgãos de fiscalização estaduais de que determinados produtos funcionam em lavouras argentinas e uruguaias, mas não nas brasileiras. No segmento de vacinas isso é bastante comum. Como as variedades são sensíveis ao transporte e ao armazenamento, qualquer incorreção compromete a eficácia e até anula efeitos. (LP e LN)