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Amazônia: Avanço da agropecuária e abertura de rodovias podem reduzir até 21% de mata até 2030

A Amazônia pode perder até 21% de sua cobertura florestal até o fim de 2030, revela estudo de cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais e do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia. Pela projeção, o desmatamento no ritmo atual riscaria do mapa, em 23 anos, 670 mil quilômetros quadrados de floresta, área 15 vezes maior que o Estado do Rio. Por Bernardo Mello Franco, O Globo, 03/02/2008.

– Esse é o cenário mais pessimista do estudo. Suas principais conseqüências seriam a redução dos períodos de chuva e o aumento brutal das queimadas e da emissão dos gases que provocam o efeito estufa, além de uma perda incalculável da biodiversidade da região. Se as previsões se confirmarem, os danos para a Amazônia e o planeta serão irreparáveis – alerta Britaldo Silveira Soares Filho, do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG.

As projeções fazem parte do projeto Cenários para a Amazônia, cuja primeira versão foi publicada em março de 2006 pela revista científica “Nature”. Dessa vez, o prazo dos cálculos foi reduzido e o modelo computacional ficou mais preciso, com novas variáveis sobre o aumento da população e a expansão acelerada da fronteira agrícola sobre a floresta. Os dados se referem à parte brasileira da mata.

Motivo de bate-boca entre os ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e do Meio Ambiente, Marina Silva, o avanço do agronegócio tem peso fundamental na equação sobre o futuro da Amazônia. De acordo com o IBGE, a abertura de novas áreas de cultivo de soja na região obedeceu a um ritmo médio de 18% ao ano entre 1990 e 2006. No mesmo período, a participação das fazendas que substituíram a floresta sobre a economia do grão no país saltou de 14% para 29%. Os dados sobre a pecuária são semelhantes: o rebanho amazônico se multiplicou à razão anual de 11%, e seu peso no setor subiu de 18% para 36%. Em Rondônia, já existem 7,7 cabeças de gado por habitante.

– A pecuária brasileira se deslocou para a Amazônia, aumentando a pressão sobre a mata. Estudos mostram que o custo de recuperar uma pastagem é o dobro do de incorporar uma área equivalente de floresta – diz o gerente da Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE, Octavio Costa de Oliveira.

Malha viária também é vilã do desmatamento

No cenário mais pessimista traçado pelos técnicos da UFMG e do Ipam, o rebanho amazônico cresceria de 73 para 210 milhões de cabeças em 2030, e a extensão das áreas agrícolas saltaria de 80 mil para 450 mil quilômetros quadrados. Representantes do setor produtivo, que acusaram o governo de perseguir os grandes proprietários com o pacote de medidas para frear a alta do desmatamento, contestam a relação entre expansão da fronteira agrícola e o aumento das derrubadas. Para as autoridades da área ambiental, o maior problema está na criação extensiva, que emprega poucos bois em vastas porções de terra. Os fazendeiros alegam não ter alternativa viável.

– O limite da tecnologia é a relação custo-benefício. Não é possível conceber uma criação semi-intensiva na Amazônia. Os criadores estão muito longe dos pólos de consumo e não poderão competir se o custo da produção for elevado – afirma o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Assuero Veronez.

Além do boom do agronegócio e da exploração madeireira, o estudo lista como vilões do desmatamento os projetos de expansão da malha viária amazônica, que inclui obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e pode resultar em 14 mil quilômetros de estradas pavimentadas até 2027, e a ausência do poder público, incapaz de fiscalizar a destruição da floresta e de regularizar a posse da terra na região. “É esse ciclo vicioso e intrincado que perpetua o avanço do desmatamento adentro da Amazônia”, sentenciam os pesquisadores.

No cenário mais otimista que o modelo permite calcular, os técnicos estimam uma perda de 150 mil quilômetros quadrados de floresta até 2030, o equivalente a 4,68% da floresta atual. Para atingir essa meta, seria necessário baixar a média anual de desmatamento para 6.500 quilômetros quadrados ao ano – o equivalente a 60% da devastação contabilizada em 2007, quando o governo comemorou o melhor resultado desde o início da década de 90. A projeção considera que o país conseguiria expandir as áreas protegidas, tornar a fiscalização mais rigorosa e impor um freio radical à expansão do agronegócio.

Para o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, a única maneira de dar fim à devastação é fazer com que a exploração da floresta em pé seja um negócio mais rentável do que derrubá-la.

– Sem isso, o esforço do governo será capaz de produzir um desmatamento menor, mas constante. A história da destruição das florestas é a substituição da vegetação nativa por uma atividade estranha ao bioma da região. Foi assim que o Brasil perdeu mais de 90% da Mata Atlântica. Sem desenvolvimento sustentável, a luta entre a expansão da fronteira agrícola e as ações de preservação será eterna – afirma.

No novo tipo de ocupação sonhado pelos ambientalistas, as queimadas dão lugar a atividades como o ecoturismo e o corte seletivo de madeira, num sistema que obrigaria todo proprietário a pagar pelos serviços de um engenheiro ambiental e esperar 30 anos até voltar a cortar árvores no mesmo hectare de terra. Ao anunciar os dados mais recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Marina Silva chegou a dizer que uma mudança no comportamento dos consumidores levaria ao boicote de produtos que não seguirem a cartilha ecologicamente correta.

Capobianco admite que o manejo florestal só virou realidade nos países escandinavos, mas afirma que o Brasil tem condições de promover “uma revolução civilizatória” na selva. Para Assuero Veranez, da CNA, o desenvolvimento sustentável pertence ao mundo da ficção, “num paraíso ilusório da biotecnologia”. Até o fim do ano passado, a devastação da Amazônia já havia transformado em cinzas 18% da floresta original.