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Notícia

Carta Aberta dos Servidores da Divisão de Controle e Fiscalização da Superintendência do IBAMA Mato Grosso ao Governo Federal e à Sociedade Brasileira

Cuiabá, 29 de Janeiro de 2008.

Ao
Exmo. Sr. Presidente da República
Exma. Srª. Ministra do Meio Ambiente
Exmo. Sr. Presidente do IBAMA
Exmo. Sr. Diretor de Proteção Ambiental-IBAMA
Exmo. Sr. Coordenador Geral de Fiscalização-IBAMA
Exmo. Sr. Presidente do ICMBio

Caro Exmo. Presidente da República Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, Exma. Ministra do Meio Ambiente Sra. Marina Silva, Exmo. Presidente do IBAMA Sr. Dr. Bazileu Alves Margarido Neto, Exmo. Diretor de Proteção Ambiental Sr. Dr. Flávio Montiel da Rocha, Exmo. Coordenador Geral de Fiscalização Sr. Luciano de Meneses Evaristo, senhores e senhoras da Sociedade Brasileira em geral, Exmo. Presidente do ICMBio Sr. João Paulo Capobianco.

Esta Carta Aberta dos Servidores da Fiscalização do Ibama lotados na Superintendência do IBAMA/MT destina-se a fazer uma reflexão sobre os últimos acontecimentos relacionados ao meio ambiente brasileiro. Mais precisamente ao anúncio, na semana passada, de um aumento, após três anos, dos índices de desmatamento verificados na Amazônia Brasileira. Estes números, divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE retratam um aumento do desmatamento, alcançando um índice de aproximados 7.000 Km² de áreas abertas nos últimos seis meses. Dado este, que como não deveria deixar de ser, provocou grande preocupação na sociedade brasileira e nos órgãos públicos relacionados ao meio ambiente, demonstrando a preocupação do governo federal com o tema.

Cabe salientar, que nos últimos três anos, o índice de
desmatamento vinha declinando, mostrando a eficácia de um programa nacional que envolve 11 ministérios, o PPCDAM – Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia. Tal programa é liderado pelo Ministério do Meio Ambiente e tem no IBAMA seu principal executor. Ao longo dos últimos três anos, o governo federal, através de muito esforço, tem demonstrado um comprometimento inédito com a questão do desmatamento no Brasil. Inúmeras medidas foram adotadas para melhorar o combate ao desmatamento, como por exemplo, o aumento do
investimento em fiscalização ambiental, o uso de imagens de satélite na detecção de focos recentes de fogo e desmate combate efetivo à corrupção, realização de novos concursos, criação de núcleos de inteligência para aprimorar as estratégias de atuação, operações conjuntas com outros órgãos governamentais.

Toda essa preocupação com o meio ambiente brasileiro fez com que, ao longo dos últimos três anos, o índice de desmatamento caísse em grandes proporções, chegando-se a cogitar que pela primeira vez em mais de uma década, conseguiríamos fechar o ano com um índice de 4 dígitos, ou seja, menor que 10 mil km² anuais. Infelizmente, devido a inúmeras conjunturas internas, o ano de 2007 foi fechado sem atingir este objetivo. Apesar dos enormes esforços desempenhados pelo Ibama o desmatamento teve aumento. Tempo então de repensar as estratégias de combate e torna-las ainda mais eficazes. Neste sentido, é que nós, servidores do Ibama, Analistas e Técnicos Ambientais diretamente envolvidos no combate diário aos ilícitos ambientais, que manifestamos nosso desejo de contribuição e solução deste sensível problema.

Mato Grosso hoje é o estado brasileiro onde os problemas enfrentados são mais visíveis. Responde segundo o próprio INPE, por 50% do desmatamento da Amazônia. É o terceiro maior estado brasileiro (atrás apenas de Amazonas e Pará), e conta aproximadamente com apenas 50 servidores diretamente envolvidos no combate ao crime ambiental.

Mesmo sabendo desta deficiência de pessoal que atinge toda a região amazônica, o IBAMA Mato Grosso lançou-se a campo nos dois últimos anos com uma dedicação incomum de seus servidores, lavrando mais de 2.000 multas aplicadas. Somadas, estas sanções administrativas atingem o assustador número de mais de R$ 1.000.000.000,00 (um Bilhão de Reais). Vale lembrar que embora assustador, as multas são diretamente proporcionais aos danos
ambientais cometidos. Assim, tem-se de longe, que em Mato Grosso a questão ambiental é sem dúvida mais preocupante.

Nos dois últimos anos foram deflagradas mais de 25 grandes operações de fiscalização ambiental no estado de Mato Grosso. Foram presas mais de 100 pessoas diretamente envolvidas em crimes ambientais identificados pelo Ibama Mato Grosso. Numa só operação de fiscalização do órgão em 2007, a Mapinguari, foi preciso uma investigação que durou 10 meses para se identificar todos os ilícitos.

Foram montadas Bases Operativas de Fiscalização que demandaram enormes esforços de planejamento e execução de todos os servidores da fiscalização. Em levantamento ao final do ano de 2007, chegou-se a conclusão que em média, cada fiscal do órgão dedicou-se, somados todos os dias, entre 4 e 5 meses do ano em atividades inteiramente de campo, afastando-se totalmente de sua vida particular e de seus entes familiares, tudo em prol do bem maior do combate ao desmatamento na Amazônia mato-grossense.

Ao longo dos dois últimos anos, por duas vezes servidores do IBAMA Matos Grosso se tornaram reféns no desempenho de sua função. A última delas, em junho de 2007, fez com que 39 fiscais do órgão fossem ameaçados, ofendidos em praça pública e mantidos sob cárcere.

Em nobre demonstração de conduta ética elogiável, nenhum dos servidores ameaçados revidou qualquer ofensa, e em nenhum momento, apesar do iminente conflito, sequer cogitaram retirar seus uniformes de fiscalização, vestindo a camisa e o símbolo do órgão até que a questão fosse enfim resolvida.

Todos estes fatos expostos, dentre tantos outros que poderiam ser aqui lembrados, foram narrados para demonstrar nossa grande vontade de contribuir ainda mais com o combate e a fiscalização do IBAMA dentro do estado do Mato Grosso.

No momento crucial em que tantas adversidades e desafios são propostos na esfera ambiental brasileira, reconhecemos os esforços do governo federal na tentativa de melhoria da questão ambiental nacional. O próprio esforço contínuo do PPCDAM, e mais recentemente a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, só fazem lembrar que a atenção e boa vontade na solução dos problemas enfrentados existe.

É neste sentido que esta carta aberta ao Governo Federal e à Sociedade se encaixa. Como membros diretamente envolvidos no combate diário, nós servidores da fiscalização do IBAMA em Mato Grosso apoiamos algumas das novas medidas adotadas no combate ao desmatamento. Contudo, gostaríamos de contribuir ainda mais, ativamente, na construção de novas e urgentes proposições.

Consideramos louváveis as novas medidas adotadas, como o recadastramento de propriedades rurais, e o embargo das áreas desmatadas, assim como, lançar uma lista dos municípios campeões de desmatamento no país. E o mais importante, cessar as linhas de crédito público oficial às atividades lesivas ao meio ambiente.

Contudo, se bem, observarmos na leitura das medidas oficias anunciadas, em nenhum momento o Governo Federal sequer lembra de citar o papel do IBAMA nas novas medidas. Elogia e frisa o aumento da presença da Polícia Federal e do Exército Brasileiro na repressão dos crimes ambientais. Se esquecendo contudo, que sem o trabalho de base do IBAMA quase nada pode ser feito. Nós servidores sabemos da grande contribuição destas duas grandes instituições, sendo comum inclusive, importante e eficazes trabalhos conjuntos com ambas. Causa estranheza, no entanto, sermos preteridos pelo Governo Federal em tão difícil momento.

O Governo Federal parece esquecer que cabe ao IBAMA o maior trabalho de todos, que é o levantar informações, analisar as imagens geoprocessadas, fornecer informações, fiscalizar as atividades e por último analisar a legislação, para então poder fornecer subsídios a ação policial e da justiça. Esquecer seu papel decisivo neste contexto, em contraponto aos inúmeros exemplos de dedicação profissional listadas há pouco acima é no mínimo não reconhecer o mérito de quem mais o merece, quando analisados os até então resultados positivos divulgados pelo governo. Esperamos que a sociedade seja capaz de reconhecer com melhores olhos o papel de
nossa instituição.

Cabe lembrar ainda que o IBAMA é o órgão executor da Política Nacional de Meio Ambiente, definida pela Lei 6.938/81, redação dada pela Lei 8.028/90. Ninguém melhor do que o próprio IBAMA para discutir o que acontece e quais são as dificuldades no combate ao crime na Amazônia brasileira.

Vários dos órgãos rotineiramente elogiados pelo Governo Federal e pela opinião pública receberam nos últimos anos investimentos maciços de melhoria em infra-estrutura e na composição de seus quadros de pessoal. Servindo de exemplo a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Receita Federal, dentre outros. Contudo, o IBAMA vem sendo esquecido, sucateado sistematicamente ao longo dos últimos anos, ao ponto de nem sequer receber citação quando do anúncio de medidas oficiais relacionadas ao meio ambiente. Será que os motivos descritos acima não são suficientes para demonstrarem a necessidade de melhor atenção com o IBAMA, o órgão que mais se esforça para combater tantos crimes que atualmente ocorrem na Amazônia? Os olhos do mundo todo se voltam para esta região brasileira, e será que será mais fácil obter maior reconhecimento da opinião pública estrangeira antes mesmo do que aquela vinda de nosso próprio país?

O desafio está pronto e colocado! Não há melhor momento na recente história brasileira para se realizar os ajustes necessários para dar ainda mais agilidade ao Órgão Ambiental Federal – IBAMA, como aqueles que foram realizados em outros órgãos que também necessitavam de melhoria.

É nosso papel, como servidores da fiscalização, alertar o governo sobre os principais problemas a serem discutidos:

• Criação da Carreira específica de Fiscal Ambiental Federal, buscando aprimorar ainda mais o combate aos crimes ambientais, oferecendo assim condições de formação de corpo técnico cada vez mais adequado à execução das funções intrínsecas relacionadas à Fiscalização Ambiental. Cabe lembrar que de acordo com a legislação vigente, o Ibama tem poder de Polícia Ambiental, e está diretamente envolvido em situações de periculosidade, no entanto nunca dispôs de treinamento adequado para a fiel execução de suas funções determinadas em lei, nem sequer são oferecidos armamentos em número condizente com suas reais necessidades;

• Definição urgente da nova divisão estrutural do IBAMA, ocasionada como fruto da criação do ICMBio. Definições de quais unidades serão fechadas e/ou e criadas, ou aglutinadas, para melhorar o planejamento estratégico e definir áreas de atribuição específica;

• Criação de concurso público para novos servidores na função de Analistas e Técnico Ambientais e Administrativos, visando suprir as deficiências das áreas afins e desempenhar tarefas da rotina
administrativa, diminuindo o encargo de tarefas sob responsabilidade dos analistas da área ambiental;

• Criação de uma Academia de Práticas de Fiscalização Ambiental, visando garantir o aprofundamento necessário das práticas de combate ao crime ambiental;

• Melhoria das condições salariais dos servidores do órgão, corrigindo-se as tabelas salariais de acordo com a inflação oficial acumulada no período do mandando presidencial. Cabe lembrar que embora a Carreira de Especialista Ambiental disponha de tantas atribuições e responsabilidades, atualmente ocupa somente a 47ª posição na tabela de vencimentos dos servidores da união;

• Criação de uma política de Recursos Humanos eficiente, que valorize com imparcialidade os direitos de cada servidor, definindo critérios de incentivo àqueles que desempenham sua lotação em áreas descentralizadas. Solicitamos a definição clara e transparente dos critérios a serem adotados;

A experiência adquirida pelos servidores da fiscalização do IBAMA em Mato Grosso, no cumprimento diário de suas tarefas, tem demonstrado que é urgente a necessidade de fortalecimento da infra-estrutura do órgão, face aos problemas apresentados e sentidos no dia a dia por todos.

É com grande determinação de contribuir efetivamente para esta melhoria que manifestamos nossas condições nesta carta aberta.

Dentro do escopo do solicitado pelo Sr. Presidente da República, de que seus ministros de estado, visitassem as regiões de desmatamento amazônico, é que convidamos a Srª. Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, e o Sr. Presidente do IBAMA, Dr. Bazileu Alves Margarido Neto, para visitarem a Superintendência Estadual do IBAMA Mato Grosso, e discutirem de perto com os servidores, os problemas enfrentados pela fiscalização do IBAMA mato-grossense.

Servidores da Divisão de Controle e Fiscalização da Superintendência
do IBAMA Mato Grosso.
Cuiabá, 29 de Janeiro de 2008.