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As hidrelétricas e o aquecimento global, artigo de Alexandre Kemenes, Bruce Forsberg e John Melack

[Jornal do Brasil] A noção de que as hidrelétricas fornecem energia “limpa”, sem emitir gases que contribuem com o aquecimento global, está sendo revista, principalmente para usinas dos trópicos. Estudos revelam que a decomposição da matéria orgânica que fica submersa nas áreas alagadas para construção dos reservatórios das usinas, pode gerar e emitir quantidades expressivas de gases envolvidos no aquecimento global. No Brasil, onde há planos de construção de várias usinas na Amazônia, estudos como esses podem ajudar na escolha das hidrelétricas a serem construídas, uma vez que tal escolha deve se basear em uma análise de custo/benefício que contabilize, além das despesas de construção e manutenção, os custos ambientais, sendo a emissão de gases-estufa um dos principais.

O aquecimento global decorre de ações humanas, como a queima de petróleo, que liberam na atmosfera gases que intensificam o efeito estufa, fenômeno natural que mantém a temperatura planetária em níveis adequados à vida. Devido a isso, cientistas de todo o mundo buscam conhecer os processos que influenciam o balanço desses gases na atmosfera. A decomposição de material orgânico em lagos profundos e áreas alagadas (por exemplo, para a construção de hidrelétricas) é um desses processos.

A maior parte das plantas submersas para a construção dos reservatórios das hidrelétricas entra em decomposição, gerando gás carbônico (CO2) e metano (CH4), dois dos principais gases-estufa. Parte desses gases é liberada na superfície da água; parte na saída das turbinas e uma terceira parte é lançada na atmosfera lentamente ao longo dos rios abaixo das barragens. As emissões totais de CO2 e CH4 dos reservatórios de usinas hidrelétricas são aproximadamente proporcionais à área alagada, embora as emissões de carbono por metro quadrado sejam maiores em represas tropicais que nas temperadas, devido à maior atividade metabólica em águas mais quentes.

O Brasil se comprometeu a quantificar suas emissões de gases-estufa por meio de inventários das atividades. O primeiro inventário das emissões das hidrelétricas foi baseado em medidas feitas em diversos reservatórios. O estudo também comparou as emissões de hidrelétricas tropicais brasileiras com as de usinas termelétricas com o mesmo potencial energético e concluiu que, na maioria dos casos, a hidrelétrica era mais limpa.

No entanto, esse inventário considerou apenas as emissões de gases-estufa acima das barragens e há estudos que mostram que as emissões abaixo das represas são significativas. Gwenaël Abril, da Universidade Bordeaux 1, França, por exemplo, determinou que as emissões abaixo da barragem representam 48% do total de emissões na usina de Petit-Saut, na Guiana. Kemenes (um dos autores desse artigo) mostrou que as emissões abaixo da represa são 15% do total de emissões na usina Balbina, no Amazonas, e, em conjunto com os outros autores, está repetindo a análise em outras três usinas brasileiras (Tucuruí, Curuá-Una e Samuel), incluindo as emissões acima e abaixo das barragens.

Pior que carvão mineral

Até o momento, as emissões totais de cinco hidrelétricas do trópico úmido (Balbina, Tucuruí, Curuá-Una, Samuel e Petit-Saut) foram estimadas através de dados reais e cálculos matemáticos. Dessa maneira, as emissões revelaram-se sempre maiores que as das termelétricas tropicais consideradas, inclusive as que queimam carvão mineral, tido como o combustível fóssil mais poluente. Em Balbina, que tem uma das piores densidades energéticas (razão entre o potencial energético, em megawatts, e a área alagada, em quilômetros quadrados) das hidrelétricas brasileiras, a emissão de gases-estufa por megawatt-hora (MWh) é cerca de 10 vezes maior que a de uma termelétrica a carvão mineral. Mesmo Tucuruí, com uma das melhores densidades energéticas do país, pode gerar quase duas vezes mais gases-estufa por MWh que uma termoelétrica a carvão.

Considerando a grande participação das hidrelétricas na produção energética brasileira, esses resultados são preocupantes. Apesar de continuarem a ser uma das mais econômicas tecnologias para gerar energia no pais, o alto custo ambiental de hidrelétricas no trópico úmido, como a Amazônia, pode desestimular o licenciamento de novas unidades. Conclui-se que apenas hidrelétricas com elevadas densidades energéticas deveriam ser construídas na Amazônia, e que a retirada da vegetação antes do enchimento dos reservatórios poderá, talvez, reduzir as emissões.

No caso das unidades antigas, novas tecnologias poderiam ajudar a reduzir as emissões. Um exemplo é a coleta do metano dos reservatórios, com a subseqüente queima do biogás para a geração de energia elétrica. Estimativas feitas para Balbina sugerem que esse método poderia aumentar seu potencial energético médio em até 75% e reduzir as emissões desse gás em 65%. As emissões evitadas ainda poderiam, apenas em Balbina, ser transformadas em US$ 20 milhões em créditos de carbono por ano.

Alexandre Kemenes Programa LBA (INPA); Bruce Forsberg Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA); John Melack Universidade da Califórnia, EUA

Artigo originalmente publicado pelo Jornal do Brasil , 27/01/2008