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Incerteza diante das mudanças climáticas, artigo de Thomas Schelling

[Valor Econômico] As incertezas em torno das mudanças climáticas são muitas e grandes. Quanto CO2 poderá ser lançado na atmosfera se nada for feito a respeito? Quanto aquecimento mundial teremos como resultado, e como serão afetados climas locais, ecossistemas e espécies vulneráveis?

Que impacto terão tais mudanças sobre produtividade, conforto e saúde? E, naturalmente, quais são os custos prováveis da migração para fontes de energia renovável e conservação de energia?

À medida que passamos a conhecer mais sobre as mudanças climáticas – por exemplo, o papel de nuvens e oceanos – surgem mais incertezas. Apesar disso, a “teoria” do efeito estufa, como é por vezes desqualificada, foi comprovada além de qualquer dúvida responsável.

Há incertezas sobre parâmetros quantitativos, e pode haver dúvidas sobre se o aquecimento em décadas recentes deve-se inteiramente ao “efeito estufa”. Mas os fatos básicos envolvidos no aquecimento global não são questionados pela ciência.

Se sabemos que a Terra está aquecendo, mas não temos certeza sobre a rapidez do processo e com que efeitos sobre os climas em todo o mundo, quais são as medidas mais urgentes que deveríamos tomar para enfrentar a questão? Uma delas, evidentemente, é continuar estudando os fenômenos climáticos e seu impacto ecológico.

Outra é promover pesquisa e desenvolvimento (P&D) visando identificar medidas corretivas. Precisamos urgentemente compreender que alternativas haverá aos combustíveis fósseis, quanta energia pode ser conservada, como extrair CO2 da atmosfera e, se necessário, como intensificar o albedo terrestre – a refletância do planeta diante da incidência da luz solar.

Uma maneira de assegurar o esforço necessário de P&D é usar o mercado para financiar e orientar os trabalhos, induzido por impostos, subsídios, racionamento e – o aspecto mais importante – convencendo empresas e consumidores de que os combustíveis fósseis ficarão progressivamente mais caros.

Mas os interesses privados não realizarão alguma P&D essencial sob quaisquer circunstâncias; o “mercado”, por si próprio, não induzirá os desembolsos necessários, porque os investidores não podem capturar todas as vantagens do abrandamento do aquecimento mundial em benefício da raça humana.

Por isso, a outra opção é que governos em cooperação com o setor privado, financiem e orientem os esforços de P&D. Por exemplo, há muito tempo sabe-se que o CO2 produzido em grandes unidades industriais estacionárias, como usinas geradoras de eletricidade, pode ser “capturado” e levado através de dutos para onde possa ser injetado em cavernas subterrâneas (ou, possivelmente, sob o oceano).

Vinte e cinco anos atrás, estimava-se que esse processo dobraria o custo da eletricidade; hoje, parece que esses custos podem ser menores. Mas os investimentos necessários para o esforço de P&D – em tecnologia de captura, transporte, injeção e vedação, e em prospecção geológica para identificar sítios adequados de armazenamento permanente – serão maiores do que os disponíveis a qualquer interesse privado.

A área denominada “geo-engenharia” é outra esfera de pesquisa que merece atenção, mas não a receberá do setor privado. Parte da luz solar que atinge a Terra é absorvida, e parte é refletida. Analogamente, algumas erupções vulcânicas, a saber, aquelas que produzem muito enxofre, podem esfriar consideravelmente a Terra.

De fato, estima-se que o enxofre atualmente na atmosfera, principalmente derivado da combustão de carvão e petróleo, pode estar mascarando uma parte substancial do efeito estufa esperado.

Por isso, faria sentido realizar experimentos – reversíveis e em pequena escala -, para determinar quais substâncias poderiam ser lançadas a que altitudes para refletir a energia incidente e para incluir os resultados em modelos representativos do clima mundial, para verificar com segurança onde eles poderiam ser mais eficazes e benéficos.

Desnecessário dizer, essa não é uma tarefa para o setor privado, e algum patrocínio internacional poderia ser apropriado.

Para alguns, especialmente para o governo Bush, a incerteza em relação ao aquecimento mundial parece ser uma fundamentação para adiar ações geralmente identificadas como “dispendiosas”. Mas essa abordagem é praticamente inédita – aplicada quase unicamente às mudanças climáticas.

Em outras áreas de políticas públicas, como combate ao terrorismo, proliferação nuclear, inflação ou vacinação parecem prevalecer a norma da necessidade de “pagar um seguro”: se houver probabilidade suficiente de danos significativos, tomamos alguma medida de ação antecipatória.

No extremo oposto há o que freqüentemente denomina-se princípio “cautelar”, atualmente generalizado na União Européia (UE): até que algo – por exemplo, alimentos modificados geneticamente -, seja certamente seguro, deve ser adiado indefinidamente, apesar da expectativa de benefícios substanciais.

Nenhum desses dois princípios faz sentido, economicamente ou sob qualquer outra ótica. Deveríamos pesar custos, benefícios e probabilidades tão bem quanto possível, e não ficarmos obcecados com casos extremos.

Evidentemente, as incertezas em torno das mudanças climáticas tornam algumas ações, por ora, impraticáveis – e provavelmente por muito tempo. A admitida incerteza sobre o parâmetro “sensibilidade do clima” implica não fazer sentido decidir agora, por meio de algum processo diplomático multinacional, quais devam ser os tetos para as concentrações de gases que provocam o efeito estufa, e então usar esses limites como base para alocação de quotas a países participantes.

Mas a maioria das questões referentes às mudanças climáticas não são tão claras. A possibilidade mais aterradora das conseqüências do aquecimento mundial já identificada é o “colapso” do Manto de Gelo da Antártida Ocidental, que repousa no leito do mar e emerge por um ou dois quilômetros acima do nível do mar.

Ao contrário do gelo flutuante, que não provoca uma elevação do nível do mar quando derrete, existe suficiente desse manto de gelo acima da superfície para elevar o nível do mar em cerca de seis metros, caso se desprenda e vá para o oceano, inundando cidades costeiras no mundo inteiro.

Estimativas da probabilidade de um colapso do Manto de Gelo da Antártida Ocidental, ou do provável momento de seu colapso, têm variado há três décadas. Recentes estudos sobre o efeito da temperatura do oceano sobre o movimento de mantos de gelo apoiados em terra não são tranqüilizadores.

Segundo minha interpretação dos resultados das pesquisas mais recentes, a probabilidade de um colapso neste século é pequena – mas incerta.

Ao reagirmos a tal incerteza, não deveríamos esperar até que a dúvida tenha sido inteiramente dissipada para que tomemos ações a respeito, nem agir como se fosse uma certeza até que estejamos seguros de que não há perigo. Esses dois extremos não são a única alternativa.

Thomas C. Schelling recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2005.

Artigo publicado pelo jornal Valor Econômico, 11/01/2007