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Artigo

O Pai, o Menino e o Urutau, por Jorge Gerônimo Hipólito

[EcoDebate] Certa vez, eu, ainda menino fui pescar com meu pai no Ribeirão das Perobas. O sol ameaçava se esconder no horizonte, por isso fazia um céu amarelo-ouro. Hoje, eu diria que a paisagem ainda pode ocorrer, mas poucos têm o privilégio. Bem ao longe, ouvíamos os pios dos inhambus chitão e chororó, que na verdade, mas parecia um hino triste que previa um fim precoce. Quase próximo do ribeirão, passamos a cerca de arame farpado que dividia o roçado da capoeira. Depois, enveredamos por caminho estreito e tortuoso, meu pai ia à frente. De repente, a ponta do bambu pegou bem sobre meu olho direito, o que fez meu pai parar e me aconselhar a tomar cuidado, ou seja, lá também precisava manter distância daquele que vai à frente.

Meu pai perguntou: “ocê se machucô?

Eu respondi: não senhor!

Sabi pruquê num machucô?

Não, por quê!?

Pruquê os cabelinhu du teu zóio num dexô.

Mas como não deixaram?

Maomeno ansim: quando a pontinha du bambu pego nus cabelinhu, a capela do teu zóio fechô, e ansim protegeu num dexanu machucá”.

No caminho adiante, íamos encontrando os moradores daquele habitat , tais como: curiango, teiú e algumas pombas juritis, essas, voavam baixinho e suas asas produziam silvos agudos, talvez, por já ser quase noite, elas ficavam por ali mesmo. Meu coração disparava de tanta ansiedade e, até que enfim, chegamos na margem do ribeirão. Meu pai pegou os bambus que já estavam com linhas, anzóis e chumbadas, um para ele e um para mim, enfiou a mão numa lata, de onde retirou minhocas e, rapidamente, provocou um minhococídio e, me explicou: oi bem aqui, cuma é que si faiz, ocê vai baxanu o anzor ansim e quando ele tiver cheganu nu fundo, us bagri num vai guentá e vai ingulir a minhoca, aí ocê puxa num soquinho e, pronto. Na medida que ele foi explicando, fui fazendo, e foi dito e feito, de repente, ele gritou, oi aí minino, o bambu chega ta emborcado, o bicho já ta pego! E era verdade, um enorme bagre amarelo. Permanecemos pescando mais ou menos por uma hora e meia. O meu pai pegou cinco bagres, eu peguei três e fomos para casa. Bem, aí o bicho pegou, eu estava morrendo de medo, pois havia uma ave que quando cantava, mais parecia um menino chorando.

Eu perguntei, pai que barulho é aquele?

Ele respondeu: antigamente, tinha um muleque que respondia prus pai e ia pescá sozinhu nus lugá pirigoso, não obidicia ninguém. Num certo dia ele se perdeu numa mata virgi e acuma num conseguia vortá, pidiu a Deus pra ser castigado. Deus fez ele virar esse tar de Urutau. Intonces, agora, a genti fica escuitando ele chorá, mas tem uma coisa, ele só chora ansim di noitão. Eu fiquei refletindo sobre o menino que virou ave Urutau e, sinceramente, a minha vontade era a de fazer ele voltar a ser menino, mas não havia como. Bem, eu ficava olhando o jeito do meu pai que caminhava ali a minha frente, com a certeza de que eu sempre o respeitaria. Deus me livre de virar Urutau. Em casa, minha mãe ficou contente com a pescaria, no fogão, a lenha estava acesa, o que permitiu a ela fritar os bagres rapidamente, e todos nós saboreamos. Ah, ia me esquecendo, antes do jantar, meu pai sorveu uma dose da amarelinha, “daquela que passarinho não bebe”. Pois é, meus amigos, hoje, eu sinto muitas saudades do meu pai e de minha mãe, eles já mudaram de endereço. Mas também tenho muitas saudades, dos Inhambus, Curiangos, Teiús e Juritis. O Ribeirão das Perobas continua lá no mesmo lugar, porém em fase terminal, ou seja, apenas um fio d’água. Eu acredito, se ele tivesse voz, com certeza comprovaria a minha história, pois ele também sente saudades, inclusive dos pais que levavam os filhos para pescar e contar histórias. Hoje, se acabaram os ambientes, os meios, a esperança e, pior, os pais não mais inventam histórias.

Um grande abraço a todos os que um dia ouviram e participaram dessas histórias e aventuras, se fosse possível também voltariam no tempo e proporcionariam aos seus filhos e netos, o mesmo medo que eu senti ou que sentimos, pois isso corresponde à forma empírica de se fazer educação com qualidade.

Jorge Gerônimo Hipólito é ambientalista, colaborador e articulista do Ecodebate