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Transposição, um presente de grego, por Frei Gilvander Moreira

[EcoDebate] Ciro Gomes, dia 26/04/2007, de forma truculenta e arrogante, defendeu o projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, em Belo Horizonte, na Assembléia Legislativa. O tiro saiu pela culatra. A imprensa mineira divulgou nos dias seguintes e truculência e o destempero de Ciro Gomes que de forma desrespeitosa atacou o bispo dom Luiz Flávio Cappio e o professor João Abner Guimarães Júnior. Muita gente que assistiu ao pronunciamento de Ciro Gomes pela TV Assembléia exclamou: “Nossa, que homem truculento e arrogante.”

De 3 a 5 de maio de 2007, João Abner Guimarães, Dr. em Recursos Hídricos e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte esteve em Belo Horizonte a convite do D.A de Engenharia da UFMG e da Comissão Pastoral da Terra. Abner fez palestras e participou de debates na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (com parcial transmissão pela TV Assembléia para 350 cidades), na UFMG, na PUC Minas, na Faculdade Dom Hélder Câmara (manhã e noite), na Escola Estadual Helena Guerra, no Auditório da Livraria das IrmãsPaulinas; concedeu entrevistas para a Rádio Favela, Rádio Band News, Rádio CBN, Rádio Itatiaia, Rede Abraço de Rádios Comunitárias, TV Comunitária, TV Band News, Jornal Opinião, O Lutador e pequenos jornais.

O professor Abner cativou um mar de gente. Pessoa simples, muito competente, um verdadeiro intelectual orgânico que está colocando sua competência técnica a serviço da defesa da vida do Rio São Francisco, do povo de toda a bacia sanfranciscana e do Nordeste. De forma didática e pedagógica, Abner demonstra que o projeto de Transposição do Rio São Francisco, eufemisticamente chamado de “Projeto de Integração de bacias” é um presente de grego, uma farsa, uma enganação, é a sofisticação da indústria da seca, é chover no molhado. Ele demonstra que o projeto não é necessário, pois o Nordeste não precisa de importar água. Precisa sim é de uma reforma hídrica eficiente. Precisa de um projeto de Convivência com o semi-árido que passa pelas 530 obras defendidas pela Agência Nacional de Águas – ANA – no Atlas Nordeste. Implica terminar centenas de obras inacabadas em mais de 100 anos de obras da indústria da seca. No Nordeste existem 70 mil açudes, o maior programa de açudagem do mundo. Há 400 grandes barragens. É urgente construir adutoras com capilaridade capaz de democratizar o acesso à água existente no Nordeste. Construir barragens subterrâneas, mandalas, desprivatizar 70% dos açudes que estão privatizados.

As águas da Transposição, se chegar ao Nordeste Setentrional, cairão em grandes rios já perenizados – Piranhas-açu e Jaguaribe – pelas maiores barragens da região. Dessa forma a transposição quase não será notada. E, apesar dos grandes investimentos governamentais durante muitos anos, a problemática da seca deverá se agravar – o orçamento da transposição de um R$ 1 bilhão por ano deverá concorrer, durante muitos anos, com todos os programas governamentais no Nordeste de cunho verdadeiramente social.

O projeto encontra-se na contramão da história, desconhece a grande infra-estrutura hídrica da região suficiente para atender plenamente as demandas atuais e as futuras, num cenário de desenvolvimento sustentável. O Ceará tem disponibilidade hídrica para atender suas demandas em até quatro vezes; o Rio Grande do Norte, 2,5 vezes; a Paraíba, 1,5 vezes. Atualmente, existe um consenso por parte dos movimentos sociais, e até mesmo dos organismos internacionais de fomento, que recomenda políticas regionais de inclusão social pela democratização do uso da água a partir de experiências bem sucedidas na região – adutoras, cisternas, poços com dessalinizadores, barragens subterrâneas, perenização de rios por pequenas barragens sucessivas.

Os hipotéticos 12 milhões de nordestinos que seriam beneficiados pela Transposição identificados pelo Governo, onde se incluem os moradores das maiores cidades da região receptora e 40% deles fora do semi-árido, na verdade serão os maiores prejudicados pelo projeto, porque eles, sem necessitar dessa água, deverão sim bancar 85% dos custos da água do hidronegócio que será de 5 a 7 vezes mais cara do que o preço atual da água na região.

Essas contradições ressaltam bastante os impactos ambientais da obra no Rio São Francisco. Um mega sistema com capacidade de bombear 127 m3/s, mais de duas vezes a vazão do consumo d’água da Grande São Paulo de um rio que se encontra na UTI – em 2003 o rio são Francisco praticamente secou, castigado pelas inúmeras intervenções no seu leito, assim como na sua bacia, nos últimos 50 anos que destruíram a fauna e flora, e, principalmente transformaram um oásis num dos maiores bolsões de pobreza do País.

Frei Gilvander Moreira, de Belo Horizonte, em 07/05/2007
e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br

in www.EcoDebate.com.br – 09/05/2007