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Artigo

As Hidrelétricas do Madeira: os elos que faltam, por Telma D. Monteiro

[EcoDebate] Nas duas últimas semanas a mídia noticiou à exaustão a questão do licenciamento das Hidrelétricas do Madeira e este artigo tem por objetivo adicionar alguns outros fatos que envolvem esse processo conduzido pelo Ibama e que não foram divulgados ou o foram de forma deturpada.

Em março de 2007, o procurador do Ministério Público Federal de Rondônia, Heitor Alves Soares, ajuizou uma Ação Civil Pública pedindo a anulação do processo de licenciamento do Complexo do Madeira. O juiz que deveria julgar essa ação, em Rondônia, entendeu que não poderia fazê-lo devido à descoberta da existência de uma outra Ação Civil Pública em Brasília, ajuizada em setembro de 2006, com o mesmo objeto. Acabou por dar um despacho alegando que o mérito para julgá-la seria do juiz de Brasília.

Por outro lado essa Ação Civil Pública, de setembro de 2006, descoberta em Brasília, que também questiona o processo de licenciamento das hidrelétricas do Madeira, foi ajuizada pelo Dr. Marinho Mendes Domenici, um bem sucedido advogado, ex-procurador aposentado do Ministério Público Federal e genro do ex-ministro do TCU Fernando Gonçalves. O Dr. Marinho é titular de uma empresa chamada Konnape Assessoria e Consultoria e representa, nessa ação, uma ONG chamada CDPEMA – Comissão para Preservação da Espécie e do Meio Ambiente, com sede em Guarulhos, São Paulo. O presidente dessa organização, Dr. Carlos Alberto Arraes, também advogado, com quem falei por telefone e conforme e-mail a mim dirigido queixa-se do seu vice-presidente, Sr. Miron Cunha Rodrigues, que teria utilizado uma antiga procuração sua, sem o seu conhecimento, para entrar com essa ação em Brasília, na qual o Ibama é réu.

Segundo o presidente da CDPEMA, o vice-presidente negociou, a pedido do advogado de Brasília de quem é amigo há 35 anos, a “contratação” mal explicada da ONG para ajuizar a ação. O Dr. Carlos Alberto Arraes me enviou por e-mail cópia de uma correspondência do Dr. Marinho Mendes Domenici ao vice-presidente, em que ele escreve: “Só para que não paire dúvidas, registramos que a etapa final de nosso ajuste está, como acordamos desde o momento inaugural do trabalho, vinculado à expedição, pelo IBAMA, da LA” (Licença Ambiental). O presidente da CDPEMA desconfia que ela teria sido usada para ajuizar a Ação Civil Pública em Brasília para outros fins, contrários aos seus objetivos estatutários. Ele questiona, no e-mail, sobre quem estaria por trás dessa contratação “interesses obscuros de empresários, construtoras, autarquias, ou quem quer que seja ”.

É possível que essa ação ajuizada em Brasília tenha sido “encomendada” com o objetivo de atrair, para um foro específico, outras ações que viessem a ser ajuizadas. Como o Sr. Miron Cunha Rodrigues não quis falar sobre o assunto ao ser contatado, deixando uma lacuna e muitas interrogações, fica a sugestão para que esse caso seja oportunamente esclarecido, pois pode atrapalhar a ação do Ministério Público Federal de Rondônia.

Outro acontecimento polêmico, dentro do processo de licenciamento dos empreendimentos do Madeira, é o que se refere ao Ministério Público Estadual de Rondônia. Os procuradores estaduais de Rondônia assinaram em junho de 2006 um Termo de Compromisso Ambiental – TCA – com o Consórcio Furnas / Odebrecht, responsável pelo projeto, para acompanhar o processo de licenciamento ambiental do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira. Para isso foram acordados a realização de dois relatórios técnicos de avaliação dos estudos ambientais, por uma empresa de consultoria indicada no termo de compromisso.

Conforme citado no texto desse TCA, o Ministério Público Estadual de Rondônia enviou uma correspondência ao Consórcio Furnas/Odebrecht “indicando” a empresa de consultoria COBRAPE – Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos, com sede em São Paulo, para reunir e coordenar os trabalhos de um grupo de consultores para avaliar e preparar os dois relatórios técnicos sobre o conteúdo do EIA do Complexo Hidrelétrico Rio Madeira. Esse termo de compromisso estabelece, também, que o Consórcio se compromete a encaminhar à ANEEL os documentos referentes à contratação dos serviços da COBRAPE e a dar comprovação dos valores relativos às despesas para fins de ressarcimento dos custos assumidos na fase de licenciamento ambiental.

Coube, por outro lado, ao Ministério Público Estadual dar ciência à ANEEL de que os estudos seriam realizados a seu pedido e que deveriam ser apreciados ainda na fase de licenciamento prévio para efeito (reafirmado em outra cláusula) de ressarcimento dos custos incorridos. Está claro, também, no TCA que o Ministério Público Estadual de Rondônia trabalha com a certeza – favas contadas – da concessão da Licença de Instalação, na etapa posterior à entrega do segundo relatório pela COBRAPE.

Esse TCA deixou algumas dúvidas na sociedade com relação a um possível outro objetivo não explicitado. Ele estaria mais parecido com uma agenda de viabilização dos empreendimentos, disfarçada de “compromisso ambiental antecipado”, forçada pelo Consórcio Furnas/Odebrecht, com o propósito de acelerar a análise dos estudos ambientais e obter as licenças mais rapidamente.

Além disso, as organizações da sociedade civil que atuam na resistência contra a construção das Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau no rio Madeira, não obtiveram no Ministério Público Estadual, apesar das tentativas, as cópias dos anexos do TCA, onde consta o contrato entre o Consórcio Furnas/Odebrecht e a COBRAPE com os respectivos valores pagos e a pagar. Oficiosamente, no entanto, conseguiram saber por uma fonte não divulgada e que teve acesso aos documentos, que o valor do contrato é de um milhão e meio de Reais.

Como adendo aos imbróglios e para finalizar, adicionando mais uma pitada de complicação, é preciso esclarecer que, para o Ibama, seria temerário emitir uma licença ambiental para os empreendimentos do Madeira, uma vez que essa autarquia é ré em duas ações civis públicas, em Brasília e em Rondônia, e o processo de licenciamento encontra-se “sub judice” desde setembro de 2006.

Telma D. Monteiro, ATLA – Associação Terra Laranjeiras, Juquitiba – SP
colaboradora e articulista do EcoDebate

in www.EcoDebate.com.br – 07/05/2007