EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Baixo Parnaíba: a Cultura do Bacuri, Mayron Régis

[EcoDebate] Pernoitar em Chapadinha e, ao alvorecer, continuar a viagem à comunidade de Bom Sucesso, comunidade remanescente de quilombos que floresce no município de Mata Roma, uma decisão das mais abençoadas que os participantes do Terceiro Encontro das Comunidades do Baixo Parnaíba comprovariam no instante imediato em que viram o seu carro inclinando pra lá e pra cá nas estradas de piçarra e de areal que emergem e submergem na transição Amazônia – Cerrado – Semi-árido. Por aquelas bandas enviesadas entre Chapadinha, Mata Roma e Anapurus, de mata-burros, de palmeiras de babaçu e de bacurizeiros, encarem: tudo é Chapada – o oferecimento de café, de cuzcuz e de rosquinha de tapioca por parte de seu Brasilino.

Antes que quaisquer dúvidas pairem no ar, o eucalipto para reflorestamento e queima em baterias de carvoaria se encravou na ordem do dia para o e quer se encravar sobre os recursos naturais do Baixo Parnaíba via Margusa e seu projeto agro-energético de mais de 40 mil hectares de áreas de reflorestamento em oito municípios da região – que refloresta o chão dos Cerrados com o eucalipto como se este chão precisasse ser reflorestado – e se apercebe o município de Mata Roma entre estes oito municípios.

Algumas más línguas vilipendiam Mata Roma como um bairro de Anapurus pelo seu tamanho de cidade pequena e ainda rural do Baixo Parnaíba maranhense. Desconhecem que Mata Roma se desmembrou do município de Chapadinha, município no qual se deflagrou vários processos destrutivos dos recursos naturais e impositivos de uma nova vida social capitaneados pela Apacel (Associação dos Produtores Agrícolas do Cerrado Leste Maranhense) e que se irradiou pelo Baixo Parnaíba afora, e que imuniza-la do avanço do eucalipto por sobre as áreas de Chapada requer que as comunidades tradicionais retomem a cultura do bacuri, do babaçu e de outras espécies extrativistas.

A Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão marcou duas audiências para a sociedade de o Baixo Parnaíba discutir o empreendimento da Margusa. Uma seria em Urbano Santos e a outra em Santa Quitéria. Estava prevista apenas uma a princípio. Depois incluíram Santa Quitéria. Ainda assim faltavam os outros seis municípios, entre eles Mata Roma, e as datas coincidiam com o Terceiro Encontro. Divulgavam-se as datas havia meses nas páginas da Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos e do Fórum Carajás e a Secretaria aproxima, numa decisão delongada desde o final do primeiro semestre, as datas dos eventos como se quisesse evitar a presença em massa das comunidades. E quanto a não ocorrer audiências em Mata Roma, Anapurus, Belágua, São Benedito do Rio Preto – o rio Preto que dobra em cada leito semi-árido e assoreado de Bom Sucesso -, São Bernardo e Santana do Maranhão se justificou pela área reduzida de reflorestamento em cada um destes municípios.

No bambolear do veículo de Chapadinha a Bom Sucesso, o professor Luís Alves Ferreira, do Mestrado de Saúde e Meio Ambiente da UFMA, segurando o volante incriminava os pesquisadores responsáveis pelo Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento por assinarem estudos vazios sobre a fauna e a flora da região. Assuntava a possibilidade de atirar os nomes desses pesquisadores para a opinião pública. Voltava sempre ao assunto e batia firmemente na falta de compromisso desses pesquisadores – de um que foi e voltou no mesmo dia da pesquisa. Era bem cedo, da cor do dia, e já se pronunciava Bom Sucesso para encurtar o caminho. Até lá, pediriam muitas informações, tomariam café e se enamorariam dos bacurizeiros. E no mais tardar, entre as oito e nove da manhã, se alegrarIam com a notícia que as audiências públicas foram canceladas e adiadas para fevereiro de 2007.

As organizações sócio-ambientais boicotaram a audiência pública em Urbano Santos e seria bom que a Secretaria se pronunciasse pelas incoerências em todo o licenciamento ambiental: da dificuldade de obter os estudos, de reservar audiências só em duas cidades e em datas conflitantes com outros eventos. Da própria Secretaria se aguarda mais e melhores explicações com respeito ao desmatamento de 177 hectares na área da futura reserva extrativista de Chapada Limpa, no município de Chapadinha que a Secretaria licenciou em favor do proprietário, o senhor Manoel Lira Pereira. As respostas prestadas na edição do Jornal Pequeno de 10 de dezembro não soaram convincentes e tampouco convenientes, pois o desmatamento começou por uma área de bacurizeiros enquanto o plano de controle ambiental não cita a existência da espécie. Pela resposta temerária da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, licencia-se qualquer empreendimento em detrimento da preservação do meio ambiente mesmo que os bacurizeiros e outras espécies estejam em áreas de preservação.

Numa cidade como Chapadinha pode faltar de tudo menos um posto de gasolina para abastecer os veículos com gasolina e diesel. A destruição dos Cerrados brasileiros da década de 50 pra cá se deve e muito a plena potência da cultura de combustíveis fósseis, principalmente o petróleo. E foi em Chapadinha que o Sr. Manoel abasteceu os seus tratores para desmatar os bacurizeiros que vão queimar nas carvoarias e que vão virar carvão vegetal para suprir as guserias da região de Carajás.

Mayron Régis, jornalista

in www.EcoDebate.com.br – 14/12/2006