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Editorial

A energia nuclear está de volta, por Henrique Cortez

[EcoDebate] A energia nuclear está voltando com toda a força, apoiada, inclusive, por renomados ambientalistas, a partir do simples argumento de que ela é uma energia limpa. Será realmente limpa?

O discurso de que a energia nuclear é “limpa”, porque não emite gases estufa, é uma meia verdade e, como toda meia verdade, também é uma meia mentira. A energia nuclear gera resíduos radioativos significativos. Após o descomissionamento de uma usina nuclear deve-se levar em conta que seus resíduos classificados como altamente radioativos permanecerão ativos por 10 mil anos.

Ou seja, por 10 mil anos, estes resíduos altamente radioativos exigirão cuidados, gerenciamento, controle e segurança. Ao longo de nossa história nem civilizações duraram 10 mil anos, quanto mais empresas, governos e, até mesmo, países.

No famoso caso alemão, no qual as suas usinas nucleares serão fechadas ao longo de 32 anos, nada mais significa que não construirão novas usinas para substituir as que serão normalmente descomissionadas ao longo destes 32 anos. O “fechamento” das usinas nucleares alemãs também é uma meia-verdade que já se transformou em mito ambientalista. Infelizmente um mito, com muito pouco de verdadeiro. A Alemanha é o maior importador de energia elétrica da França, sendo 78% como de origem nuclear. A França lança os seus rejeitos nucleares em fossas abissais, como se isto fosse uma real solução e isto não incomoda o governo alemão, a população e os verdes alemães. Ou seja, radioatividade no vizinho pode, sem qualquer problema ético ou moral.

Este conceito é conhecido como nimby – abreviatura de “not in my backyard” (não no meu quintal), que descreve claramente a atitude dos alemães.

No entanto, é surpreendentemente que o apoio à energia nuclear também surja dentre as fileiras ambientalistas, com notório destaque para James Lovelock, o criador da Hipótese Gaia. Seus motivos merecem reparo, mas não podem ser meramente desqualificados. Seu argumento primário está na urgente necessidade de substituição das usinas termelétricas a carvão ou óleo, evidentes vilãs do aquecimento global.

A maior fonte de emissão de CO2 nos EUA é a queima de combustíveis fósseis, respondendo por 97% do total, de acordo com US Climate Action Report 2002, publicado pela US Environmental Protection Agency – EPA

Em 1999 aproximadamente 84% da energia consumida nos Estados Unidos era proveniente da queima de combustíveis fósseis. De 1990 a 1999 a emissão de CO2, em razão da queima de combustíveis fósseis nos EUA, aumentou à taxa média de 1,4% ao ano. De 1999 até 2005 superou a taxa de 2% ao ano.

Em termos de energia elétrica isso fica mais visível se observamos a matriz de geração:
Carvão 56,2 % ?
Nuclear 21,0%
Gás natural 9,6%
Hidrelétrica 9,5%
Petróleo 3,4%
Outras 0,2%

A geração de origem termelétrica a carvão, petróleo e gás natural é intensa emissora de CO2, além de dióxido de enxofre e oxido nitroso. Por outro lado, o consumo mundial per capita de energia elétrica, de acordo com dados de 1999, é da ordem de 2700 kWh/ano (no Brasil 1970 kWh/ano) enquanto que nos EUA o consumo per capita é da ordem de 11900 kWh/ano e continua crescendo a taxas superiores a 1% ao ano. Os EUA não podem ser utilizados como modelo ou referência, porque são insustentáveis, equivalendo ao triplo da capacidade de suporte do planeta.

Em termos estratégicos é importante destacar que, mantidos os níveis de consumo de 2000, os EUA possuem reservas de carvão para mais 500 anos, com custos de exploração há muito amortizados, o que facilita a compreensão de que a geração termelétrica a carvão equivale a 56,2% em sua matriz de geração. Mesmo se apenas consideramos a questão da energia elétrica e desconsideramos outras fontes de emissão de CO2 (automóveis, indústria, etc.) ainda assim podemos compreender melhor as implicações na redução da emissão.

Para reduzir as emissões de CO2 originadas de termelétricas a carvão e gás natural (69,2% de toda a geração) os norte-americanos teriam que reduzir a oferta de energia ou substituir estas fontes de geração, modificando o modelo de sua matriz energética.

Reduzir o consumo significa impor grandes modificações culturais e sociais, com relevantes impactos na economia. O atendimento ao aumento de demanda significa aumentar a capacidade de geração, ampliando problema. Por outro lado, reduzir a oferta, racionando a energia disponível para consumo, naturalmente desarticularia a toda a economia, com sérios impactos em emprego e renda, o que traria um custo político incalculável.

Substituir a geração termelétrica a carvão por outra também seria complicado. Em primeiro lugar substituir pelo que? A possibilidade de expansão da geração hidrelétrica é limitada e não iria efetivamente repor o volume de geração a ser substituída. As fontes alternativas, tais como eólica e fotovoltaica, no atual estágio tecnológico, ainda não são eficientes a ponto de permitir a substituição. A única alternativa tecnicamente viável seria a intensiva utilização da energia nuclear. É este, em essência, o argumento de Lovelock – a energia nuclear é a única viável para substituir a energia termelétrica a carvão.

Os Estados Unidos já operam 104 reatores nucleares, que respondem por 21% da geração. Embora não seja emissora de gases estufa a energia nuclear gera resíduos radioativos extremamente tóxicos e para os quais ainda não existe um processo realmente seguro e eficaz de armazenamento.

A posição de Lovelock foca a questão, essencialmente, a partir da ótica dos EUA, Canadá e Austrália, ignorando todos os demais. O criador da Hipótese Gaia esqueceu que o planeta é uno, necessitando de soluções sistêmicas. E este é o primeiro reparo.

O segundo argumento é que um acidente nuclear é um risco potencial, enquanto que o aquecimento global é um fato, Este é o segundo reparo. O risco de acidentes nucleares, embora estatisticamente pequeno, não é desprezível, o que aumenta a rejeição por parte da população. E o aquecimento global é um fato amplo consenso na comunidade científica, que uma vez iniciado exigirá imediatas ações, mas, ainda assim, apresentará seus efeitos, mais ou menos severos, ao longo dos próximos dois séculos. Ou seja, não evitaremos o desastre no longo prazo, apenas podemos moderar os seus efeitos.

O terceiro argumento é que os resíduos nucleares são um problema diante da atual tecnologia, mas que, no futuro, isto pode ser resolvido, transformando um passivo ambiental em ativo. Pode parecer lógico, mas é apenas um exercício de futurologia, sem qualquer indicativo de que realmente venha a acontecer. Vejam, ao final do artigo, um interessante roteiro do atual estágio do gerenciamento dos resíduos nucleares.

Outra questão a ser considerada é utilização militar da energia nuclear, presente desde a “inauguração” da era nuclear em Hiroshima e Nagasaki. Mesmo diante de compromissos de uso pacífico, ainda assim existe indissolúvel ligação entre a geração de energia nuclear e o controle/supervisão militar. Na prática não é possível ser pacifista e defender a energia nuclear ao mesmo tempo.

Mais uma vez digo que é muito mais fácil ser ambientalista no Canadá ou na Alemanha do que no Brasil ou na África Subsaariana, principalmente quanto o discurso não precisa ser realizado. O pragmatismo de governar, como os “verdes” demonstraram na Alemanha, dispensa coerência.

Nós, ambientalistas do feio, sujo e pobre terceiro mundo, estamos fazendo a nossa parte ao questionar a energia nuclear e ao defender programas sustentáveis de energias limpas e renováveis. E esperamos que os “companheiros” do lado de cima do Equador também façam a deles. Aliás, também esperamos que “companheiros” por aqui mesmo também façam.

Não existem soluções simples para problemas complexos e com a energia nuclear não é diferente.

A defesa da energia nuclear, por Lovelock e outros, pode ser uma solução simples para conter ou melhor moderar os efeitos do aquecimento global, mas transfere para o futuro e para as futuras gerações o gerenciamento de um imenso estoque de resíduos nucleares.

E transferir para o futuro e as próximas gerações a responsabilidade de nossas decisões atuais é um direito que, definitivamente, não possuímos.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate
www.ecodebate.com.br

Lixo na Europa
Além da falta de empenho do Governo e do Congresso, o Brasil não encontra uma solução definitiva para o lixo radioativo porque padece, como outros países, do efeito nimby – abreviatura de “not in my backyard”, não no meu quintal. Vários estados e municípios, incluindo o Estado do Rio e a cidade de Angra dos Reis, aprovaram leis que proíbem a existência de depósitos de rejeitos nucleares em seu território.

O governo alemão pretende fechar as usinas nucleares num período de 32 anos e os problemas com relação ao destino final dos rejeitos radioativos até hoje não teve solução.

O acordo significa o fim do uso civil da energia nuclear na Alemanha. Atualmente, a fonte nuclear representa 35% da energia consumida na Alemanha. Há 40 anos os cientistas procuram locais seguros para estocar permanentemente o lixo altamente radioativo e como não acharam é melhor parar de uma vez. A questão é tão difícil que alguns países, como a Itália e a Argentina, concluíram que não terão um local pronto antes do ano 2040. A Alemanha, o país mais otimista neste campo, espera concretizar seus planos lá pelo ano 2008.

Um único depósito definitivo, para resíduos de baixa e média atividade, foi construído ainda pelo governo comunista da antiga RDA em Morsleben, Estado da Saxônia Anhalt, mas sua licença de funcionamento termina em 30.06.2000, que deverá ser extendida por mais 5 anos, quando o Ministério do Meio Ambiente tentará encontrar um depósito para os sete cilindros de aço contendo lixo de alta atividade (combustível nuclear usado), que foram depositados ilegalmente em Morsleben pela usina de Greifswald, já fechada, antes da queda do muro de Berlim.

Desde outubro de 1990, Morsleben tem sido operada pela Deutsche Gesellschaft zum Bau und Betrieb von Endlagern für Abfallstoffe mbH (DBE), uma companhia que constrói e opera depósitos de rejeitos.

O plano de usar uma antiga mina de ferro, o depósito de Konrad, parou na Justiça. Teria capacidade para estocar durante 40 anos.

Há 20 anos, o Governo da Alemanha Ocidental encomendou pesquisa sobre um possível depósito definitivo para o lixo radioativo de todas as usinas do país numa antiga mina de sal em Gorleben, Baixa Saxônia, onde nos últimos 20 anos foram gastos 2,2 bilhões de marcos (US$ 1,12 bilhões) no projeto.

Mas, depois de assumir, o chanceler Schröder, que como ecologista participou de passeatas contra a instalação do depósito de lixo radioativo no seu estado de origem, o projeto de Gorleben, norte do país, tem recebido rejeitos e nos próximos 10 anos acumulará 120 castores (cilindros fechados) provenientes da França. O Ministério do Meio Ambiente iniciou a busca de um novo depósito, em mina de sal ou granito.

O jornal alemão Berliner Zeitung divulgou que a França (que produz, anualmente, 2.500 Kg de lixo radioativo por trabalhador) e Alemanha negociam secretamente com a Rússia o financiamento de um depósito para resíduos de alta intensidade em Krasnoyarsk, na Sibéria. Tal projeto seria aberto ao lixo do mundo inteiro. Mais tarde os alemães recusaram a proposta da Rússia e do Casaquistão.

A Rússia processa o seu lixo no combinado industrial de Mayak, nos Urais.

Sem Solução

Embora o lixo nuclear não esteja sendo jogado no quintal ao lado e nem num aterro sanitário, não há uma solução definitiva sobre o assunto. A questão reside no fato de que um dia haverá um acidente de vazamento e não se sabe como isto poderá comprometer o meio ambiente e as pessoas que venham a ser atingidas por essa probabilidade.

As pirâmides do Egito são um bom exemplo de que se pode construir uma estrutura que sobreviva há milênios, por outro lado, não se pode prever por quanto tempo serão invioláveis. Já lançaram muita coisa no mar esperando que fosse dispersado, até que não cause problema. Minas de sal são bastante impermeáveis, mas o material é muito plástico, isto é, não suportam grande peso e alteram sua forma. Minas de granito são resistentes, mas apresentam fissuras por onde penetra a água.

Os alemães desenvolveram um recipiente para transporte e armazenamento de material altamente radioativo -o CASTOR (Cask for Storage and Transport of Radioactive Material). O CASTOR tem as extremidades quadradas e o corpo cilíndrico, é fabricado de aço especial com 40 cm de espessura, diâmetro de 2,4 m e comprimento de 5,8 m e tem um sistema de sobretampas, onde o espaço é pressurizado com gás e se houver variação na pressão do gás, perceber-se-á a ocorrência de vazamento. Um CASTOR é submetido a testes rigorosos de integridade. É testado em queda livre de 9 m sobre base de concreto, 30 min sob 800 °C e choque contra um anteparo de concreto à velocidade de 120 km/h. Por fim, são estocados em Gorleben, em túneis a 860 m de profundidade.

Os Estados Unidos tem colocado seus rejeitos em Yucca Mountain, após grande discussão, além de ter vários sítios com depósitos. Na Suécia, duas cidades no norte do país, Storuman and Malå, embora tenham taxas altas de desemprego, a população votou pelo banimento de tais atividades. O Projeto Pangea, de um depósito mundial no interior da Austrália, também tem enfrentado críticas e não é do interesse da sociedade.

No Japão, o combustível usado é reprocessado na França e no Reino Unido e depois é levado para um depósito em Rokasho, na Província de Aomori. Em 2005 deve entrar em operação outro local. A China se ofereceu ontem para solucionar os problemas que Taiwan enfrenta para depositar seu lixo nuclear, mas apenas se o país aceitar o governo dos chineses. ”Como Taiwan faz parte da China, o combustível gasto de suas usinas nucleares pode ser transferido para o continente para um pós-tratamento… contanto que Taiwan volte a sua pátria”, disse Yang Jike, o vice-presidente do Comitê de Meio Ambiente e Proteção a Recursos do Congresso chinês. A China, que está construindo três depósitos de lixo nuclear, já se negou a guardar o lixo tóxico de outros países. Os chineses têm duas usinas nucleares.

Na França, onde 58 reatores produzem 80% da energia consumida, não há local para o despejo. Despejam o seu lixo em fossas abissais do Pacífico sul. Até 2006 espera-se que o Parlamento encontre uma solução para o lixo estocado na fábrica de reprocessamento de La Hague, na Bretanha.
No Reino Unido também não há solução. A British Nuclear Fuels (BNFL) opera 19 usinas com seus 41 reatores e reprocessa o combustível em Sellafield. Os ingleses também jogaram lixo no mar dentro de tambores.

Outra possibilidade que se apresenta para reduzir o efeito prolongado de armazenamento de resíduos é a utilização da transmutação atômica e a separação de elementos.

in http://www.energiatomica.hpg.ig.com.br/lixo.html