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Artigo

Música hidrográfica brasileira, artigo de Lucio Carvalho

“…e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.”
João Guimarães Rosa – A Terceira Margem do Rio

[EcoDebate] O que significam os rios para o interior do Brasil e para a cultura popular é algo do indizível. Isso é assim porque os rios são como a seiva dos lugares, dos territórios. São como membros de uma grande família e, se um deles morre, toda a familia padece junto. São como limites de uma casa, nossa casa, e não é à toa que estamos delimitados de norte a sul pelo Oiapoque e pelo Chuí: dois rios.

Na semana passada, o Rio Doce, em Minas Gerais, foi sepultado de uma só vez, numa tragédia histórica e aparentemente irreversível. Não foi como acontece com muitos outros rios, arroios, riachos, que gemem diariamente da agonia dos despejos e das drenagens e dragagens incessantes. O Rio Doce foi sepultado vivo, sem direito nem a gritar, numa violência que só uma criatura das bem ruins pode fazer. Infelizmente, é justo a criatura humana, supostamente a mais sábia entre todas, quem vem se especializando nessas ruindades, batizando-as disfarçadamente de “acidentes”, “desastres” e outros eufemismos, conforme intenções mais ou menos veladas.

Não é somente pela pesca que os rios se fazem fundamentais, também é pela presença e pela sua capacidade de favorecer a multiplicação dos recursos naturais. Pelo frescor da vegetação de seus arredores e a rarefação dos ares. Pelas piracemas milagrosas. Pelas nascentes, brotadouros e pelos olhos d’água. Pelas Iaras fantásticas, aparições e pelos animais de verdade que, agora, perdem sua casa, sua imagem, sua sombra no chão da existência.

E também pela inspiração de quem os cantava e agora terá em seu lugar estradas de asfalto, concreto, sujeira ou, ainda pior, coisa nenhuma. Alguém me diga quem escreveria uma história sobre um ex-rio? Quem comporia uma canção assim, com essa finalidade? Seja como for, os rios são como nossas artérias e veias. Somente uma criatura que não se importa consigo mesma os trataria tão mal como os tratamos. Será que deixamos de perceber de que somos na verdade, como o “nosso pai” de Guimarães Rosa, um só, o eu-rio?

Nos links abaixo, tentei reunir alguns momentos da música brasileira onde os rios estão homenageados. Para ver como rios e artistas estão mal considerados no mundo contemporâneo, que já não se os homenageiam tanto, hoje em dia. Mas, de outra sorte, imundície e destruição não tem faltado.

“Eu pus os meus pés no riacho
E acho que nunca os tirei”
(Força estranha – Caetano Veloso)
https://www.youtube.com/watch?v=LX_hSIGxu4U

“Dentro da terra o rio quer nascer
O rio chora água ao parir”
(Dois rios – Tavinho Moura e Fernando Brant)
https://www.youtube.com/watch?v=e4zYf8gPcJA

“A correnteza do rio
Vai levando aquela flor
O meu bem já está dormindo
Zombando do meu amor”
(Correnteza – Tom Jobim)
https://www.youtube.com/watch?v=6oWlY4l2dy0

“Canoa, canoa desce
No meio do rio Araguaia desce”
(Canoa, canoa – Nelson Angelo e Fernando Brant)
https://www.youtube.com/watch?v=rKrTEQiK8_w

“Vivi na beira de rio, não conheço outro lugar.
Eu e ele é um desafio, pra ver quem mai vai durar.
Rola espuma, rio grande, rola o rio Paraná”
(Rio Paraná – Tonico e Tinoco)
https://www.youtube.com/watch?v=-WTTZXPiyU8

“Nas águas do Rio Amazonas
o meu coração se banhou”
(Rio Amazonas – Dori Caymmi)
https://www.youtube.com/watch?v=goE1fxNGV_g

“O rio de Piracicaba vai jorrar água pra fora
Quando chegar a água dos olhos de alguém que chora
Quando chegar a água dos olhos de alguém que chora
Lá no bairro onde eu moro só existe uma nascente.”
(Rio de Lágrimas – Tião Carreiro e Pardinho)
https://www.youtube.com/watch?v=Rzrm6dLP4zE

“Cumprindo sua sina, distraindo as mágoas
Parece que o rio inveja o mar
Nas ondas que os peixe branqueia”
(A Vida do Rio – Simone Guimarães, José Pacífico e J. Márcio Castro Alves)
https://www.youtube.com/watch?v=OaE8uiQh8YU

“Óia o dourado que bateu no espinhel
Traz a canoa que rio fundo não dá pé”
(Cantiga de Rio e de Remo – Os Angueras)
https://www.youtube.com/watch?v=STAoRcco29o

“Riacho do Navio corre pro Pajeú
O Rio Pajeú vai despejar no São Francisco
O Rio São Francisco vai bater no mei do mar”
(Riacho do Navio – Luiz Gonzaga)
https://youtu.be/2B2D4Sym5tE

“Vai a me levar como se fosse
Indo pro mar num riacho doce
Onde ser é ternamente passar”
(Rio Doce – Beto Guedes)
https://www.youtube.com/watch?v=xtrGSowtzjY

Lucio Carvalho é Autor de Inclusão em Pauta (Ed. do Autor/KDP), A Aposta (Ed. Movimento) e do blog Em Meia Palavra (http://emmeiapalavra.com ).

 

in EcoDebate, 19/11/2015

[cite]

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4 thoughts on “Música hidrográfica brasileira, artigo de Lucio Carvalho

  • Lúcio Carvalho, você se esqueceu de citar uma de minhas preferidas: Araguaia, de Marcelo Barra

    Longas noites, madrugadas
    Quanta beleza pra um só lugar
    Água limpa a se perder
    Não, não volta nunca mais

    Lentamente no abandono
    Um estrela atravessou o céu
    Encena um tema de ternura
    Um pesadelo da razão

    Meu Araguaia
    Suas areias cobriram meus pés
    Seu encanto fez do pranto
    Um acalanto pra nós dois

    E na rede ensimesmado
    Sonho sonhos que já estão em mim
    Sinto a vida que eu levo aqui
    Não esqueço nunca mais

  • E esta?

    Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia
    Tudo esbarra embriagado de seu lume
    Dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
    Só vigia um ponto negro: o meu ciúme

    O ciúme lançou sua flecha preta
    E se viu ferido justo na garganta
    Quem nem alegre, nem triste, nem poeta
    Entre Petrolina e Juazeiro canta

    Velho Chico vens de Minas
    De onde o oculto do mistério se escondeu
    Sei que o levas todo em ti, não me ensinas
    E eu sou só eu, só eu só, eu

    Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
    Petrolina, nem chegaste a perceber
    Mas na voz que canta tudo ainda arde
    Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê

    Tanta gente canta, tanta gente cala
    Tantas almas esticadas no curtume
    Sobre toda estrada, sobre toda sala
    Paira, monstruosa, a sombra do ciúme.
    (Caetano Veloso, O ciúme)

  • Valdeci Silva.

    Parabenizo o autor do artigo, pela produção de coisa tão linda. Foi muito emocionante.
    Parabenizo também Paulo Afonso, pelas contrubuições que deu.

  • Valdeci Silva.

    Seria tão bom se pudéssemos defender todos os rios, lagos, lagoas e oceanos do planeta Terra. Enfim, seria tão bom que pudéssemos defender todas as águas.

Fechado para comentários.