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Artigo

África, o novo colonialismo pelo agronegócio, artigo de Roberto Naime

 

Paises africanos atingidos pela ocupação de terras por investidores estrangeiros. Mapa: NYT

 

[EcoDebate] É comum entidades ideológicas inexistentes serem responsabilizadas por atributos conspiratórios que não foram formulados em verdade. Mas que se materializam convergências estranhas muitas vezes e que inspiram e estimulam estes arranjos, disto não existe a menor dúvida. Interesses convergentes de alguns países integrantes dos países considerados como ricos, e de fundações de magnatas como a instituição dos Rockefeller, de Bill Gates, George Soros, Warren Buffet, e as corporações Monsanto, Syngenta, Dupont e Bayer, parecem que criam convergências momentâneas e circunstanciais.

Mas com certeza o denominador comum é informal, e não formal como apontado pelas teorias conspiratórias de plantão. A hipocrisia dos países mais ricos se manifesta em iniciativas que pretendem erradicar a fome do mundo. Está provado que a segurança alimentar do mundo depende de distribuição de renda e não de produção de alimentos. Uma hipocrisia que é repetida no tempo, os governantes ricos do planeta transformam em anúncios pomposos e planos detalhados. No ano de 2015, era para ser o marco de erradicação pela metade da fome no mundo.

Matéria no site “carta maior” assinada por Najar Tubino, denuncia uma estratégia de todos os agentes já enumerados para assumirem as terras do continente africano. Seria uma nova forma de colonialismo, praticada através da agropecuária.

Um resumo da matéria registra que os países do chamado G-8 e suas agências e corporações desejam mesmo é assumir as terras do continente africano, que são habitadas há milênios por comunidades de povos tradicionais e também por indígenas. A estratégia seria traçar novas regulamentações nas próprias terras, iniciando o processo de regulamentação e da emissão de títulos individuais para os povos tradicionais, que não dispõe de documentos sobre suas terras.

Existe já uma entidade chamada Millennium Challenge Corporation (MCC), criada pelo Congresso dos EUA em 2004 com o objetivo de promover o mercado livre em países pobres, que já investiu cerca de US$260 milhões para regulamentar as terras africanas.

A matéria registra que a outra ponta da estratégia dos países ricos, é implantar o agronegócio nas terras das comunidades tradicionais, para fazer o que já fazem em outras regiões, inclusive no Brasil. A plantação em monocultura, que maximiza a lucratividade deste modelo, mas tende a ampliar o desequilíbrio ecossistêmico, de soja, milho e algodão, cana e em alguns casos, como na África, de culturas como caju, amendoim e tabaco.

O pacote envolve sementes certificadas e patenteadas, fertilizantes químicos e agrotóxicos, uma espécie de tríade universal que tomou conta do planeta. A organização World Watch Institute (WWI), de Washington, criada pelo agrônomo Lester Brown, fez um trabalho de pesquisa de campo em 25 países africanos nos anos de 2009-2010, para o relatório lançado em 2011 – “Estado do Mundo: Inovações que nutrem”.

Os pesquisadores do WWI relataram dezenas de experiências em agroecologia na África, onde quase um milhão de agricultores trabalham com agroecologia e produção orgânica em regiões difíceis como no Níger, na Etiópia, no Mali e no Malawi. Estas experiências decorrem mais da pobreza identificada nesta região do que por opções conscientes. De qualquer forma, estas práticas não são divulgadas e difundidas.

As agências internacionais não fazem a menor questão de divulgar este tipo de trabalho. As fundações Gates, Soros, Rockefeller e outras, definiram que a estratégia é implantar as sementes transgênicas no território africano. Somente os gastos das fundações Gates e Rockefeller contabilizam mais de 200 milhões de dólares.

Uma das fantasias criadas e difundidas pelas gigantes da transgenia no Quênia é o desenvolvimento e promoção de uma semente transgênica, que é “resistente à seca”. Na verdade é tolerante a uma seca moderada. Coisa que qualquer semente crioula adaptada ao seu local de origem exerce em seu ciclo produtivo. Este é outro ponto que a estratégia dos países ricos pretende implantar na África.

Em todos os países africanos, de alguma forma, estão sendo introduzidas mudanças para tentar regulamentar o mercado de sementes. Num continente onde mais de 90% da produção agrícola é familiar e tradicional, ou seja, faz parte dos costumes a troca e a partilha do conhecimento das sementes crioulas, os agentes e operadores das grandes corporações, querem apenas segurança jurídica e institucional para as patentes de suas sementes transgênicas.

A idéia e a concepção que está implicitada no conjunto de todo o projeto, é que as terras e os recursos humanos são tão menos onerosos na África, que vale a pena correr os riscos para investir num sistema que propicie a proliferação de um arranjo ou modelagem que atenda as autopoieses sistêmicas do atual modelo de produção e consumo.

Sem entrar em detalhes operacionais de todos os programas e arranjos exemplificados como problemáticos no território africano, são válidas exemplificações que demonstram como a dignidade dos povos tradicionais e agrupamentos indígenas, tem sido violentados por modelagens exógenas que tentam a qualquer preço se viabilizar, mesmo que isto custe a decência das populações afetadas.

Matéria do referido site, indica que na Etiópia os povos das aldeias Wukro e Wenchi produzem mel de excelente qualidade. O país produz mais de 24 mil toneladas por ano, sendo o maior produtor da África. Iniciativa do Slow Food International, já implantou mais de mil hortas comunitárias com espécies crioulas. As mulheres Massai, do distrito de Kajiado, no Quênia, construíram cisternas de ferrocimento para armazenar água, num projeto do Programa de Meio Ambiente da ONU. Em cada cisterna plantam 100 árvores.

O site destaca que esta é uma realidade que não tem apoio dos governos locais todos interessados nas verbas das agências internacionais e das corporações multinacionais. A realidade só pode mudar se os povos tradicionais não abrirem mão das suas terras, da sua história, e da vida que levam a muitas gerações. É possível comprar terras, insumos e realizar muitas peripécias. Mas não é possível adquirir a história e a dignidade dos povos.

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/africa-o-agronegocio-e-a-nova-versao-do-colonialismo/3/33388

 

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

 

in EcoDebate, 19/11/2015

[cite]

** Nota da Redação: Outro exemplo do neocolinialismo é a deslocalização agrícola ou offshore farming, em que países compram terras no exterior para produção própria.

 

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

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2 thoughts on “África, o novo colonialismo pelo agronegócio, artigo de Roberto Naime

  • Valdeci Silva.

    Duas observações:

    1ª) se grandes empresas dos países capitalistas mais ricos planejam implantar o agronegócio em terras africanas, o agronegócio será implantado em terras africanas;

    2ª) a afirmativa que será transcrita do 2º parágrafo do artigo, para cá, é questionável.

    “…a segurança alimentar do mundo [planeta] depende de distribuição de renda e não de produção de alimentos”.

    [ trecho do segundo parágrafo do artigo em apreço ].

    A afirmativa acime, que estamos questionando, não é válida para o presente momento, em virtude do grande crescimento do consumo de alimentos, caso houvesse uma distribuiçção de renda igualitária para todos os seres humanos atualmente existentes. E se pensarmos em um futuro próximo, no qual a população humana esteja, por exemplo, duplicada, em relação à atual, então haveria grande falta de alimentos, que teria duas causas principais:
    a) a superpopulação, de aproximadamente 15 bilhões de seres humanos; e
    b) a impossibilidade de conciliar essa superpopulação com uma superprodução de alimentos, considerando-se a enorme devastação ambiental promovida pela superpopulação.

  • Olá Valdeci…

    É verdade, eu só quis dizer que se não houver capacidade de aquisição, não adianta aumentar a produção de alimentos, os interesses dominantes preferem desperdiçar os alimentos…

    Concordo com tuas preocupações com a superpopulação, mas é assunto delicado de abordar…

    Grande abs…

    RNaime

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