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Para o professor de medicina da UFRJ, a proibição e criminalização de drogas são arbitrárias e hipócritas

 

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Foto: Marcos Santos / Agência USP

 

Drogas ilícitas fazem menos mal do que muitas drogas lícitas, como o álcool e o açúcar, declararam vários cientistas, em debate promovido na sexta-feira (12), pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, sobre política de drogas, proibicionismo e seus efeitos.

Para o professor de medicina da UFRJ, João Menezes, a proibição e criminalização de drogas são arbitrárias e hipócritas. “Sou contra o sedentarismo, mas não acho que todo o sedentário deve ser preso. O mesmo vale para o usuário de drogas. Várias drogas lícitas matam tanto ou mais é ninguém vai preso por isso”, disse ele.

“Todos os animais correm atrás de substâncias psicoativas. Até o inseto. É natural. Criminalizar a droga é uma hipocrisia. Todos os trabalhos que justificam a proibição da maconha foram feitos a partir da proibição, não antes”, afirmou.

Ele defendeu que os estudos atuais não são suficiente para determinar os verdadeiros efeitos nocivos de determinas drogas. Muitos produtos entorpecentes vêm com outras substâncias nocivas que não são consideradas em várias pesquisas”, afirmou o professor.

O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Francisco Neto considera que o efeito do álcool é muito mais devastador na sociedade brasileira do que o do crack. “A ciência hoje em dia mostra uma visão muito distante do que é o senso comum”, declarou.

Para Francisco Inácio Bastos, também pesquisador da Fiocruz, a cultura de criminalização das drogas prejudica até os estudos sobre o assunto. “É uma questão estigmatizada, sujeita à penas. Algumas pessoas acham que ao tratar desse tema correm risco pessoal. Então, a pesquisa acaba subestimando o uso”.

Bastos coordenou uma pesquisa nacional sobre uso do crack no ano passado. Ele lamentou que pouco se saiba sobre as drogas consumidas no país, visto que as autoridades não liberam seu uso para fins acadêmicos. “Se quisermos fazer ciência, precisamos analisar e precisar essas amostras. Temos que saber o que de fato as pessoas estão usando. Muitas vezes, a presença da substância ilícita é ínfima. Precisamos ter padrões confiáveis”, comentou.

Todos os presentes concordaram que a política de enfrentamento às drogas adotada pelas autoridades brasileiras só contribui para a superlotação carcerária, aumento da violência e do consumo de drogas.

Outro consenso é que o uso de drogas não devem ser tratado como problema de segurança, mas de saúde pública, quando o consumo for problemático.

Foram citadas experiências em outros países, como Portugal e Inglaterra em que a descriminalização e o enfoque na saúde têm ajudado a diminuir o número de mortes na população usuária de substâncias e diminuído o número de encarcerados.

O defensor-geral do Rio de Janeiro, André Cruz, destacou que o aumento no número de prisões no estado está diretamente relacionado ao aumento de processos que tratam de drogas. “Tínhamos, em 2008, uma população carcerária de aproximadamente 25 mil pessoas. Atualmente são 43 mil. Praticamente dobrou, mas estamos mais seguros hoje? O número de processos relativos a tráfico de drogas aumentou vertiginosamente”, declarou.

Ele adiantou que a Defensoria iniciou, há cerca de duas semanas, uma recomendação institucional para que os defensores peçam automaticamente a inconstitucionalidade de toda a prisão de usuários, na maioria jovens negros e pobres. “Queremos que seja dado aos jovens pobres o mesmo tratamento que dão ao jovens ricos, quando são pegos com pequena quantidade de drogas”.

Apesar dos dados concretos que apontam que a guerra às drogas causa mais danos que o consumo, a maioria da população ainda trata as drogas como tabu, declarou o jornalista Denis Bugierman, autor do livro “O fim da guerra”.

“Fazem uma associação das drogas com o mal, e qualquer atitude em relação a elas torna-se má”, comentou o pesquisador. “A violência está explodindo onde a guerra às drogas acontece”, disse ele, que acredita que o país vive o auge dessa guerra.

“Não existe mundo sem crime, como não existe mundo sem drogas, mas essa enorme massa de excluídos é que precisa ganhar dignidade, ser atendido com respeito, ter oportunidades”, disse Inácio Bastos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve votar ainda neste mês a inconstitucionalidade da criminalização do porte de drogas para uso pessoal, por entender que é questão de foro íntimo.

Por Flávia Villela, da Agência Brasil

Publicado no Portal EcoDebate, 15/06/2015


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2 thoughts on “Para o professor de medicina da UFRJ, a proibição e criminalização de drogas são arbitrárias e hipócritas

  • Em minha opinião, a Sociedade deve interferir sempre que o indivíduo comete delitos que possam afetar o coletivo.
    O caso das drogas ilícitas é um exemplo típico.
    Sendo altamente viciante, o usuário de drogas faz mal a si mesmo e à coletividade. Dias atrás, uma mulher completamente drogada se postou à frente do meu carro em movimento. Felizmente, eu vinha a uma velocidade que me permitiu frear e evitar uma tragédia.
    Para conseguir meios de obter a droga, o usuário rouba e mata. Está provado que a maior incidência de crimes, principalmente contra pessoas da família, está ligado ao consumo de drogas e, também, de álcool.
    Um erro, porém, não justifica o outro. Se o consumo de álcool é permitido em quaisquer quantidades e causa os dramas que causa, está na hora de a Sociedade se movimentar e agir da mesma forma que agiu com o cigarro: proibir a propaganda de produtos alcóolicos especialmente patrocinando eventos esportivos.

  • Paulo, o consumo de cigarro (que é altamente viciante) vem caindo no país (despencando, por sinal). O consumo de maconha, crack, cocaína e mmda vem subindo.

    A grande diferença é que enquanto o cigarro é combatido com propagandas educativas, programas para ajudar os viciados a deixar o vício, restrições de locais onde é permitido fumar (sem proibição total), altos imposto que encarecem o produto (e financiam o tratamento hospitalar dos viciados depois) e, vamos admitir preconceito contra os fumantes, as outras drogas são combatidas com polícia, e… bem, frisson social que glamouriza o produto proibido.

    A proibição do álcool nos EUA provocou o aumento do consumo de bebidas no país na época. Porque o álcool acabava sendo glamourizado.

    Eu concordo com você que o consumo de drogas é um problema, e que há pessoas que são arrasadas pelas drogas a ponto de deixarem de ser uma parte útil da sociedade. Possivelmente discordamos depois disso, pois eu acredito no direito das pessoas de se matarem da forma que quiserem, rápida ou lenta, então acho que uma pessoa tem o direito de se drogar até o estupor se quiser, desde que esteja preparada para lidar com as consequencias disso. Esse desde que é um tanto metafórico, pois esteja a pessoa preparada ou não, ela vai ter que aguentar os efeitos colaterais do que tomou.

    Nem todo usuário de drogas comete crimes. Aliás, a percentagem dos que cometem é até baixa (menos de 10%), embora seja mais alta que a de não usuários de drogas que cometem crimes (se me lembro bem, os números são 6% e 8%). O motivo é que nem todo usuário de drogas vira os zumbis ambulantes que se avistam em cracolândias por aí… na verdade é uma percentagem pequena, do mesmo jeito que nem todo mundo que experimenta uma cerveja vira um alcóolatra inveterado espancador de mulheres e criancinhas.

    Só há muito mais desinformação sobre drogas do que sobre alcool, e a propaganda do “todo drogado vira um zumbi que só pensa em drogas” sai pela culatra da primeira vez que o adolescente vê um drogado de verdade… que em mais de 95% das vezes vai ser uma pessoa normal. Aí o adolescente acha que tudo o que falaram para ele sobre drogas é errado, e experimenta ele mesmo. E às vezes, ele estava entre os 5% que se arrasam e viram zumbis ambulantes.

    Concordo com você de que a proibição da propaganda de produtos alcóolicos (incluindo cerveja) deveria ser feita.

    Mas discordo sobre a proibição ser a melhor forma de se combater as drogas. Informação (verdadeira, não só palavras de ordem. A realidade das drogas já é bastante assustadora sem precisar de exageros), educação, instigar o preconceito contra as drogas que atingem mais pessoas além do usuário, como foi feito com o fumo (maconha TAMBÉM causa efeitos colaterias com o fumo passivo), tudo isso funciona melhor que a proibição, que só glamouriza o produto.

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