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Artigo

Dispneia coletiva ou o próximo ‘déficit’: a falta de ar, artigo de Marden Campos

 

poluição

 

[EcoDebate] Hoje cedo em Mumbai, recebi o jornal do dia, The Times of Índia, cuja capa estampava uma matéria que dizia que a cidade havia se tornado a mais poluída da Índia nos últimos dois dias, ultrapassando a capital Nova Deli. A causa era a poeira de uma tempestade de areia na Península Arábica, que havia cruzado o Mar da Arábia. Enquanto o AQI (Índice de Qualidade do Ar, na sigla em inglês) de Mumbai fora de 183 no domingo, 6 de abril, o de Deli havia sido de 173. Hoje, segunda-feira, 7 de abril, os índices estariam mais próximos, 201 em Mumbai e 197 em Deli. A matéria terminava, contudo, em tom de “alívio”, dizendo que a partir de terça-feira a poeira seria dispersada e os níveis de poluição voltariam ao “normal”.

Mas o que seriam níveis “normais” de poluição? Desde que aqui cheguei, há 10 dias, não vi o azul do céu. Apesar do tempo estar ensolarado e não haver nenhuma nuvem, a cortina de fumaça e poeira que cobre a cidade é algo assustador. É certo que nesta época do ano, pré-monção, já faz meses que não chove nesta parte da Índia e que após as primeiras tempestades a situação deve melhorar um pouco. Mas basta andar pelas barulhentas ruas da cidade ou subir em algum lugar elevado que a fonte da fumaça é facilmente perceptível: escapamentos, chaminés e fogueiras despejam uma quantidade enorme de partículas no ar, o qual é inalado diariamente por mais de 20 milhões de pessoas.

Lembro-me de ter visto semelhante fenômeno em grandes cidades como Santiago do Chile e São Paulo. Agora, do outro lado do planeta, vejo que é um fenômeno generalizado. Lembro-me de uma vez, ao final de uma consulta, ouvir o médico dizer que vivemos em cidades tão poluídas que se a organização mundial de saúde enfatizasse o nível dos índices de poluição e o mal que fazem a saúde as pessoas entrariam em pânico. Mas afinal, por que, apesar de conhecermos as benesses do ar puro, vivemos sem muito alarde em meio à tanta poluição no ar?

A visão é um sentido predominante e, nesse sentido, não temos como perceber sozinhos certos tipos de poluição do ar. Apenas quando a cortina de fumaça adensa é que “vemos” a poluição. O olfato, ainda que pouco desenvolvido nos humanos, ajuda-nos a perceber a presença de gases, mas apenas em elevada concentração. Mas dois aspectos precisam ser considerados nessa discussão: o primeiro deles é que o ser humano possui um elevado grau de adaptação, que o leva a suportar diversos tipos de problemas, entre eles, adaptar-se a viver na sujeira. O segundo ponto é que a vida prática é muito mais complexa do que este breve artigo consegue alcançar, e não é pelo fato de perceber a poluição que o indivíduo pode isoladamente, juntar suas coisas e mudar-se para outro lugar. A rede de relações que o levam a viver em meio à poluição possui tamanha complexidade que, muitas vezes, só lhe resta aceitar.

Contudo, algumas iniciativas coletivas ou mesmo isoladas podem começar a mudar a situação. A mesma matéria sobre a poluição em Dubai celebrava a entrada da Índia no grupo seleto de países que mensuram a qualidade do ar via IQA. México, China, Estados Unidos e França já utilizam tal índice e emitem alertas para a população sobre os níveis de poluição. Diversos outros lugares do mundo, inclusive muitas cidades brasileiras, também realizam tais medidas.

Mesmo assim pouco alarde tem sido feito e, diferente do déficit hídrico, não tem sido dada, por aqui, muita atenção à poluição do ar. Será que apenas quando começarmos a nos sentirmos sufocados, como no caso da falta d’água, sofrendo coletivamente um estado de dispneia (falta de ar), começaremos a tentar recuperar a qualidade do ar? Como espécies animais que continuamos a ser (para alguns a contragosto), podemos passar dias sem comida, horas sem água, mas nem um minuto se quer sem ar!

Marden Campos é Demógrafo do IBGE. Economista e especialista em Gestão Ambiental, é também professor colaborador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas. (mardencampos@gmail.com)

Publicado no Portal EcoDebate, 13/04/2015


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