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Déficit hídrico e o novo conceito de ‘tempo bom’, artigo de Marden Campos

 

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[EcoDebate] Uma das questões mais intrigantes para pensar ao tratarmos do problema ambiental é a relação que os seres humanos estabeleceram com a água. Ao mesmo tempo em que “sabe” de sua total dependência desse recurso, o homem trata-o como se fosse algo sem valor, lançando nos cursos d’água seus piores tipos de dejetos. O nível de contradição presente nessa relação é algo difícil de compreender. Afinal, como explicar o fato de que, embora a água esteja disponível na natureza em estado ideal para o consumo, fazemos com que ela perca sua potabilidade para, em seguida, submetê-la novamente a um custoso processo de retorno ao estado (quase)original?

Será porque a água, literalmente, cai do céu? Se for, passou da hora de mudar.

A seca que paira sobre o País nos últimos meses, além de demonstrar falhas em nossos sistemas de abastecimento, força-nos a repensar a relação que estabelecemos com esse precioso recurso.
Aprendemos a importância da água na infância, em casa e na escola, mas parece que esquecemos disso ao longo da vida. Nesse ponto, nossa educação mais parece com um manual de instrução de uma caixa de ferramentas, que só é utilizado se formos forçados. Do contrário, permanecerão dentro de uma gaveta, sendo esquecidas a cada dia…

Com o desenvolvimento da cultura e das organizações sociais complexas, os humanos afastaram-se cada vez mais de sua condição natural. E esse afastamento provocou uma alienação e um esquecimento de nossa própria condição de seres biológicos. São poucos aqueles que param pra pensar no que fazemos, no como fazemos e no para quê fazemos, embora quase todos tenhamos condições para realizar tal reflexão. Processos e rotinas são estabelecidos e herdados pelas novas gerações, normalmente sem uma crítica do que foi ensinado.

Uma das pistas de que uma mudança de mentalidade pode estar em curso é a alteração pela qual vem passando o conceito de “tempo bom”. Até meados do ano passado, antes do destaque que os meios de comunicação passaram a dar ao “déficit hídrico”, a chuva tinha como sinônimo a expressão “tempo ruim”, pelo menos para quem não vivia no campo. Por outro lado, a previsão de sol era anunciada, automaticamente, como previsão de “tempo bom”. Contudo, ultimamente, já é possível ouvir habitantes de cidades dizendo “graças a deus que vai chover”! No primeiro dia do desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro, por exemplo, quando a chuva caia torrencialmente sobre os animados passistas, um narrador do desfile dizia que “aquilo” era um bom presságio. Em anos anteriores, era comum ouvir dizer que a chuva havia “castigado” o desfile. Sinal dos tempos…

Precisamos fazer algo mais do que separar nosso lixo, consumir alimentos orgânicos ou fechar nossa torneira. Precisamos pensar seriamente num desenho de sociedade ecologicamente eficiente do começo ao fim. Ou continuaremos nossa fuga da natureza, escondendo-nos da chuva, tendo medo de pisar na terra, cimentando nossos quintais, fechando nossas varandas e dando descarga com água potável?

Marden Campos é demógrafo do IBGE, economista, especialista em Gestão Ambiental e professor colaborador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas

Publicado no Portal EcoDebate, 05/03/2015

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Alexa

One thought on “Déficit hídrico e o novo conceito de ‘tempo bom’, artigo de Marden Campos

  • O artigo chama a nossa atenção para aspectos muito importantes sobre as variadas formas como utilizamos a água, e como a temos considerado de pouca ou nenhuma importância.
    Mas, para quem nasceu e viveu parte da vida no semiárido agreste nordestino, sofrendo fome e sede nas épocas de estiagem, como eu, sempre soube do grande valor das trovoadas e das chuvas, pois o cheiro da terra molhada e as enchentes que desciam o rio Capibaribe, originalmente chamado pelos povos nativos de Capibara-ybe, que significa rio das capivaras, salvava as vidas, humanas e não-humanas, que estavam sendo ultimadas pela seca, sem ter outra opção que não fosse a chegada das águas.
    Depois, rio Capibaribe cheio, barrento, veloz e bufando, colocava sua margem esquerda no terreiro lá de casa, e aquele mundo de sofrimento, tristeza e morte se transformava em alegria e felicidade, e a vida ressurgia com vigor inimaginável, da terra molhada. Os seres humanos sobreviventes, juntavam as poucas energias que ainda tinham, e iam plantar, com a certeza de que, em pouco tempo, teriam o que comer.
    Até parece que estou contando uma estória de ficção. Como seria bom se fosse. Mas não é.
    Meus prezados amigos e amigas, que ledes este comentário, estou mesmo é contando o início da minha existência, já tantas vezes narrada em sessões de psicanálise… mas, deixemos para lá, e votemos ao artigo. Todos os aspectos apresentados pelo autor são importantes, e merecem ser reavaliados, mas será de muito pouca valia se a tudo isto não se juntar o elemento mais significativo: a rápida redução da população humana, através de rígido controle da reprodução dessa espécie especializada em devastar.

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