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Dilma deve aproveitar a transição para promover a retomada do diálogo com as organizações socioambientais

 

Talise Rocha

Claudio Langone, coordenador da Câmara Temática de Meio Ambiente do Ministério do Esporte

O Brasil reelegeu, no dia 26 de outubro, Dilma Rousseff, do PT, para mais quatro anos como presidente do país, em uma disputa acirrada, quandoconseguiu 51% dos votos válidos, contra 48% de Aécio Neves, do PSDB. Meio ambiente, mudanças climáticas ou Amazônia, porém, praticamente não apareceram nos debates das campanhas, centradas em questões econômicas e corrupção. Claudio Langone, coordenador da Câmara Temática de Meio Ambiente do Ministério do Esporte, uma das causas foi a grande polarização da campanha. Para Langoni, que exerceu vários cargos na área ambiental em administrações do PT (secretário de Meio Ambiente de Porto Alegre e do Estado do Rio Grande do Sul, assim como secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente), a presidente deve aproveitar o período de transição para promover a retomada diálogo com as organizações socioambientais e manter o protagonismo brasileiro nas negociações internacionais do clima, reforçando o papel do país como o que mais diminuiu o desmatamento nos últimos 10 anos. Acredita, ainda, que a efetivação do Cadastro Ambiental Rural e a retomada da criação de unidades de conservação são os principais desafios para a Amazônia.

Clima e Floresta – Durante a campanha presidencial, muitas críticas foram feitas sobre a ausência de questões relativas à Amazônia como pauta dos presidenciáveis. Que avaliação você faria sobre o que foi e o que faltou ser dito sobre Amazônia durante as eleições?

Claudio Langone – De fato, o tema de meio ambiente e sustentabilidade teve pequena relevância no debate eleitoral, menor do que em 2010. O mesmo aconteceu com a Amazônia e seu papel num projeto nacional de desenvolvimento, seja pelo lado das emissões, seja pelo combate ao desmatamento, seja pelas obras de infraestrutura. Minha impressão é que, dada a polarização, os candidatos optaram por não abordar o tema, salvo em situações específicas, como no caso da visita de Marina Silva a Manaus, onde ela enfrentou o tema da BR-319, bastante polêmico no contexto local. O momento mais importante em que o tema esteve presente na fala dos candidatos foi no primeiro turno, por um fator externo, que foi a presença da presidente Dilma na Assembleia Geral da ONU e Cúpula do Clima, onde ela teve oportunidade de se referir os avanços do Brasil na redução do desmatamento, seguida pela reação dos demais candidatos, que condenaram a “negativa” do Brasil em assinar a Declaração de Nova York sobre Florestas – acordo proposto por alguns países de desmatamento zero. No segundo turno, o tema não apareceu diretamente nos debates, embora os dois candidatos tenham recebido um consistente documento de uma coalizão de ONGs sobre o futuro da Amazônia (Oportunidades e Desafios para o Desenvolvimento Sustentável) e Marina Silva tenha se referido ao tema no momento em que manifestou apoio a Aécio Neves. Por outro lado, no contexto do segundo turno, em resposta às críticas sobre a paralisia do governo na criação de áreas protegidas na Amazônia, a presidente Dilma criou algumas áreas protegidas, parte delas na região amazônica, que vinham sendo reivindicadas há um bom tempo pelas organizações socioambientais.

Clima e Floresta – Com o fim da campanha, como o novo governo deve se posicionar no cenário futuro? Quais devem ser as prioridades?

Langone – A presidente Dilma deve aproveitar a transição para promover uma retomada do diálogo com as organizações socioambientais da Amazônia, em especial com aquelas que têm um tom mais crítico em relação às políticas do governo para a região. A relação de um conjunto de atores com o governo, que já não vinha bem, se agravou com a polarização eleitoral, inclusive porque parte importante das lideranças da região estiveram com Marina Silva no primeiro turno. Entendo que esse diálogo deve se dar a partir do centro de governo, talvez da própria presidente, envolvendo no Ministério do Meio Ambiente e outras áreas de governo. Um diálogo promovido com esses setores exclusivamente pelo MMA é insuficiente para recompor um canal continuado de diálogo do governo com essas organizações para debater uma agenda para a região amazônica, já que ficaria muito restrito às estratégias de combate ao desmatamento. O governo precisa retomar o diálogo sob a perspectiva do modelo de desenvolvimento para a região, incluindo o aperfeiçoamento das estratégias de combate ao desmatamento (que tem dado sinais de crescimento no último período), a retomada da criação de unidades de conservação e implementação das existentes, e a questão das obras de infraestrutura na região. Para isso, é fundamental que seja um diálogo do governo com a sociedade. E o governo tem que se apresentar mais permeável, com maior disposição de ouvir e absorver contribuições.

Clima e Floresta – Com a aproximação da 20ª Reunião das Partes da Convenção da ONU sobre o Clima (COP-20), em Lima, no Peru, como o Brasil deverá se posicionar?

Langone – A COP do Clima, em Lima, ocorrerá sem quem o governo tenha tempo de amadurecer esse processo de diálogo. No entanto, como o Brasil, mesmo com situações pontuais de oscilação nas taxas de desmatamento, tem sido reconhecido com o país que mais avançou nessa área na última década, creio que não haverá grandes dificuldades de compor uma posição de protagonismo. A questão central nessa COP é criar as condições para o fechamento de um novo Marco Global para o Clima em Paris, no próximo ano. Para isso, após a COP, será fundamental o país consolidar sua estratégia de consolidação do Plano Nacional de Mudança do Clima e dos planos setoriais a ele associados. E construir, até 2015, com o conjunto dos atores sociais, uma posição arrojada que lhe possibilite ser um dos principais atores na garantia desse novo Marco Global.

Clima e Floresta – O fato do Brasil não ter assinado o documento pelo fim do desmatamento até 2020, na conferência da ONU de setembro, pode prejudicar as ações do próximo governo para conter o desmatamento?

Langone – Não creio. Pelo que foi relatado pelo governo brasileiro, o país não havia sido consultado previamente sobre esse acordo, e quando o documento foi apresentado para assinatura, não havia possibilidade de alterar seus termos. Embora o acordo seja positivo, creio que seria temerário o país firmar um documento dessa importância sem possibilidade de incidir no seu conteúdo e sem uma discussão interna que garanta a efetivação de uma estratégia que leve ao desmatamento zero. E entendo que não haveria a menor condição de debater esse assunto no meio de um processo eleitoral polarizado, como o que tivemos em 2014.

Clima e Floresta – Quais são, então, os principais desafios do governo federal em relação à Amazônia para os próximos anos?

Langone – Acho que a conjuntura interna, principalmente o contexto eleitoral, contribui mais para essa questão do que a não assinatura do Acordo. O Brasil tem grandes desafios para o próximo período. Um deles é aprimorar o sistema de detecção, com maior poder de resolução, que em curso, para responder às novas estratégias dos desmatadores. Outro ponto importante é a implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), nos novos marcos do Código Florestal. E a necessidade de um pacto para a retomada do processo de criação de áreas protegidas na região, que sofreu um processo significativo de desaceleração na primeira gestão da presidente Dilma. Trata-se de um processo complexo, que terá de ser negociado com os atores locais, e enfrentará resistências de setores de infraestrutura, de governos locais e de setores econômicos. Mas acredito que é possível pactuar um processo progressivo de retomada da criação de unidades de conservação na região. Ao mesmo tempo, o governo precisa superar os graves problemas de gestão que hoje comprometem o processo de implantação das unidades de conservação já existentes, em especial a dificuldade na aplicação dos significativos recursos hoje alojados no Fundo de Compensação Ambiental.

Entrevista publicada na Clima e Floresta, a newsletter mensal do IPAM – n° 62 e reproduzida pelo Portal EcoDebate, 12/11/2014


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