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Belo Monte: Um Rio de Contradições, artigo de Ursula Vidal

 

opinião

 

[EcoDebate] Deveria ser um retrato do desenvolvimento, do progresso, da melhoria na qualidade de vida de uma população inteira. Mas as imagens que se repetem, a cada esquina, na cidade de Altamira, na região do Xingu, são o desenho inacabado de um modelo de desenvolvimento pouco democrático e indutor de exclusão social.

Altamira é o município paraense mais afetado pelos impactos socioambientais causados pela maior, mais cara e mais polêmica obra em curso hoje no Brasil: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Projeto gigante: quase 30 bilhões de reais.

Só em condicionantes obrigatórias listadas nos processos de licenciamento, o consórcio construtor tem a disposição mais de 3 bilhões de reais. Investimento saído dos cofres do BNDES. Se cumpridas com responsabilidade, alinhadas com o desenho original, dentro do cronograma previsto, as ações de mitigação e compensação dos impactos poderiam gerar um certo avanço na qualidade de alguns serviços públicos prestados aos moradores de Altamira.

Mas vamos ao mundo real, de cores bem menos vibrantes e luminosas do que as mostradas na propaganda oficial.

As condicionantes voltadas a atender às populações indígenas que vivem às margens do Xingu demoraram mais de 2 anos pra sair do papel. Nada de melhoria no atendimento de saúde, de segurança nas fronteiras dos territórios demarcados, nada de consulta às etnias e suas lideranças. Resultado: um aumento de mais de 2000% nos atendimentos de saúde à população indígena em Altamira, depois de iniciada a obra. Nove em cada 10 crianças indígenas já sofreram, mais de uma vez, com diarreia aguda, nesse período.

Pra “tapar o buraco” foi criado um plano emergencial temerário: consistiu no repasse direto de 30 mil reais por mês a cada aldeia impactada. Sem planejamento ou mapeamento do componente cultural, houve casos em que parte desses recursos virou grades de refrigerante.

Os índices de exploração sexual aumentaram mais de 135% na cidade. Nas manhãs de domingo, as esquinas são povoadas por centenas de homens embriagados que estendem o consumo de álcool pelo dia claro.

No capítulo “indenizações”, os acordos vem gerando insatisfação. Quem teve a sorte de negociar o valor de suas casas e terrenos no início da obra conseguiu preço justo. Mais de 5 mil famílias de ribeirinhos e moradores da orla de Altamira, acostumados com a relação diária com o rio, já estão sendo remanejados por conta da criação do reservatório, que vai alagar bairros inteiros da cidade e fazer desaparecer ilhas, corredeiras, formações rochosas e pequenas praias que a natureza levou milhões de anos para desenhar, ao longo de um trecho de mais de 50 quilômetros do rio Xingu.

Mas esse é o custo do desenvolvimento. O problema é que tem gente pagando caro demais. E são famílias que já vivem em condição de risco social. Agora os cálculos das indenizações são impositivos e muitas vezes subestimam o valor real de residências e comércios. Casas populares pré-moldadas de 63 m2 estão sendo construídas para abrigar essas famílias em locais distantes dos serviços de educação e saúde. Em Altamira só existem cerca de 10 ônibus coletivos servindo uma população estimada hoje em 150 mil habitantes. E os serviços de táxi e mototáxi estão hiperinflacionados como, aliás, tudo que se consome na cidade.

Outro problema é a falta constante de energia elétrica, que já motivou protestos dos moradores. O Consórcio construtor da Hidrelétrica fez, sem a autorização do Ibama, uma linha de transmissão ilegal que vai direto para o canteiro de obras. Esse desvio sai da subestação que abastece Altamira, o que levanta a suspeita de sobrecarga.

As acusações de ilegalidade na condução do projeto se acumulam nas mesas do judiciário brasileiro. Já são 23 processos movidos pelo Ministério Público Federal. E o posicionamento das instâncias máximas tem sido o mesmo: lançar mão de um instrumento processual conhecido como Suspensão de Segurança. Não importa a gravidade do desrespeito à lei, falam mais alto a segurança da ordem pública, econômica e o interesse coletivo da nação.

Agora vem o mais grave: o projeto de saneamento e tratamento de esgoto sanitário em Altamira é uma condicionante que deveria ter iniciado antes mesmo de chegar o primeiro trator no canteiro de obras. Ele começou com um atraso de 2 anos. A cidade vive hoje um cenário de guerra civil, com quase todas as ruas interditadas por um exército de operários que parecem obedecer a um planejamento desconexo.

Todo o esgoto de Altamira é despejado no Xingu, que respira graças ao fluxo do rio. Mas esse enorme trecho que vai da barragem, em Belo Monte, até à orla de Altamira terá suas águas represadas. Vai virar um imenso lago.

Se essa obra de saneamento não estiver pronta até a entrada em operação da primeira turbina, prevista para o inicio de 2015, o reservatório pode virar um gigantesco lago podre e poluído, matando para sempre o último sopro de vida desse rio de águas verdes, que viu florescer às suas margens, os povos do Xingu.

Texto de Ursula Vidal – Jornalista – PA
www.ursulavidal.com.br

 

EcoDebate, 08/09/2014


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Alexa

One thought on “Belo Monte: Um Rio de Contradições, artigo de Ursula Vidal

  • O Brasil já é um país dos contrastes, das burlas e enganações e de toda uma dominação política e econômica demasiadamente antiética.
    Sou ambientalista, de longa data e adotei um lema tão necessário a todo brasileiro que ama esse país e se sente impotente diante de tanta “maracutaia”… Sim!
    O lema é “Não me engane que eu não gosto!”.
    Vale para a trama internacional representada pela Usina Belo Monte e seu caríssimo projeto de bilhões e bilhões de reais.
    Para o povo, “uma demanda inexorável” de degradação da natureza para o fim da sequência de atendimento à demanda de energia por via de “represamento de importantes rios e biomas!” Uma falácia prestes a ser levada ao museu das técnicas em breve proscritas pela evolução de alternativas já disponíveis a que os interesses ocultos se opõem.
    Não fiquei surpreso quando se divulgou o conteúdo do “Projeto Belo Sun”, para privilegiar a exploração de alta tonelagem de ouro em certo ponto da localização da Usina Belo Monte e seu imenso “lago artificial”, em benefício da empresa do Canadá.
    Rolou, há tempo, notícia de que os requerentes de direitos de extração ao pedirem autorização e registro da pretendida exploração, indicaram uma potencialidade de extração e resultado bem menor do que a real existência “in loco”.
    Descuidadamente, informaram aos acionistas, por baixo dos panos, que a jazida era bem maior do que a inicialmente apontada às autoridades brasileiras, como que quase “gozando a cara desse enganado povo brasileiro”.
    Chego a pensar e propor: Qual terá sido o primeiro objetivo que mancomunaram? Não terá sido a usina Belo Monte um mero anteparo como pretexto para se invadir a floresta e se chegar à jazida de ouro já localizada, dimensionada e ambicionada?
    A caríssima Usina como escudo, servindo para abrir a fronteira e, depois, se apresentar a surpreendente “oportunidade de ouro” da exploração da enorme jazida do nobre e valioso metal em proveito da “Belo Sun Mining Corporation”, “que pertence ao grupo canadense Forbes & Manhattan Inc., um banco de capital fechado que desenvolve projetos internacionais de mineração.”?
    Se pretendessem exclusivamente a extração do ouro, os ambientalistas do Brasil teriam cedido à pretensão?
    Cartas embaralhadas esconderam um Valete de Ouro! Sim! Acredito nisso. Não no contrário que teria sido o buscar a energia elétrica da USINA BELO MONTE e, por acaso, encontrar o ouro da BELO SUN.
    Observem a homonímia: BELO MONTE X BELO SUN.
    Nem precisa pensar tanto! Não me enganem que eu não gosto!

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