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Artigo

Panorama da compreensão atual do conceito de ecodesign com ênfase na indústria coureiro calçadista, artigo de Roberto Naime

 

artigo

[EcoDebate] Manzini e Vezzoli (2008) utilizam o termo design para a sustentabilidade para caracterizar o encontro entre o design e o tema ambiental. Segundo os autores,

[…] Propor o desenvolvimento do design para a sustentabilidade significa, portanto, promover a capacidade do sistema produtivo responder à procura social de bem-estar utilizando uma quantidade de recursos ambientais drasticamente inferior aos níveis atualmente praticados. Isto requer gerir de maneira coordenada todos os instrumentos de que se possa dispor (produtos, serviços e comunicações) e dar unidade e clareza ás próprias propostas. Em definitivo, o design para a sustentabilidade pode ser reconhecido como uma espécie de design estratégico, ou seja, o projeto de estratégias aplicadas pela empresa que se impuseram seriamente a perspectiva de sustentabilidade ambiental. […] (MANZINI; VEZZOLI, 2008. p.23)

Dessa maneira, o ecodesign pode ser entendido, também como uma importante ferramenta de auxílio na redução dos resíduos sólidos gerados, tanto se for empregado no desenvolvimento do projeto de novos produtos, englobando todas as etapas do processo produtivo até o descarte no fim de vida útil, ou se utilizado como ferramenta alternativa na reutilização e reaplicação de materiais e produtos inservíveis.

De acordo com dados de Gehin, Zwolinski e Brissaud (2008), a adoção de estratégias rentáveis para recuperar ou restaurar o valor agregado de um produto usado, pode ser uma ótima alternativa para se adaptar às regulamentações ambientais, que serão ainda mais rígidas no futuro.

Na área da indústria calçadista, percebe-se uma grande necessidade de aplicação do ecodesign. De acordo com Staikos e Rahimifard (2007), a rápida mudança de mercado e as tendências de moda exigidas pelo consumidor geram um grande fluxo de resíduos descartados no fim de vida útil do produto.

Dessa maneira, as novas legislações ambientais, a demanda de um novo público consumidor consciente e a própria responsabilidade dos fabricantes, desafia a indústria calçadista a solucionar o problema da grande geração de resíduos (STAIKOS; RAHIMIFARD, 2007).

Como um exemplo positivo de reutilização de matéria prima na indústria calçadista, pode-se citar o estudo desenvolvido por Borchardt et al. (2011). Os autores avaliaram a relação existente entre a aplicação do ecodesign no setor calçadista com a redução dos custos e do impacto negativo no meio ambiente. A pesquisa foi baseada na substituição do material utilizado nos contrafortes dos calçados por um polímero termoplástico biodegradável, os resultados obtidos mostraram uma redução de 30% no custo operacional da produção pela redução do tempo para injeção que foi minimizado com a implementação do novo material.

Além do benefício econômico, houve um importante ganho para o meio ambiente, já que além da utilização de um material biodegradável, ocorreu uma redução em 25% da temperatura necessária para as máquinas de injeção, o que representa uma relevante economia de energia (BORCHARDT, et al, 2011).

Além da aplicação do ecodesign através de um novo material, já existem pesquisas desenvolvidas a respeito da reutilização de resíduos sólidos industriais na fabricação de outros produtos, um exemplo disso é o projeto “Ecobum” analisado na pesquisa de Kluge (2009). Criado por volta de 2000, o projeto consistia na fabricação de calçados infantis a partir dos resíduos descartados na UTRESA (União dos Trabalhadores em Resíduos Industriais e Saneamento Ambiental).

Apesar da pesquisa realizada por Kluge (2009) ser um estudo semelhante ao proposto nessa pesquisa, é importante destacar que, no caso do projeto “Ecobum”, foi constatada a possibilidade e necessidade das empresas geradoras estarem envolvidas com o projeto, reduzindo a sua geração de resíduos já que isso significaria uma economia no descarte do resíduo dessas empresas.

O uso preventivo do ecodesign visa reutilizar os materiais numa segunda linha de produção com uma modelagem exclusiva para a reutilização dos resíduos da primeira linha de modelagem, de maneira que a empresa reutilize o resíduo gerado na sua própria produção, antes do descarte do material. Além disso, a presente pesquisa abordará outros aspectos do ecodesign (medidas corretivas e preventivas) que não foram abordadas na pesquisa de Kluge.

De acordo com a pesquisa realizada por Staikos et al. (2006), a respeito de atividades de gerenciamento de resíduos sólidos na indústria calçadista, o gerenciamento de resíduos, assim como a substituição de materiais não biodegradáveis não resolverão, a curto prazo, os problemas relacionados à geração de resíduos no fim de vida útil dos produtos. Dessa maneira, deve-se destacar a importância de direcionar esforços consideráveis no tratamento dos resíduos gerados, especialmente daqueles voltados para a reciclagem, reuso e recuperação de energia dos produtos da indústria calçadista (STAIKOS et al., 2006).

Atualmente, percebe-se uma tendência das indústrias em adotar práticas ecologicamente corretas na fabricação de seus produtos, entretanto, pode-se dizer que essa tendência ainda não é absoluta, de acordo com os resultados da pesquisa realizada por Alves, et al. (2008), a indústria vem entendendo a importância da parceria em projetos que resultem em soluções ecológicas na criação de novos produtos.

Ao desenvolver produtos que reutilizem matéria prima que seria descartada, ela reduz também seu investimento na disposição de resíduos. De acordo com a pesquisa realizada por Naime et al (2011), o consumidor também está cada vez mais consciente com as questões ambientais, o que gera competitividade, tanto por das empresas quanto por parte das marcas que buscam suprir e satisfazer as necessidades dos clientes.

Em contrapartida, outro estudo que analisou as práticas de gestão socioambiental de empresas brasileiras maduras (a maior parte atua no mercado entre 11 e 40 anos), de grande porte com atuação internacional do setor coureiro calçadista, evidenciou que, nas empresas pesquisadas, os investimentos são, de modo geral, de baixa e média intensidade, revelando um nível pouco elevado de comprometimento com a adoção de práticas dessa natureza que acabam concentrando-se prioritariamente em aspectos básicos e regulatórios (SCHERER, F. et al, 2009).

Deve ser minimizado o impacto ambiental causado pela enorme quantidade de resíduos sólidos gerados pela indústria calçadista. Apesar da crescente conscientização por parte da indústria e dos consumidores a respeito das questões ambientais, ainda são poucos os esforços e os resultados no que diz respeito à redução na geração de resíduos sólidos nas indústrias do setor calçadista.

Dessa maneira, todos os estudos na área ambiental que resultem em novas práticas e novas abordagens do gerenciamento de resíduos sólidos das indústrias de calçado, envolvendo outras áreas do conhecimento como o ecodesign, poderão contribuir significativamente com o desenvolvimento de uma nova cadeia produtiva que reaproveite boa parte dos materiais que hoje são resíduos sólidos contribuindo com a qualidade ambiental.

ALVES, C. et al. Ecodesign Aplicado no Reaproveitamento de Materiais e Geração de Renda no Artesanato. Anais do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo, SP. Out. 2008.

BORCHARDT, et al. Redesign of a component based on ecodesign practices: environmental impact and cost reduction achievements. Journal of Cleaner Production. V. 19, nº 1, p.49-57. Jan. 2011.

GEHIN, A. et al. A tool to implement sustainable end-of-life strategies in the product development phase. Journal of Cleaner Production n°16. 2008.

KLUGE, A. Contribuição ao Estudo Aproveitamento de Resíduos de Couro: Uma Abordagem Holística do Ecodesign Focado em Calçados Infantis. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto alegre, 2009

MANZINI, E.; VEZZOLI, C. O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis – Os requisitos ambientais dos produtos ambientais. São Paulo: Ed. USP, 2008.

NAIME, R. et al. Implantação da Gestão Ambiental em Curtumes para a percepção do Mercado Externo. Revista INGEPRO – Inovação, Gestão e Produção, v.03, n°01. Jan. 2011.

SCHERER, F. et al. Práticas de gestão socioambiental adotadas por empresas brasileiras exportadoras de calçados. Future Studies Research Journal, v.1, n°2, pp. 93-114. São Paulo-SP, jul/dez 2009.

STAIKOS, T. et al. End-of-Life Management of Shoes and the Role of Biodegradable Materials. 13th CIRP International Conference on Life Cycle Engineering, 2006.

STAIKOS, T.; RAHIMIFARD, S. Post-consummer waste management issues in the footwear industry. Engineering Manufacture, v. 221, nº 2, 2007.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

EcoDebate, 24/04/2014


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