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Tepco, operadora da usina nuclear de Fukushima, tem longo histórico de acidentes

Há anos que a Tepco, operadora da usina nuclear de Fukushima, é criticada por acidentes mortais e inspeções inadequadas. O desastre de Fukushima é o trágico ápice de uma história de má administração das instalações nucleares da empresa.

Deve ter sido um dia difícil para Tsunehisa Katsumata. Em 2003, o então presidente da Tokyo Electric Power Company, ou Tepco, fez um discurso para abordar o que, até então, tinha sido o pior escândalo da história da maior empresa de energia elétrica do Japão. Em 29 incidentes no ano anterior, os documentos de manutenção da usina de energia nuclear tinham sido falsificados e, como resultado, a Tepco foi forçada a tirar 17 reatores nucleares de operação. O diretor executivo da empresa, Hiroshi Araki, e quatro outros altos executivos renunciaram. Reportagem de Markus Becker, Der Spiegel.

Com palavras inflexíveis, Katsumata responsabilizou sua empresa pelas falhas e anunciou nada menos do que uma nova cultura corporativa, com um código de ética rígido e uma política de comunicação aberta e honesta com o público. Hoje, porém, essas palavras devem soar vazias para o povo que recebeu altos níveis de radiação após o acidente com a usina nuclear de Fukushima e aos que foram evacuados e talvez nunca possam retornar às suas casas localizadas próximas à planta.

O tom do discurso de Katsumata foi claro: os inúmeros incidentes não foram, de forma alguma, erros isolados feitos por empregados individuais. Em vez disso, eram resultado de uma cultura corporativa da Tepco que tinha permitido a ocorrência de falhas de eriçar os cabelos na segurança.
Departamento nuclear foge do controle

“Primeiro, precisamos admitir que não tínhamos regras claras para julgar se o equipamento estava adequado para o serviço”, afirmou Katsumata em seu discurso, que está disponível no site da Tepco até hoje. Ele disse que não havia regras para lidar com o desgaste das máquinas e equipamentos, que racham com o tempo. Com isso, o equipamento era usado enquanto essas falhas não impusessem “riscos de segurança”.

E aí está o problema: quando algo não estava claro, os engenheiros da Tepco aparentemente faziam decisões arbitrárias. “Repetidamente, eles tomaram decisões pessoais baseadas em suas ideias de segurança”, disse Katsumata. Mas está claro que essas ideias de segurança não eram rigorosas o suficiente. “Os membros do departamento nuclear viam a oferta estável de eletricidade como o maior objetivo”, disse ele.

Com o tempo, o departamento nuclear pareceu fugir ao controle, de acordo com a avaliação de Katsumata. “Os engenheiros estavam tão confiantes em seu conhecimento da energia nuclear que acreditavam não precisar informar problemas para o governo, desde que a segurança fosse mantida”, disse ele. No final, “eles chegaram ao ponto de apagar dados e falsificar registros de inspeções e reparos”.

Katsumata atribuiu outro traço perigoso aos engenheiros. O alto grau de especialização técnica exigido em geração de energia nuclear tinha “reduzido a possibilidade de mudanças flexíveis de pessoal no departamento de energia nuclear e, como resultado, esse departamento se tornou um círculo homogêneo e exclusivo de engenheiros que desafiavam a fiscalização por outros departamentos, inclusive pela administração da empresa”.

O manuscrito de 2004 é apenas um testamento dos problemas da abordagem da gigante da energia nuclear na administração de crises. Tanto antes quanto depois do discurso, uma impressionante lista de incidentes continuou a crescer, inclusive com acidentes fatais. A lista abaixo mostra alguns desses problemas:

* Durante os anos 80 e 90, em vários momentos a Tepco falsificou dados em inspeções voluntárias, inclusive o número de fendas nos tanques de pressão do reator.

* Em 1991 e 1992, foi feito um teste no tanque de segurança do Reator 1 da usina de Fukushima, que tinha entrado em operação em 1971, para detectar a presença de vazamentos. De acordo com a Tepco, os funcionários bombearam ar para dentro do tanque de segurança para reduzir os vazamentos.

* Em 2000, foram descobertas rachaduras nos canos de água na usina nuclear.

* Em 2002, um engenheiro da firma norte-americana General Electric, que fabricou três dos seis reatores da usina de Fukushima Daiichi, também soou o alarme. Não haviam sido feitas inspeções em um total de 13 reatores nas usinas da Tepco. Ele mostrou à autoridade regulatória japonesa 29 episódios de dados falsificados, um evento que levou à renúncia de altos executivos da Tepco em 2002.

* Em 2006, vapor radioativo vazou de um cano da usina de Fukushima.

* A empresa também foi acusada no mesmo ano de falsificar dados sobre a temperatura da água de resfriamento em 1985 e 1988. Os dados tinham sido usados em inspeções obrigatórias da usina em 2005. Em 2007, surgiram outros dados falsificados de um reator da Tepco.

* Em 2007, ao menos oito pessoas morreram quando a usina nuclear de Kashiwazaki-Kariwa foi fortemente danificada por um terremoto. Canos estouraram, houve incêndios e água radioativa vazou de uma piscina de armazenagem de varetas de combustível usadas. A Tepco teve que descontaminar o prédio afetado. A usina continuou fechada por um ano para que a segurança em caso de terremoto –que já era considerada suficiente pela empresa- fosse melhorada. Mais tarde, foi determinado que a Tepco tinha pulado 117 inspeções no local.

* Em março de 2009, outro incêndio ocorreu na planta de Kashiwazaki-Kariwa, ferindo um funcionário.

* No dia 2 de março de 2011, dias antes do começo da atual catástrofe de terremoto, a agência reguladora de energia nuclear do Japão levantou acusações de negligência ampla contra a Tepco. Ela alegava que a empresa tinha deixado de inspecionar 33 equipamentos na planta de Fukishima Daiichi, um dos locais da atual catástrofe, inclusive os elementos no sistema de resfriamento central nos seis reatores e as piscinas de varetas usadas. A empresa desde então admitiu ter cometido erros.

* Ao mesmo tempo, a Tepco informou à autoridade regulatória nuclear que não apenas tinha deixado de fazer as 33 inspeções na usina de Fukushima-Daiichi, mas também 19 inspeções na planta de Fukushima-Daini.

* Alguns especialistas já vinham advertindo desde os anos 70 que o reator do tipo Mark1, produzido pela General Electric e também chamado de “desenho de Fukushima”, não foi construído para sobreviver a uma combinação de terremoto e tsunami. Dias após o terremoto, dois engenheiros que ajudaram a construir a usina confirmaram, em uma conferência com a imprensa, que tinham sido cometidos sérios erros de construção. Muitos sistemas de backup para emergências não tinham sido construídos na usina.

“O que está acontecendo aqui?

Diante da atual situação, as declarações feitas pelo porta-voz da Tepco, Hiroyuki Kuroda, em março de 2004 parecem tristemente irônicas. Ele prometeu que a Tepco tinha “aprendido inúmeras lições valiosas” com o escândalo de 2002. “Uma das mais importantes era que a informação deve ser sempre compartilhada”, disse.

Mas a abordagem da empresa à informação pública parece ter sido precisamente a oposta nos últimos dois anos. Assim como nos anos anteriores, a Tepco parece ter informado ao governo japonês somente as coisas que não conseguia mais manter segredo. O mundo só tomou consciência da verdadeira extensão do acidente depois dos prédios dos reatores explodirem ao vivo na televisão no dia 12 de março.

Como resultado, cinco dias após o tsunami, o próprio primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, visitou os executivos da empresa na sede da Tepco e bradou aos engenheiros pasmos: “O que está acontecendo aqui?” Ele teria acusado os funcionários da Tepco de colocarem o bem estar da empresa acima do povo japonês.
“Não é uma questão de se a Tepco vai cair, é uma questão de se o Japão vai errar”, teria dito. Depois, Kan assumiu a direção da equipe de crise composta de membros do governo e da Tepco.

Críticos alegam que a Tepco fez mais para salvar a usina do que para garantir a segurança.

Ao fazê-lo, ele pode ter ajudado e impedir que coisas ainda piores acontecessem, porque a atitude que parece ter permeado a Tepco –ou seja, que a empresa e sua propriedade devem ter a mais alta prioridade- parece continuar operante, mesmo diante de uma catástrofe nuclear. Aparentemente, os engenheiros consideraram bombear água do oceano misturada com acido bórico para o reator 1 já na manhã do dia 12 de março, para impedir a total fusão do núcleo.

O problema foi que a ação seria equivalente a abandonar o reator para sempre, porque a água salgada causaria danos que poderiam destruir permanentemente a usina. Os engenheiros esperaram horas antes de finalmente começarem a bombear a água do mar, às 20h20 na hora local para o reator. O porta-voz da Tepco disse que a empresa tinha esperado até a hora certa, levando em conta a segurança de todas as instalações.

Críticos, contudo, têm outra opinião. A Tepco “hesitou porque tentou proteger seus bens”, disse ao “Wall Street Journal” Akira Omoto, ex-executivo da empresa e membro da Comissão de Energia Atômica do Japão. Outra autoridade, falando em condição de anonimato, disse ao jornal: “Esse desastre é 60% provocado pelo homem. Eles fracassaram em sua resposta inicial. É como se a Tepco tivesse perdido uma moeda de 100 ienes ao tentar recuperar uma de 10.”

Tradução: Deborah Weinberg

Reportagem do Der Spiegel, no UOL Notícias.

EcoDebate, 25/03/2011

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