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Artigo

Haiti: por uma mobilização da comunidade científica internacional, artigo de Justine Martin


Foto de AP/Gerald Herbert

[Le Monde] As pessoas gritavam: “O poeta está vivo!” É essa a imagem que Dany Laferrière guardou do terrível terremoto que viveu no Haiti.

Em meio ao barulho, a imprensa só fala do número de mortos, do “fedor” dos corpos gangrenados, dos saqueadores, da insegurança que reina no país onde a distribuição de alimentos e medicamentos aos feridos é retardada por essa situação cataclísmica.

Os franceses certamente só tinham uma ideia bem vaga do Haiti, antes da catástrofe. Um país onde os ocidentais corriam o risco de serem raptados a cada instante, onde a população vivia com menos de US$ 2 por dia, um país assim mesmo generoso, alimentando os desejos de ter filhos de nossos compatriotas que buscam constituir família.

Entretanto, esse olhar miserabilista sobre o Haiti esconde uma outra realidade: a incrível produtividade cultural dos haitianos que, em 2009, receberam diversos prêmios internacionais.

Pouco conhecidas na França metropolitana, as obras dos poetas, romancistas e pintores haitianos são testemunhas da alma de um povo para o qual nada é mais importante -inclusive o desastre pelo qual passa hoje– do que a cultura e a educação.

Aqueles que, por uma razão ou outra, passaram pelo Haiti, têm na memória a imagem de criancinhas desviando de lixo para chegar à escola, com suas meias imaculadas, saias plissadas e camisas impecavelmente passadas.

No Haiti, a educação sempre foi o único meio para os mais pobres de “escaparem”, com a esperança de em seguida poderem realizar um ciclo de estudos no exterior (no Canadá, nos EUA, mas também na França). “Sem educação, não temos nada”, explica Michel Renau, diretor dos exames nacionais, no ministério da Educação Nacional, da Juventude e dos Esportes.

Antes do terremoto, fervilhavam escolas em cada bairro, recebendo mais de mil alunos, como no caso do campus de Malraux. Como o Estado há muito tempo não tinha mais os meios de subsidiar as necessidades educacionais de seus futuros cidadãos, foi o ensino privado, muitas vezes religioso, que preencheu a lacuna. Ora, o sistema educacional haitiano (calcado sobre o modelo francês) pagou um preço alto. Na França mal mencionaram os milhares de estudantes soterrados sob os escombros das universidades de Porto Príncipe, ficaram no máximo tristes com a morte dos alunos de tal ou tal escola, cujas imagens nos eram trazidas pela imprensa necrófaga à medida que contava os mortos. Atualmente ninguém sabe quantos professores morreram na catástrofe, mas já se pergunta o que será dos estudantes e alunos sem instituição de vínculo. O saldo foi realmente pesado no Haiti: 75% das escolas teriam sido destruídas. A Escola Normal Superior que formava os mestres agora não passa de uma pilha de escombros, assim como a universidade do Estado e várias outras instituições de ensino superior.

No momento em que o auxílio internacional aflui, também é importante daqui para a frente pensar a reconstrução a longo prazo. Seria indecente negar a necessidade de atenuar a emergência, responder à fome e à sede, de enterrar os mortos, cuidar dos feridos, mas também se deverá permitir ao povo haitiano, nos próximos meses e anos, que ele se torne dono de seu próprio desenvolvimento.

Todos sabem o quanto a educação primária é importante para que a transição democrática operada há alguns anos no Haiti não receba um golpe devido à tragédia. Mas será preciso bem mais. O auxílio para o desenvolvimento por muito tempo ignorou o ensino superior, considerado sem grande influência sobre a melhora do PIB per capita. Essa concepção economicista das coisas esquece que, sem um ensino superior de qualidade, também não há formação de mestres de qualidade. A comunidade científica hoje começa a acordar, e a manifestar seu apoio ao povo haitiano.

Em outras partes do mundo, em especial no Canadá, foram estabelecidas medidas de auxílio de emergência aos estudantes, logo na sequência do terremoto. Na França, foi lançada uma petição que solicita ao governo um “financiamento de ‘cadeiras Haiti’ que permitiriam receber pesquisadores e professores, a criação de bolsas destinadas aos estudantes haitianos, o estabelecimento de missões de ensino e de formação no Haiti” e a conceder, “de forma mais flexível”, “vistos para os estudantes que queiram vir estudar na França”.

Tal política de cooperação acadêmica, se conseguir se concretizar de forma internacional, poderá anunciar a implementação de uma verdadeira comunidade global universitária, desta vez não mais baseada na competição em um mercado do conhecimento globalizado, mas sim sobre uma concepção humanista daquilo que faz as universidades pertencerem a uma mesma comunidade do saber.

*Justine Martin é docente da Universidade Paris-Sorbonne.

Tradução: Lana Lim

Artigo [Haiti : pour une mobilisation de la communauté scientifique internationale, par Justine Martin] do Le Monde, no UOL Notícias.

EcoDebate, 01/02/2010

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