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Fim do diploma de jornalista: retrocesso profissional e político, artigo de Luiz Gonzaga Motta

O Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira, 17 de junho, pela não obrigatoriedade do diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista. Assim, qualquer pessoa, independente de sua formação, poderá exercer o Jornalismo, mesmo que tenha apenas curso primário. Pior ainda, as empresas jornalísticas poderão contratar e colocar nos cargos de repórter ou editor os seus afilhados pessoais, compadres e apadrinhados políticos, independente do preparo da pessoa para a responsabilidade destas funções.

A quem interessa o fim da exigência do diploma de jornalista? Os méritos do diploma para a profissão do Jornalismo e para a sociedade são tantos, e tão óbvios, que é difícil imaginar razões coerentes para acabar com ele.

O argumento contra a reserva de mercado não cabe. A legislação em vigor não é exclusiva. Quem não é formado em Jornalismo, como médicos, engenheiros, advogados e outros profissionais, pode escrever regularmente artigos sem nenhuma restrição. Pode manter colunas, apresentar um programa de TV, debater neste programa, criar blogs etc. A legislação não é restritiva. É só conferir a diversidade de conteúdos que existe hoje na mídia brasileira. Todas as outras profissões liberais exigem formação específica. Por que o Jornalismo seria exceção?

A liberdade de expressão também não é argumento contra o diploma. Basta abrir qualquer jornal ou revista, ligar a TV em um canal qualquer ou acessar os portais da internet para ler ou assistir a livre expressão de ambientalistas, ruralistas, religiosos, agnósticos, militantes radicais ou conservadores. Tem de tudo. Por conta da legislação atual, ninguém deixa de se expressar livremente. O mercado de idéias nunca foi tão livre, fértil e plural neste país. A exigência do diploma nada tem a ver com restrição à liberdade de expressão, portanto.

Se as escolas proliferaram e algumas delas têm qualidade suspeita para formar bons jornalistas, colocando no mercado profissionais desqualificados, o remédio não é acabar com o diploma. É preciso monitorar os cursos, aprimorá-los, avaliá-los periodicamente e fechá-los em caso de reincidência. Mas, a exigência do diploma nada tem a ver com a má qualidade de muitos jornalistas. Cursos de Direito foram recentemente mal avaliados, mas ninguém sugeriu acabar com exigência do diploma de advogado por causa disso. A má qualidade não decorre da exigência do diploma. Não vale enfiar a cabeça no buraco, como um avestruz.

Aparentemente, só empresas provincianas, familiares ou pouco profissionais têm interesse no fim do diploma. Isso daria a elas liberdade para empregar parentes, afilhados e compadres, sem formação. Talvez o fim do diploma possa ser também útil a algumas empresas de fachada moderna, mas interessadas no enfraquecimento da profissão para reduzir salários e manipular as relações empregatícias. Argumento mesquinho e arcaico. Como se fosse justificável hospitais e clínicas contratarem práticos da saúde no lugar dos médicos e dentistas formados para pagar a eles salários menores. Ou, se pudéssemos voltar ao tempo dos rábulas, para substituir os advogados formados.

A profissão de jornalista foi abastecida nos últimos 40 anos pelos cursos universitários, uma conquista da categoria e da sociedade. Nas últimas décadas, o Jornalismo brasileiro ganhou qualidade com a existência das escolas e a exigência do diploma. A maioria dos grandes nomes do Jornalismo brasileiro, hoje, é formada em faculdade. Não é preciso enumerá-los.

O Jornalismo passa hoje por uma mudança radical. O jornalista é cada vez menos um técnico e cada vez mais um analista político e social. Com desenvolvimento da tecnologia multimídia e o avanço da democracia no país, o Jornalismo tornou-se o espaço público por excelência. O espaço de mediação democrática dos conflitos. As fontes tornaram-se atores políticos e sociais ativos. Profissionais capazes de interpretar os conflitos e lidar com a multiplicidade de fontes são formados pelas universidades, não pelas relações clientelistas.

Luiz Gonzaga Motta é jornalista, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, responsável pela Secretaria de Comunicação da instituição e editor da revista de divulgação científica Darcy.

[EcoDebate, 19/06/2009]

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3 thoughts on “Fim do diploma de jornalista: retrocesso profissional e político, artigo de Luiz Gonzaga Motta

  • Fiquei decepcionado com a profunda ignorância do Supremo Tribunal sobre o que é o campo jornalístico. O Jornalismo é bem mais que domínio da língua e o relato dos fatos. Nesta decisão, eles ignoraram que na academia estudamos as teorias da comunicação, a ética jornalística, problematizamos e discutimos a relação da imprensa com a sociedade, a responsabilidade jornalística, a sociologia, filosofia da comunicação etc. como formas de refletir sobre a profissão e não apenas utilizar técnicas narrativas. Todos esses conhecimentos são indipensáveis para a formação de um profissional com ampla visão de mundo e formação cultural. Não se pode resumir a atividade apenas como se fossemos “contadores de histórias”. É bem verdade que, no dia-a dia das redações alguns jornalistas parecem esquecer o que estudaram na academia. Mas imagina só, se com a exigência do diploma, a sociedade já se depara com um jornalismo sensacionalista, vendido, medíocre e desinformante, como será agora, que qualquer pessoa, sem aqueles conhecimentos que citei, sem uma reflexão sistemática, poderá se dizer jornalista? Como esperar que o jornalismo evolua e tenha mais qualidade? E como um dia ser professor de uma área em que poderá nem haver mais interesse dos alunos em prestar vestibular para ela? O Supremo tratou a questão apenas como trabalhista e deixou de lado a complexidade da profissão e suas implicações sociais. E o jornalismo não é só uma questão de interesse das empresas que decidem ou não quem contratar. O jornalismo é acima de tudo uma profissão de interesse de toda a sociedade que tem o direito à informação verdadeira, ética e de qualidade, pré-requisitos que só a prática não garante. A decisão do STF significa um retrocesso e uma desvalorização não não só pela classe como também pela universidade, que apesar das dificuldades, ainda é o melhor lugar para se adquirir conhecimentos e cidadania. Sei que muitos defendem que diploma não garante ética e nem qualidade. E a falta dele, garante??É o mesmo que dizer estudem se quiser, pois dá no mesmo!!

  • Missao Tanizaki

    ´A Sociedade Brasileira deve concordar que Jornalismo sem Diploma dá margens para questões Não-ETICAS, mas também devem concordar que o Jornalismo sem Diploma abre espaço para qualquer Cidadão Brasileiro poderá expor suas idéias que poderão ser extremamentes importantes para promover, de FATO, o Desenvolvimento SOCIAL e Econômico do Brasil, de FATO, SUSTENTÁVEL.

    O Jornalismo sem Diploma poderá fazer com que as IDÉIAS REVOLUCIONÁRIAS sejam colocadas a disposição da Sociedade Brasileira, sem CUSTOS EXTRAS que é o inverso do que vem ocorrendo a mais de 4 a 6 décadas, onde em tudo só se “AVANÇA”, através de Novos Impostos ou algo similar, onde se aplicam / utilizam o ARTIFÍCIO das “Mentiras” que se transformam em “VERDADES”.

    MISSAO TANIZAKI
    Fiscal Federal Agropecuário
    Bacharel em Química
    missao.tanizaki@agricultura.gov.br (com problemas, pretendo Excluí-lo)
    missao.tanizaki@ada.com.br (NOVO)
    missaotanizaki@yahoo.com.br (NOVO)

    TUDO POR UM BRASIL / MUNDO MELHOR

  • O diploma pode ser um instrumento importante mas por si só não garante um jornalismo de qualidade. Quem crê nesta importância que busque o seu e vá para o mercado. Tentar eliminar concorrência com leis e canudos, é demonstração de falta de confiança na propria capacidade e …no canudo.
    Olha esta citação (não é minha)


    A excepcionalidade de que goza o jornalismo, dentre as instituições
    democráticas, consiste em que seu poder não repousa num contrato social, numa delegação do povo por eleição ou por nomeação com diploma ou por voto de uma lei impondo normas. Para manter seu prestígio, e sua independência, a mídia precisa compenetrar-se de sua responsabilidade primordial: servir bem à população.

    CLAUDE-JEAN BERTRAND, A Deontologia das Mídias. Tradução de
    Leonor Loureiro. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 1999, págs.
    22-23.”

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