EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Governo Lula. Um governo anti-ambiental

  • MP da grilagem tem apoio do governo
  • Desmonte ambiental
  • Uma guerreira ferida
  • Minc. Contraditório para os ambientalistas, conveniente para o governo
  • A questão ambiental não é estratégica no governo Lula
  • Direita e esquerda. A mesma concepção
  • Esquerda permanece presa à sociedade industrial
  • Esgotamento de um modelo

* MP da grilagem tem apoio do governo

Na semana dedicada ao meio ambiente, ironicamente, o país assistiu a retrocessos gigantescos na área ambiental. A aprovação da Medida Provisória 458 pelo Senado, com o consentimento do governo, foi o coroamento do que as organizações ambientalistas classificaram como “desmonte ambiental”.

A aprovação da MP 458, conhecida como MP da grilagem, revela que o Brasil está perdendo o bonde da história e não percebe, ou não quer perceber, que é um dos poucos países que poderia oferecer uma alternativa à crise ecológica. A medida estabelece a doação de terras até 100 hectares, uma cobrança simbólica para as propriedades até 400 hectares e a venda das que têm até 1.500 hectares para os proprietários que já estavam lá até 2004. O objetivo é regularizar 67,4 milhões de hectares de terras públicas ocupadas ilegalmente na Amazônia, área equivalente à Alemanha e à Itália, juntas.

Segundo a senadora Marina Silva, considerando-se apenas o valor da terra nua, os 67 milhões de hectares que serão privatizados equivalem a R$ 70 bilhões. Em sua opinião, trata-se de uma “privatização de 67 milhões de hectares da Amazônia, o que equivale ao patrimônio de quase quatro Bancos do Brasil”.

* Desmonte ambiental

Embora a questão ecológica venha se impondo nas últimas décadas e se transformando em uma questão central, paradoxalmente nunca tantos projetos que agridem o meio ambiente estiveram em curso na sociedade brasileira. Destacávamos na análise da semana passada que vários projetos que afetam o ambiente tramitaram ou tramitam no Congresso brasileiro. No pacotão anti-ambiental, além da aprovação da MP 458, tem-se a MP 452 (provisoriamente arquivada) e articulações para a alteração do Código Florestal.

Com a possível reforma ou alteração do Código Florestal brasileiro, os ruralistas querem ampliar para todo o pais o que foi feito em Santa Catarina – a transferência para os estados a competência de criar suas próprias regras sobre quanto deve ser preservado em cada propriedade. A nova lei de Santa Catarina prevê a redução da faixa de preservação ao longo de rios de 30 m – como determina lei federal – para 5 m. Os ruralistas empolgados com a permissiva legislação ambiental lançada em Santa Catarina querem destroçar o federalismo ambiental.

Além do ataque à legislação ambiental, foi aprovada recentemente a licença para a construção da usina hidrelétrica de Jirau no rio Madeira; a autorização para construção de Angra 3; e em breve deverá ser autorizada as obras da BR 319.

Na analise de Maurício Thuswohl os ruralistas iniciaram a maior ofensiva contra leis ambientais jamais vista na história brasileira. “Ao que tudo indica, diz ele, os últimos 18 meses do governo Lula serão marcados por uma forte ofensiva ruralista contra os avanços conquistados pelo Brasil em sua política ambiental”.

A senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva afirma que se trata de uma ofensiva articulada para desmontar a legislação ambiental. Segundo ela, o principal objetivo dos ruralistas e do agronegócio “é aprovar o novo Código Ambiental, revogar a lei 6938 – que criou a Política Nacional do Meio Ambiente –, parte da Lei de Crimes Ambientais e da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, entre outros dispositivos legais. Ou seja, trata-se de quebrar a espinha dorsal da proteção ambiental no Brasil. Só não se fala em revogar o capítulo do Meio Ambiente, que está no artigo 225 da Constituição. Ainda”, conclui ela. A senadora destaca que essa ofensiva dos setores ruralistas “nos leva de volta ao Brasil das capitanias hereditárias”. “O retrocesso não é só com a Amazônia, é geral”, afirma a senadora em outra entrevista.

A ofensiva dos setores conservadores sobre a agenda ambiental é caracterizada como “sobre-representação” pelo sociólogo Bruno Lima Rocha. Segundo ele, “três bancadas exercem a sobre-representação na defesa de seus interesses diretos. São elas, a da bola (com a cartolagem à frente), a dos concessionários de radiodifusão (sendo que um em cada três congressistas são donos ou sócios de rádio e/ou TV) e a ruralista”.

O sociólogo comenta que a noite de quarta-feira, dia 3 de junho, em que foi aprovada a MP 458, “o Senado da república deu uma aula de análise política. Não foi uma lição de atitude republicana, tampouco defesa da cidadania e nem do interesse nacional. O que se viu foi a materialização de dois conceitos: o de sobre-representação e o do eufemismo como arma do discurso”.

Continua ele, “o primeiro conceito se encontra na ‘sinceridade’ da senadora Kátia Abreu (DEM-TO) que acumula o mandato pelo novo estado e também é presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). O segundo, o eufemismo, se encontra nas palavras da nobre e ilibada senadora, ao afirmar que uma Medida Provisória de sua autoria, a MP 458, vai ‘dar segurança jurídica’ para a Amazônia Legal”. Para Bruno Lima Rocha, “com a MP 458 os senadores forçam o país a caminhar através da mesma trilha que levou a aprovação das sementes transgênicas através do fato consumado. Oficializando a grilagem e permitindo o desmatamento, ficamos a mercê da insanidade do agente econômico devastador e inescrupuloso”.

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), novo expoente do agronegócio no Congresso reagiu: “Não estou defendendo grilagem”. Líder da bancada ruralista no Senado, ela foi apontada pelos adversários como “raposa tomando conta do galinheiro”, ao ser indicada relatora do assunto. “Então, tomei conta do galinheiro do Lula, porque a matéria é dele”, disse a senadora em ascensão na política nacional.

Kátia Abreu é a versão moderna de Ronaldo Caiado (DEM-GO). Nos anos 80, Caiado foi identificado com a defesa das velhas oligarquias ao criar a União Democrática Ruralista (UDR) para defender os latifundiários. Agora, Kátia Abreu, representa as mesmas oligarquias, porém como uma diferença substancial, trata-se de oligarquias associadas ao capital transnacional, ao agronegócio.

* Uma guerreira ferida

A imagem da senadora Kátia Abreu, vitoriosa no embate da MP 458, contrasta com imagem da senadora Marina Silva, outrora considerada a grande novidade no governo Lula, exatamente porque levou para o poder a defesa do conceito de transversalidade.

Hoje, Marina encontra-se isolada. No debate da MP 458, a senadora do Acre, ressurgiu em seu melhor momento ao afirmar na tribuna: “Eu sei que o amigo e companheiro Presidente Lula tem muitos neocompanheiros, mas aqui vai o pedido de uma velha companheira, de 30 anos de luta. Não estou falando isso para tocar emocionalmente ninguém. Eu só peço a compreensão para algo que, para mim, é visceral. É algo muito significativo! Em memória do Wilson Pinheiro, por quem foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional; em memória de Chico Mendes, por quem chorou embaixo de uma chuva forte na Amazônia, quando ele foi assassinado por combater a grilagem, por combater o uso e o esbulho das terras da Amazônia, nós vamos pedir para que ele vete. Eu farei uma carta pública, se nós não repararmos aqui, para que ele [Lula] vete [a MP 458].

A senadora Marina Silva viveu na semana passada um dos momentos mais tristes da vida dela, quando o plenário do Senado aprovou a Medida Provisória 458. Ferida, a ex-ministra do Meio Ambiente se entocou no Acre, conforme afirmou, para lamber as feridas e reforçar uma campanha para que o presidente Lula vete artigos da MP que permitem a utilização indevida de terras públicas. “Quando se fere uma jaguatirica, ela entra na sua toca para lamber as feridas. É o que fiz vindo para o Acre no Dia Internacional do Meio Ambiente”, afirmou a senadora.

O presidente Lula, entretanto, tende a ignorar os apelos para vetar artigos tidos como nocivos ao meio ambiente da MP 458 e a maior probabilidade é de veto apenas ao artigo que permite a regularização das terras ocupadas por empresas.

Marina chorou no plenário, demonstrou-se uma guerreira, mas perdeu. A sua demissão do ministério do Meio Ambiente já havia sido um claro e inequívoco sinal de que a questão ambiental não é estratégica no governo Lula. Reiteradas vezes destacamos aqui de que a ex-ministra foi derrotada em todas as batalhas que travou enquanto esteve no governo. Não restou alternativa a não ser a sua saída e transformar a tribuna do senado em sua trincheira.

* Minc. Contraditório para os ambientalistas, conveniente para o governo

No lugar de Marina Silva, Lula nomeou Carlos Minc que assumiu o Ministério do Meio Ambiente prometendo uma gestão em ritmo de bolero, “dois pra lá, dois prá cá”, por meio do qual liberaria mais rapidamente licenças ambientais e empreendimentos como rodovias e hidrelétricas e, em compensação, avançaria na proteção ao ambiente, com a criação de novas unidades de conservação. Diante da ofensiva ruralista nas últimas semanas, Minc saiu atirando em seus colegas ministros, nos ruralistas que chegou a chamar de vigaristas, e desabafou com Lula: “É só pancada”.

Em que pese a retórica de Minc contra o agronegócio – gosta de utilizar frases de efeito como “‘estão pedindo meu pobre pescocinho” ou “estou firmíssimo, tremei poluidores” – o ministro é tolerado pelas organizações ambientalistas que o veem no mínimo como contraditório.

O ministério de Minc acaba de liberar o licenciamento da polêmica hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Ao mesmo tempo, sinalizou que cederá no licenciamento do asfaltamento da rodovia B 319, que liga Manaus a Porto Velho. A BR-319 foi aberta durante o governo militar e os ambientalistas dizem que a obra vai aumentar o desmatamento na Amazônia. Minc disse que é contra a rodovia, como era contra a usina de Angra 3, mas se dispôs a conceder a licença após o cumprimento de exigências ambientais. A liberação do asfaltamento é uma demanda do ministro Alfredo Nascimento, dos Transportes, que tem pretensões políticas na Amazônia.

Aliás, no caso do licenciamento de Angra 3, Minc, manifestou toda a sua contradição: “Licenciei Angra 3 sem concordar”, disse ele. A respeito dessa contradição de Minc, afirma Washington Novaes: “A afirmação autorizaria o leitor a perguntar a ele, que durante toda a carreira política se bateu contra a usina: e por que aceitou, abandonando a coerência, se não concordava com o licenciamento? Em troca do cargo?” Novaes destaca que ficou ainda mais difícil de explicar a liberação de Angra 3, “porque dois dias antes dessa declaração se anunciara um vazamento radiativo em Angra 2, atribuído a um funcionário da limpeza de equipamentos na sala de descontaminação, que esqueceu a porta aberta e houve circulação de material radiativo, com a contaminação de quatro pessoas”.

Por outro lado, Minc é conveniente para o governo. O governo sabe que a demissão de Minc seria mais prejudicial do que benéfica. Recentemente os atores Christiane Torloni e Victor Fasano entregaram a Lula um manifesto que teria 1 milhão de assinaturas contra a destruição da Amazônia. Após a audiência com o presidente, os atores deram uma longa entrevista para defender a permanência do ministro. “A democracia não vai aguentar mais um golpe”, afirmou Christiane. “Não vai ser bom para o Brasil perder um segundo ministro do Meio Ambiente”, disse, referindo-se à demissão de Marina Silva, no ano passado.

Uma substituição de Minc a cinco meses da Conferência de Copenhague – marcada 7 a 18 de dezembro, na capital da Dinamarca – seria um desastre. Não só porque mostraria instabilidade na área ambiental do país que tem a maior floresta equatorial do planeta, mas porque o ministro é ligado aos ambientalistas de países escandinavos e da Alemanha, todos potenciais aliados da preservação da Amazônia – a Noruega, por exemplo, já doou U$ 100 milhões para o Fundo Amazônia e promete chegar a US$ 1 bilhão.

O encontro de Copenhague é considerado o mais importante da história recente, pois tem por objetivo estabelecer o tratado que substituirá o Protocolo de Kyoto, vigente de 2008 a 2012, que trata das questões climáticas e ambientais. Nos debates deverão aflorar os impasses entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento em torno das metas para a redução de emissões de gases do efeito estufa e os recentes estudos científicos sobre o aquecimento global. No governo ninguém domina mais o tema do que Minc.

* A questão ambiental não é estratégica no governo Lula

Os acontecimentos da semana apenas corroboram um fato cada vez mais incontestável: A questão ambiental não é estratégica no governo Lula. Ao contrário, por inúmeras vezes Lula já manifestou que o tema é um estorvo e um entrave ao seu projeto de desenvolvimento.

Um breve inventário dos acontecimentos pode levar inclusive a afirmação de que o governo Lula é um governo anti-ambiental. Basta ter presente os fatos: liberação açodada dos transgênicos; entusiasmo com a produção de etanol; postura vacilante em relação a proposta de retalhar a Amazônia Legal; hesitação frente à idéia de expansão da plantação de cana-de-açucar na região do pantanal e amazônica; transposição do S.Francisco; retomada do programa nuclear; ampliação da construção de hidrelétricas com impactos ambientais devastadores; demissão da ministra Marina Silva, entre outros.

Definitivamente o governo Lula não liga para a questão ambiental. Não é estratégica e tampouco importante. Lula não afirma, mas considera que os ambientalistas atrapalham o desenvolvimento do país. Como destaca Paulo Barreto, do Imazon, a falta de liderança do presidente Lula nas discussões sobre o tema leva os envolvidos a se “esfaquear em praça pública”. “Qual o papel do líder? Encaminhar esses temas. O presidente não faz isso. Os ministros ficam lá, se estapeando via imprensa. Isso é muito ruim, cria dificuldades de encontrar soluções. Está todo mundo se esfaqueando em praça pública. Falta esse papel de liderança”, diz ele.

Lula mais de uma vez já reclamou do que considera um excessivo rigor das exigências da legislação ambiental e vive afirmado que agora chegou a vez do Brasil crescer. Na realidade, Lula gostaria de reeditar a conjuntura do período de Juscelino Kubitschek, e já explicitou verbalmente que bom mesmo eram os tempos de JK em que não existiam os ambientalistas para incomodar. Segundo o presidente, “Juscelino Kubitschek, se fosse eleito presidente e quisesse fazer Brasília hoje, ia terminar o mandato sem conseguir a licença para fazer a pista para descer o piloto para começar a estudar o Planalto Central”.

* Direita e esquerda. A mesma concepção

Na realidade, a preocupação com o meio ambiente continua sendo um tema das organizações ambientalistas. Embora a questão ecológica esteja no centro da crise civilizacional e diga respeito ao futuro da humanidade – a de que fazemos parte de uma comunidade humana que tem um destino comum, poucos levam a sério as advertências de que avançamos o sinal e de que se faz necessário um pacto urgente e uma radical moratória de não agressão ao meio ambiente.

No contexto de ataques sistemáticos à agenda ambiental, surpreende ainda a proximidade das posições das forças políticas da direita e da esquerda. Desconsiderando-se o DEM – que sempre foi, desde a época que se chamava PFL, uma trincheira de defesa dos interesses das velhas oligarquias (latifúndio), associadas às modernas oligarquias (agronegócio) – e o PMDB com o seu atávico fisiologismo; os partidos considerados republicanos, o PT e o PSDB, apesar da retórica em defesa do meio ambiente, têm sido lenientes com o desmonte ambiental.

Lula e o PT perderam nos principais Estados agrícolas do país: Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Goiás. Percebendo a força dos ruralistas, o PT passou em muitos casos a fazer alianças. Basta lembrar a aliança com Blairo Maggi no segundo turno em 2006, o maior sojeiro do país e um virulento crítico dos índices de desmatamento verificados em seu Estado. Maggi chegou a afirmar que “não se faz agricultura sem retirar a floresta. Essa é a grande verdade”.

Ato contínuo, Lula em seu estilo de conciliador de classes, manteve o ministério da Agricultura em mãos do agronegócio e afastou a ministra Marina Silva que além de travar as licenças ambientais para as grandes obras do PAC, andava às turras com os ruralistas.

O PSDB por sua vez, de olho nas eleições de 2010, já manifestou que quer se transformar no porta-voz dos interesses do agronegócio. “A galinha dos ovos de ouro”. Foi assim que o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), classificou o agronegócio em evento realizado pelo partido em Foz do Iguaçu (PR) intitulado “Agricultura e Agronegócio no Brasil”. Aécio Neves, outro presidenciável não perdeu tempo e também afirmou: “O PSDB tem discurso para o setor”.

O pensamento de José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) – que deverão disputar a presidência em 2010 – acerca da temática ambiental é semelhante. Um indicativo foi, do lado de Dilma, a recente apresentação do balanço do PAC, quando a ministra da Casa Civil disse que o governo espera que as exigências quanto ao cumprimento das questões ambientais sejam sanadas logo para que saia a licença para a BR-319. Claro que vou continuar a dialogar e a fazer acordo com os ruralistas. Cada vez que o meio ambiente e o agronegócio se entendem, quem ganha é o Brasil”, disse ela.

Por parte de Serra, já destacamos anteriormente a qualificação honrosa destinada por ele ao agronegócio: “A galinha dos ovos de ouro” – um sinal evidente de sua disposição em não peitar os interesses da categoria.

* Esquerda permanece presa à sociedade industrial

Ainda mais triste é o fato de que o próprio movimento social não se deu conta do sistemático, reiterado e permanente ataque ao maior patrimônio da nação brasileira: a biodiversidade. Os biomas brasileiros – Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal – encontram-se ameaçados. Segundo um estudo realizado pelo Atlas dos Remanescentes Florestais divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a floresta amazônica tem data para acabar: 2050. Por sua vez, 40% do Pantanal já foi embora. Segundo estudo feito por cinco entidades ambientalistas – WWF-Brasil, SOS Mata Atlântica, Conservação Internacional, Avina e Ecoa, embora a planície esteja bem preservada, com 85% de sua vegetação intacta, a região das terras altas já tem 58% das matas comprometidas.

Na semana em que os ruralistas e o agronegócio esquartejavam a legislação ambiental brasileira, o movimento social centrava a sua agenda na luta contra a instalação da CPI da Petrobrás com a realização de vários atos em todo o país. Evidentemente que se trata de uma pauta vinculada ao tema da soberania e do papel estratégico da maior empresa estatal brasileira, porém, por outro lado, revela a dessintonia com outros acontecimentos importantes e a incapacidade de articular os conteúdos.

Temos insistido que o governo Lula, o Partido dos Trabalhadores e parcela significativa do movimento social brasileiro é tributária de um jeito de pensar e agir preso às categorias da sociedade industrial e daí a dificuldade de assimilação em sua agenda de temas que estão para além dessa sociedade.

É dessa forma que se compreende a incongruência, por exemplo, do governo Lula para com o movimento ambientalista. “A cabeça de Lula é a do peão do ABC”, afirma Gilberto Carvalho um dos assessores mais próximos de Lula. Isso significa que a “cabeça” de Lula está presa à sociedade industrial e daí a sua dificuldade em incorporar o caráter do movimento ambientalista que prenuncia uma sociedade pós-industrial. “Ele [Lula] acha importante a preservação, mas, entre um cerradinho e a soja, ele é soja. O ambienta é uma questão importante, mas não é decisiva. O que é decisivo é a economia”, diz o mesmo Gilberto Carvalho.

* Esgotamento de um modelo

Tome-se como exemplo o modelo consubstanciado no PAC. O mesmo coloca-se de costas para a problemática ambiental e reafirma a lógica produtivista da sociedade industrial. Exatamente no momento em que se fala em descarbonizar a economia, o país reafirma um modelo tributário ainda da Revolução Industrial.

Sobre essa potencialidade comenta José Eli da Veiga, “o sucesso de qualquer estratégia de desenvolvimento em países emergentes será cada vez mais dependente do aproveitamento das vantagens competitivas induzidas pelo imperativo de descarbonização das economias. Perderão esse bonde os países que descuidarem da capacidade científico-teconológica voltada ao abatimento de emissões de gases estufa. Por isso, é imprescindível que o Brasil ao menos já conheça a distribuição espacial e setorial de seu potencial de abatimento. O que, infelizmente, está muito longe de acontecer”.

O Brasil, entretanto, continua insistindo num modelo econômico industrializante. A pergunta é: essa a melhor saída tendo presente à crise climática, os prognósticos futuros? Transformar o Brasil num imenso canteiro de obras para destravar o crescimento econômico – por paradoxal que possa ser – não poderá isso sim travar o país mais à frente? Relembramos aqui do sugestivo princípio da ecologia da ação proposto por Morin: “ações podem ser praticadas para se realizar um fim específico, mas podem provocar efeitos contrários aos fins que pretendíamos”.

Majoritariamente a esquerda ainda não percebeu o equívoco em desconectar o tema da econômica ao da ecologia e insiste no conceito de “desenvolvimento sustentável”. Na realidade, o desenvolvimento é inexoravelmente insustentável. A formulação de um projeto, de um outro modelo de sociedade por parte da esquerda, deve levar em consideração a superação do paradigma produtivo da sociedade industrial que já se evidenciou poluidor e destruidor do planeta.

A esquerda ainda não se deu conta de que embora a sociedade industrial ainda seja preponderante, a essência da forma de organizar a sua produção é empurrada cada vez mais para a periferia do núcleo propulsor do novo capitalismo – a economia do imaterial, a new economy. A realidade é que as categorias que organizam a representação do paradigma da sociedade industrial já não dão conta de interpretar o novo.

Hoje precisamos de uma nova Einleitung porque a essência do capitalismo está radicalmente modificada. O conceito de einleitung é uma referência ao texto de introdução dos Grundrisse (1857) em que Marx expõe o seu método de trabalho, no qual descreve que a teoria social deve ser modelada segundo os contornos da realidade social abordada.

Faz-se necessário, portanto, ter em conta, num projeto radicalmente novo, o caráter das mudanças estruturais por que passa o capitalismo. A nova economia potencializada a gestação de um novo tipo de organização produtiva menos poluidora e com potencial descarbonizador enorme. Essa nova economia potencializa novas matrizes energéticas que podem oportunizar inclusive a criação de outro tipo de empregos. Em termos energéticos, a humanidade estará passando da era do petróleo – altamente concentrada e concentradora, além de refém de seu gigantismo – para uma era em que a produção de energia se dará em escala descentralizada e com impactos menores sobre o ambiente.

Já destacamos aqui que Jeremy Rifkin nos dá uma idéia do que está por vir: “Estamos no início da terceira revolução industrial: no período dos próximos trinta anos, tudo mudará, como mudou quando o vapor foi substituído pela eletricidade. Desta vez, quem vencerá será a intergrid, a Internet da energia: uma rede elétrica interativa e descentralizada, que transformará milhões de consumidores em pequenos produtores de energia criando um sistema mais confiável, mais seguro e mais democrático. Os edifícios serão envoltos em fotovoltaicos e, em vez de sugar a energia, produzirão. Os motores dos automóveis poderão, por sua vez, transformar-se em minicentrais, os tetos dos pavilhões beberão a energia solar com seus painéis e a restituirão. Uma parte da eletricidade será consumida diretamente no local de produção, reduzindo a dispersão. É uma revolução radical que mudará toda a arquitetura do nosso sistema produtivo. E quem compreender isso primeiro guiará o novo salto industrial”.

A novidade crucial desse momento histórico é que nos confrontamos com diversas crises – financeira, econômica, energética, alimentar e climática – que necessitam ser enfrentadas simultaneamente. Hoje, já não podemos mais pensar em resolver primeiro a crise econômico para depois nos ocupar do aquecimento global. A questão fulcral diz respeito ao esgotamento do modelo de desenvolvimento criado e incrementado na sociedade industrial baseado em uma visão linear, progressiva, infinita e redutora de desenvolvimento, e que tem no consumo desenfreado a sua mola propulsora. Há uma crença no crescimento econômico e sua linearidade. A crise ambiental e a mudança climática estão aí para indicar o fracasso dessa perspectiva.

O novo desenvolvimento econômico já não pode ser feito contra a natureza. Pois, como diz o ecologista norte-americano Barry Commoner faz-se necessário “mudar o motor do desenvolvimento, fazendo-o funcionar em sintonia com o meio ambiente”. E acrescenta: “Sem recuperar o meio ambiente, não se salva a economia; sem recuperar a economia, não se salva o meio ambiente”.

Ou ainda como ressalta Rubens Ricupero: “É irracional sustentar a idéia de que pode haver desenvolvimento contra o meio ambiente”. O ambientalista Lester Brown nos lembra que “uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas futuras”. Considerando-se as opções que o país vem tomando nos últimos anos, e particularmente nos últimos dias, gerações futuras não apenas lamentarão essas decisões, como poderão ser vítimas das mesmas.

“A lógica do crescimento econômico a qualquer custo vem solapando o compromisso de construir um modelo de desenvolvimento socialmente justo, ambientalmente adequado e economicamente sustentável”. A afirmação é de um conjunto de organizações ambientalistas em nota pública contra o que consideram um retrocesso ambiental. “Queremos andar para frente, e não para trás”, afirmam as entidades lamentando as decisões do país nos últimos dias.

Conjuntura da Semana. Uma leitura das “Notícias do Dia” do IHU de 03 a 09 de junho de 2009

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A presente análise toma como referência as ‘Notícias’ publicadas de 03 a 09 de junho de 2009 e a revista IHU On-Line n. 296 – edição 8-06-2009.. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

(Ecodebate, 12/06/2009) publicado pelo IHU On-line, 09/06/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

4 thoughts on “Governo Lula. Um governo anti-ambiental

  • juares oliveira

    Na verdade o discurso ambientalista radical também esgotou-se. Se houver bom senso de ambos os lados certamente o Brasil irá avançar. Não concordo quando o autor fala em federalismo ambiental, penso que o mesmo não sabe o que é federalismo. O que existe hoje na verdade é uma ditadura ambiental para quem quer atentar contra nossa soberania buscando dinheiro internacional para distribuir entre ong´s não sérias. Ong´n não distribui lucro mas com certeza paga salário e financia projetos. E afinal, onde estão esses projetos? Estamos sendo engessados em nosso crescimento por outros países que sabem que com nosso potencial atual e em tempos de crise nós sairemos na frente e tomaremos nosso lugar como nação desenvolvida nesse planeta. Quando estivermos dando as cartas eu quero ver se os outros países vão aceitar ter restrições ambientais…Precisamos unir o discurso de abientalistas sérios, principalmente cientistas e instituições de pesquisa sem viés ideológico-xiita-ecoradical-biodesagradável aos empreendedores responsáveis.
    Mesmo o protocolo de kyoto criou o princípio da responsabilidade comum porém diferenciada, ou seja, como vamos continuar eliminando a pobreza se nao podemos plantar alimentos, plantas medicinais, árvores (que nos dá a madeira para construção civil e o papel)? Tudo que os ruralistas mais radicais precisam agora é um ou mais ambientalistas radicais para que as leis sejam radicalmente alteradas. O que é necessário agora, mais do que nunca, são ambientalistas bons negociadores, que realmente saibam dialogar ao invés de trucar e impor normas ilegais. Existem esses seres?

  • Eu me considero consciente ambientalmente e nesse sentido tenho me esforçado muito nos últimos trinta e quatro anos. Ao longo desse tempo venho observando que nenhum governo se fez interessar pela preservação dos recursos naturais, isto é, desde 1952. Para comprovar o que digo, basta observar quem é que foi governo e o que foi que fez. Isso tanto nos Estados, Municípios e República. Aliás, me desculpem, na verdade, o legislativo se esforçou muito para criar os Códigos, Florestal, Pesca e Caça e a Política Nacional de Meio Ambiente, essa, institucionalizada pela Lei Nº 6938 de 1981. O que faltou? Faltou ao criador das leis fiscalizar, efetivamente, o seu cumprimento e ao Executivo o interesse em cumpri-la. O motivo do desinteresse eu não sei, mas com certeza muitos dos especialistas em política sabem.

  • comentário ao comentário de juarez oliveira:
    visite http://www.turbulence.org.uk antes de determinar pra si mesmo o “esgotamento do discurso ambientalista”

Fechado para comentários.