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A razão submersa do Itajaí ao Parnaíba, artigo de Maria Cristina Fernandes

Balneário Curva São Paulo, Teresina, PI, debaixo d'água. Foto do Portal 180Graus
Balneário Curva São Paulo, Teresina, PI, debaixo d’água. Foto do Portal 180Graus

[Valor Econômico] A Frente Parlamentar de Agricultura escolheu o momento em que quase 400 mil pessoas estão desabrigadas em 12 Estados do Norte e Nordeste, para apresentar um projeto que solapa o que resta de normas ambientais no país. O solene desprezo pela concomitância sugere que as evidências gritantes entre o agravamento das enchentes e o desmatamento predatório hoje move uma resistência política prestes a ser levada à lona pela maioria governista.

O Maranhão é o Estado símbolo dos interesses oligárquicos que, travestidos de ruralistas, abrigam-se na base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e comprometem suas conquistas.

O PMDB de José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL), além de maior partido no Congresso, senhor da aliança mais disputada de 2010, e comandante da CPI que se propõe a investigar a maior estatal do país, é também o partido com o maior número de representantes na chamada bancada ruralista. Ao ingressar oficialmente na base governista no segundo mandato de Lula, o PMDB levou os ruralistas a vitórias mais representativas do que as obtidas no primeiro mandato.

O Estado da governadora Roseana Sarney (PMDB) foi o mais afetado pelo dilúvio do outono. Parte dos mais de 120 mil maranhenses atingidos, estão na região do chamado Baixo Parnaíba, o rio que nasce no sul do Estado, atravessa a divisa e forma seu delta no estreito litoral piauiense.

A região é uma das mais pujantes fronteiras agrícolas do Nordeste. Por lá avançam algumas das maiores produtoras de soja, eucalipto e cana-de-açúcar do país. O Fórum de Defesa do Baixo Parnaíba Maranhense, que congrega entidades ambientais e sociais da região, estima que, nos últimos cinco anos, este avanço foi responsável pelo desmatamento de cerca de 25% da mata nativa de uma área de 350 mil hectares que congrega 16 municípios.

José de Ribamar, um dos coordenadores do fórum, relata que as enchentes na região são corriqueiras nessa época do ano. Incomum foi a proporção alcançada este ano, quando aumentou em mais de 30% o número médio de desabrigados.

Conta que o desmatamento é feito com uma corrente de 50 metros de comprimento puxada por dois tratores que vão derrubando tudo o que houver pela frente. O recurso, apelidado de “correntão”, liquida rapidamente a cobertura florestal das áreas a serem preparadas para a agricultura.

Um projeto de lei contra o uso do correntão foi derrotado na Assembleia Legislativa. Conseguiram apenas 13 votos a favor, segundo Ribamar, de PT, PSB e PDT. Estima que 40% das terras da região ocupadas recentemente pelo agronegócio sejam griladas. A fiscalização da posse dessas terras que avançava, ainda que lentamente, sob o governo anterior, voltou à estaca zero na gestão Roseana.

Henrique Cortez, coordenador do Ecodebate, um dos principais portais ambientalistas do país, explica o que aconteceu com o Parnaíba: com a perda de cobertura vegetal no seu entorno, o rio recebe um grande volume de terra com as chuvas. Fica raso e transborda rapidamente quando o volume de chuva aumenta. E este é um fenômeno que só tende a se agravar com as variações climáticas em curso: o índice pluviométrico não mudará, mas as chuvas vão ficando mais concentradas.

Algo parecido aconteceu com o Itajaí, em Santa Catarina, provocando as enchentes do ano passado, com um número menor de vítimas do que as estimadas este ano no Norte e Nordeste. Se as variações climáticas dependem de um esforço global, é ao poder público local que cabe minorar seu impacto com a recuperação das chamadas matas ciliares, para fazer com que a água da chuva se infiltre no solo, e o desassoreamento dos rios.

E é exatamente o inverso disso que está em curso com a ofensiva ruralista no Congresso. Todas as iniciativas parlamentares que avançam, do Código Florestal à regularização fundiária na Amazônia, o fazem mediante a redução das exigências ambientais para produtores rurais e o aumento da margem de manobra do agronegócio.

Num governo em rota de sucessão eleitoral, não há sinais de que esse avanço ruralista se arrefecerá. Discurso ambiental é útil para presidente recém-empossado posar de estadista, como Lula o fez no primeiro mandato com a senadora Marina Silva (PT-AC) a tiracolo no Ministério do Meio Ambiente. Para firmar as alianças que alinhavarão a campanha, o compromisso ambiental só atrapalha.

Ao salvaguardar os interesses ruralistas pela via da aliança sagrada com o PMDB, Lula corre o risco de despejar rio abaixo muitos dos avanços de seu governo. Vide o exemplo de Chapadinha, município de 67 mil habitantes no Baixo Parnaíba Maranhense, a 250 quilômetros de São Luís.

Há três anos, a Universidade Federal do Maranhão abriu um campus na cidade, dando seguimento à política federal de incrementar a ofertade vagas no ensino superior. Os concursos atraíram professores do Brasil inteiro. E hoje o campus, voltado para ciências agrárias e ambientais, conta com quase 60 professores, a maioria dos quais com doutorado. Nem um terço das 600 vagas estão preenchidas, entre outros motivos, pela dificuldade de infraestrutura na cidade para alojar estudantes.

É de um professor do campus de Chapadinha da UFMA, o sociólogo gaúcho Jeferson Francisco Selbach, o relato: “Quando chegamos aqui, as empregadas domésticas ganhavam R$ 80 por mês. Sem contrato, acumulavam com o Bolsa Família. Começamos a vincular a remuneração ao salário mínimo, com décimo terceiro e férias. A notícia se espalhou e provocou grande reação na cidade. Um candidato a prefeito chegou a assumir, como promessa de campanha, a expulsão dos professores daqui. A cidade tem infraestrutura precaríssima. Na região como um todo, só um terço das residências tem saneamento. Nessas, o cano d”água chega à casa mas não aos cômodos. A cidade tem duas avenidas. O resto é viela. Quando vem uma chuva dessas arrebenta tudo. A colheita dos pequenos agricultores, a quem nossos alunos são formados para assistir, vai embora. A cidade fica em pedaços. Aí começa a romaria dos políticos pedindo dinheiro. Quando a liberação sai, consertam umas coisinhas aqui e ali e o dinheiro desaparece. Até a próxima enchente”.

* Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

* Artigo originalmente publicado no Valor Econômico, 29/05/2009.

[EcoDebate, 30/05/2009]

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