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Basta olhar e refletir no espelho… artigo de Nelson Tembra

Vazamento de rejeitos em córrego de Barcarena
Vazamento de rejeitos em córrego de Barcarena

[Nelson Tembra / EcoDebate] Após repercussão na mídia do vazamento de resíduos tóxicos das bacias de rejeitos da Alunorte, ocorrido no último 27 de abril, no Rio Murucupi, no município de Barcarena, Estado do Pará, já seria de se esperar o início imediato da campanha publicitária que foi noticiada na edição deste domingo (03 de maio), naquele periódico paraense que traz implícito no nome o sentido de livre de fanatismo ou de intolerância, de mente aberta e moderadamente progressista, generoso e relativo ao liberalismo.

De acordo com a notícia, uma nova série de fascículos, a terceira do gênero, com patrocínio da Vale do Rio Doce, é lógico, em papel especial, apresentará ‘novidades’ e nos mergulhará em ‘desafios da Amazônia’, pondo a região em debate e ‘ajudando a entender os entraves ao desenvolvimento’, prometendo aos leitores amplo conhecimento sobre mais diversos temas em uma das regiões mais cobiçadas do planeta, e bota cobiçada nisso…

Para quem ficou com gosto de ‘quero mais’ depois do último fascículo da segunda série, que tratou do futuro da Amazônia frente ao efeito estufa, já fica o indicativo do que será a nova edição, considerando que a Vale insiste em trilhar caminho inverso ao dos países desenvolvidos, ao requerer licença ambiental para implantar uma usina termelétrica movida a carvão mineral em Barcarena, mostrando a contradição entre o discurso e a prática, posto que o carvão mineral seja reconhecido como altamente poluente e a sua combustão contribui para elevar o aquecimento global, dentre outros danos ambientais à saúde humana.

A nova série de ‘Amazônia’ também pretende ‘desmistificar’ o discurso de que estudiosos que vivem na região não conhecem ou não sabem falar de sua terra, e que a coleção ‘é uma prova de que temos intelectuais competentes, que produziram e produzem muito conhecimento acerca da realidade amazônica’. Pergunto quem disse ou pensou o contrário? Só se foram eles próprios! Dispomos sim, de importantes Instituições de Ensino e Pesquisa e nem é preciso declinar os nomes.

Sinceramente, não sei se choramos de felicidade ou rimos de tristeza, centrados nos povos da Amazônia, vítimas freqüentes de esquecimento e discriminação, graves conflitos, de violência e sangue, e nos problemas da ocupação da terra e da exploração dos recursos naturais, onde, muitas vezes, ou quase sempre impera a lei da selva, a lei do mais forte, devido ausência ou ineficiência do Estado e suas Instituições.

Devemos questionar esta visão elitista, que olha a Amazônia como um saco de onde só se retira riquezas e onde ações bem intencionadas e até românticas podem servir para ocultar uma verdadeira tentativa de sabotagem das reais perspectivas de progresso de uma sociedade.

Considerada, pela base da Igreja e Movimentos Sociais um dos principais vetores de desmatamento da Amazônia e co-responsável por crimes como o trabalho escravo e prostituição infantil, a Vale segue patrocinando divulgações ‘especializadas’, milimétricamente encomendadas. O mais grave, segundo os movimentos, a Companhia Vale do Rio Doce seria uma das principais responsáveis pela destruição ambiental e por conflitos com as populações tradicionais da Amazônia.

A Vale viabilizou a construção de uma série de siderúrgicas que utilizam (ou utilizavam) o carvão vegetal para a produção do ferro-gusa. Segundo o cálculo de ambientalistas e de outros estudiosos, foram praticamente 300 mil hectares de floresta primária que, a cada ano, foram destruídos para a produção de carvão. Algumas dessas siderúrgicas, na região de Marabá (Pa), já foram flagradas e multadas pela fiscalização do Ministério do Trabalho por manter centenas de trabalhadores como escravos em suas carvoarias, inclusive crianças, apenas para citar um exemplo entre muitos.

Como é possível uma empresa como esta chamar a atenção para a defesa e a preservação do meio ambiente e para a valorização das comunidades e povos tradicionais da Amazônia? E a legitimidade para pautar um debate sobre os grandes problemas da região e suas origens? Quais os entraves para o desenvolvimento amazônico e as estratégias de crescimento? Basta olhar e refletir no espelho…

Artigo enviado pelo Autor, colaborador e articulista do EcoDebate e originalmente publicado no Blog Nelson Tembra.

[EcoDebate, 04/05/2009]

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