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Artigo

Nós, os comunistas, novos gerentes do estado liberal burguês, artigo de Joelson Pinheiro Meira

[EcoDebate] Minha geração dos anos 70, dos presos políticos, torturados, atirados ao mar, desaparecidos, assassinados, enforcados e atropelados assiste, agora , ao desfile dos comunistas e subversivos pontificando nos postos chaves do velho Estado liberal burguês, assumindo, com invulgar desenvoltura, as tarefas de gerentes operosos, dedicados e conscientes do papel simbiótico com as outroras velhas estruturas opressoras, racistas e anti-popular do corrupto Estado , em todos os continentes do mundo globalizado.

Lembro-me de acalorado debate no final de 1986, em reunião do PCdoB, ao lado de Sidônio Palmeira, Adson França, Carlos Valadares, Loreta Valadares ( de saudosa e inesquecível memória) , na sede do Comitê Distrital da sétima zona eleitoral , no Largo da Palma, concluindo , tal debate , pela impossibilidade dos comunistas da Bahia indicarem um Secretário de Estado para o governo recém-eleito ( pleito vitorioso de outubro de 1986) de Waldir Pires.

A fundamentação teórica da nossa conclusão coletiva , marxista , era lógica e condizente com os cânones leninistas: os comunistas não podiam participar de um governo burguês de nível Estadual ou Federal, num País capitalista, porque estaria coonestando o Estado opressor da burguesia, iludindo as massas proletárias e traindo os interesses de classe dos trabalhadores.

Na oportunidade , para ser fiel à história , com o veto partidário-ideológico nascido na cúpula , e por todos nós acatado como verdade insofismável, optamos por indicar um “amigo” para o convite honroso do cargo , formulado pelo governador eleito, Dr. Waldir Pires . O agraciado foi o compositor e poeta José Carlos Capinam, então Secretário de Cultura de Camaçari, gestão 1986-1988, do então comunista Luiz Caetano.

Passados 23 anos das nossas verdades sobre o velho Estado excludente, racista, conservador, porta-voz das elites insensíveis, alheio aos interesses dos trabalhadores, corrupto e corruptor em sua essência, vemo-nos, agora , toda nossa geração pão-com-cocada, carbonária, revolucionária, contestadora, empolgados nos cargos dirigentes , em todos os níveis do Estado Liberal Burguês!!

Alguns ingênuos acham, com convicção, que podem mudar a vida assumindo os cargos do velho Estado corrupto burguês, bastando , para tanto, ganhar as ” eleições “.

Nós, os comunistas, mudamos muito. Pensamos , nos dias presentes , diferentemente de 23 anos atrás. Optamos pelo gerenciamento do Estado ( esse mesmo que continua há séculos infernizando os trabalhadores) . Esquecemos as mobilizações das massas como elemento transformador. Aliás, as mobilizações agora, são sinônimo de problema de alguns sindicalistas desavisados dessa nova fase de anestesia capitalista que passamos a comandar, substituindo, com maestria , os ultrapassados gerentes obtusos e arrogantes do Estado Burguês !!

Os camaradas e companheiros que ousam nos criticar, nós os ocupantes de cargos estratégicos do velho Estado, não passam de ignorantes, incultos , problemáticos, recalcados que não conseguem convites para assumir postos de destaques nos governos municipal, estadual ou federal.

A atualidade da política ou da ideologia exige sagacidade, experiência administrativa ou parlamentar , conhecimento em gestão pública de resultados, capacidade de diálogo com os “investidores” que vão nos oferecer empregos em troca de isenções tributárias e infraestrutura gratuíta. O resto , não passa de velhos chavões de ultrapassados que esqueceram de buscar a atualização necessária dos novos marcos da luta socialista.

É a governabilidade que interessa. A governabilidade social-democrata, de avanços da democracia, do acúmulo das franquias, ainda que em seu bojo apareçam tumores malígnos , estranhos aos conceitos da ética e dos valores intrínsecos à moral pública.

Muitos , da nossa geração de jovens revolucionários, amantes da liberdade, do socialismo, no meio dessa confusão de rumos e verdades duvidosas, preferiram buscar o caminho mais direto do capitalismo tantas vezes contestado: ganhar dinheiro, de preferência muito dinheiro, para construir uma possibilidade mais rápida de alcançar o conforto, a estabilidade, o lazer , as viagens pelo mundo, os segredos dos vinhos e da culinária , e , se a generosidade apreendida nos tempos da militância permitir, partilhar algumas sobras do sucesso capitalista com os amigos desafortunados que se atrapalharam na transição socialista-capitalista e não encontraram o prumo dos novos tempos.

Eric Toussaint, o cientista político belga que escreveu o magistral livro ” A bolsa ou a vida ” que recomendo a todos , chama tudo o que estamos produzindo , hoje , de traição ao socialismo. Não sei se ele tem razão ou não , mas vale a pena aprofundar a leitura dos seus escritos.

Aos nossos filhos, a geração do playground, do grafite, das festas e dos concursos públicos, da corrida ao enriquecimento rápido , do ódio aos políticos, aos sanguesugas, mensaleiros , e congêneres, não podemos descuidar de lhes fornecer os clássicos que estudamos, as idéias libertárias da humanidade , anti-racistas, ecológica s, solidárias e os mais belos poemas de amor ao próximo, de crença na sociedade socialista e igualitária nos costumes civilizados, no acesso aos bens materiais e culturais, na vivência plena como cidadãos e cidadãs que podem conviver entre sí com harmonia e dignidade.

Enquanto cuidamos com carinho dos que nos estão mais próximos, vamos tentando decifrar os caminhos da humanidade, a falência escancarada do modelo suicída e perverso da sociedade consumista que nos impuseram e a possibilidade de construir uma vida produtiva-contemplativa, com respeito à natureza tão violentada e agredida por todos.

Joelson Pinheiro Meira , Advogado , Poeta e Secretário Extraordinário de Camaçari -BA

[EcoDebate, 30/04/2009]

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