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Notícia

Carta Pública Rede Brasileira de Justiça Ambiental em repúdio ao financiamento do BID para termelétricas a carvão

termelétrica a carvão

Aos
Ilmos. Srs.
MD Governadores e Diretores Executivos do Banco Interamericano de
Desenvolvimento
Fortaleza, Ceará, e Medellín, Colômbia, 27 de março de 2009 .

Ilmos. Srs.

As organizações e movimentos sociais brasileiros abaixo assinados, reunidos no Ceará na Assembléia da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, e também em Medellín, por ocasião da Asemblea de Povos Credores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), nos dirigimos à V.Sas. e tornamos público nosso rechaço à notícia de aprovação de um pacote de financiamento no total de US$ 197 milhões em empréstimos diretos deste banco público para projetos de Termelétricas a Carvão Mineral (UTE Pecem I e UTE Porto de Itaqui) para a empresa MPX de propriedade do Sr. Eike Batista, dono de uma das maiores fortunas no Brasil.

Muito nos espanta que o BID, que em 2007 tenha oportunamente anunciado iniciativas no sentido da construção de uma política de combate às mudanças climáticas, sem que depois de 50 anos de operação tenha divulgado os débitos de carbono gerados por seus projetos de energia fóssil na região Latino-americana e Caribenha, bem como contabilizado e reparado os impactos sociais e ambientais que tem causado seus projetos de energia e de infraestrutura, venha a aprovar um financiamento público desta monta para geração de energia à carvão mineral em regiões do Brasil desprovidas de tais reservas minerais, e reconhecidamente de enorme potencial para a geração de energia por fontes renováveis como a energia eólica ? embora as condições para sua produção devam ser criteriosamente definidas, para evitar impactos às comunidades onde se instalam.

Somente um projeto como o da UTE de Pecém, de 700 MW, pretende queimar 2.281.250 de toneladas de carvão mineral por ano e gerar emissões de gases de efeito estufa capazes de anular esforços de reduções de emissões como aqueles de todo o PROINFA (2,5 milhões de toneladas equivalentes de CO2 por ano evitadas pela geração de 3.300 MW de energia por fontes renováveis de geração de eletricidade como eólica, biomassa e PCHs), reconhecidamente o maior programa governamental na América do Sul de incentivo às fontes alternativas de energia.

Além de ser a termeletricidade à carvão a fonte fóssil que mais contribui com gases de efeito estufa por unidade de energia gerada, estas termelétricas devem constituir-se nas maiores fontes fixas de poluição atmosférica local nas respectivas regiões de instalação, com o lançamento de gases que são precursores da chuva ácida e da formação de ozônio de baixa atmosfera e de partículas inaláveis, causadores de danos à sa úde ambiental e da população, que precisam ser evitados e que não podem ser total ou parcialmente compensados por plantações de árvores.

Para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém / CIPP são esperadas a instalação de quatro termelétricas – três delas a carvão mineral, inclusive uma da Vale do Rio Doce – além de uma siderúrgica com coqueria também a carvão mineral e uma refinaria de petróleo, mas a necessária avaliação ambiental estratégica não foi realizada.

Em cerca de 10 comunidades atingidas do município de São Gonçalo do Amarante, onde está o CIPP, vivem 351 famílias da etnia Anacé, além de outras tantas famílias que com elas convivem, conservando os ecossistemas locais, através de um modo tradicional de vida que garante a sua existência e a sustentabilidade. Elas não foram consultadas sobre o projeto, nem foram ouvidas nos processos de tomada de decisão. As lideranças locais denunciam que, na primeira fase da construção do Porto, 36 idosos morreram, e agora estas famílias estão ameaçadas de desapropriação e expulsão, para a decretação de terras públicas, num flagrante desrespeito a seus direitos, inclusive aos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988. Terras Públicas ou do Eike Batista e outros investidores sedentos de lucro? Quantos mais morrerão? Pode este povo adaptar-se em locais que não seja o de sua raiz ancestral? O que q migração para a cidade trará de bom para ele? Esta é uma profunda injustiça ambiental, carregada também de racismo.

Em recente visita do grupo de trabalho Racismo Ambiental, vinculado à Rede Brasileira de Justiça Ambiental, à área Anacé, nos municípios cearenses de Caucaia e São Gonçalo do Amarante, representantes da etnia denunciaram que, na área prevista para a construção da term elétrica, haviam sido encontrados sítios arqueológicos e que os mesmos foram escondidos por funcionários da MPX com a clara intenção de impedir o surgimento de evidências históricas da presença indígena naquela região.

No caso do Maranhão, estão previstas seis termelétricas, sendo uma delas a UTE Itaqui, do senhor Eike Batista e outra da Vale do Rio Doce, a qual já apresenta outro projeto de energia térmica no município de Barcarena, estado do Pará, bastante questionado pelo Ministério Público estadual.

Afora a velha máxima de que ?sempre se precisa de energia?, o que parece desculpar tudo, da parte dos governos federal e estaduais e da iniciativa privada, o que salta aos olhos nesses projetos é o completo desrespeito às legislações ambientais e de uso e ocupação do solo como foi denunciado pelo Ministério Público Estadual do Maranhão e pela Defensoria Pública do estado do Ceará.

Nesse momento, parece que cabe aos estados do Maranhão e do Ceará a tarefa de sujar a matriz energética brasileira, com esses projetos licenciados a toque de caixa pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão, pela Superintendência de Meio Ambiente do Ceará e pelo Ibama nacional, como uma forma encontrada por setores que planejam e executam a política energética brasileira para suplementar o fornecimento de energia em direção aos setores eletrointensivos.

A nosso ver, a geração de energia térmica no litoral do Maranhão e do Ceará distorcerá ainda mais o mercado de energia do Brasil porque dissemina aos quatros ventos a mensagem de que, sempre que necessário, o setor energético apelará para o carvão mineral em detrimento das energias renováveis.

A aprovação deste empréstimo significa que o banco comemora 50 anos de existência explicitand o sua enorme incoerência e incapacidade de responder ao alcance de seus objetivos, de desenvolvimento, de alívio da pobreza e de enfrentamento de mudanças climáticas, quando apóia projetos tão controversos como termelétricas a carvão e agrocombustíveis, que têm como único resultado o enriquecimento de setores já abastados a custa de impactos territoriais e globais que afetam negativamente aos povos da região.

Assim, o BID amplia sua dívida histórica, social e ecológica com o povo brasileiro, razão pela qual exigimos a imediata suspensão do empréstimo recém aprovado e a reparação do passivo acumulado pelo BID ao longo dos seus cinqüenta anos de existência. Não devemos pedir ou mesmo aceitar novos empréstimos até que se conheçam os verdadeiros impactos do financiamento do BID, através da realização de auditorias externas integrais, participativas e legalmente vinculantes.

Exigimos aos delegados do governo brasileiro presentes na 50ª Assembléia Geral do BID que também acontecerá na cidade de Medelin, Colômbia, que tenham a responsabilidade de impedir novos processos de endividamento público em nome de interesses privados e atendam as demandas do povo do Brasil e da América Latina pela defesa da ruptura imediata com o modelo de desenvolvimento que amplia as desigualdades e não respeita a natureza e o direito das populações locais, claramente exemplificado com estas obras do PAC.

Rede Brasileira de Justiça Ambiental

* Enviada por Mayron Régis, colaborador e articulista do EcoDebate

[EcoDebate, 28/03/2009]

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