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Artigo

Como chove aquela chuva? artigo de Osvaldo Ferreira Valente

chuva

De manhã, bem cedinho, duas amigas se encontram na padaria e uma delas vai logo dizendo, antes de qualquer cumprimento:

– E aquela chuvarada de ontem a tarde, Fulana ? Um verdadeiro toró! Você acredita que entrou água lá em casa? A calha do telhado não suportou todo aquele aguaceiro.

E o comentário da outra vem tranqüilo e recheado de sabedoria popular:

– Foi uma típica chuva de verão, minha amiga. Você notou que a tarde estava muito quente e abafada? Pois é, era sinal de perigo vindo do céu. São Pedro deve ter ficado bravo com todo aquele calor e resolveu refrescar todo mundo. Na afobação, ele deve ter aberto a torneira mais do que o necessário.

As duas riram e, de cestas já nas mãos, foram escolher os pães de todo dia.

[EcoDebate] A tal chuva de verão, mencionada por uma das amigas, foi certamente uma chuva que os especialistas chamam de convectiva. Nos dias quentes, as massas de ar que estiverem próximas do solo também estarão quentes e se houver boas fontes de evaporação – o próprio solo úmido de chuvas anteriores, por exemplo – conterá boa quantidade de vapor d’água (isso foi discutido em “Por que chove qualquer chuva?” – artigo publicado aqui no EcoDebate, em 04/03/2009). Mas a massa de ar quente é como se fosse um balão de gás, leve e capaz de se elevar acima da superfície (Figura 1). Com a subida, a massa tende a se esfriar, podendo chegar à saturação e provocar condensações em torno de núcleos sólidos, gerando microgotículas de água e a formação de nuvens, que às vezes se apresentam na forma de torres. Se na zona de formação, a atmosfera estiver instável, com movimentações constantes, tais microgotículas poderão crescer de tamanho e, aos milhões, vencerem a resistência do ar e provocarem uma queda em massa. E assim acontecerá uma chuva convectiva, geralmente de pequena duração, mas que poderá ser forte e capaz de fazer transbordar a calha da nossa amiga lá do início. Se a ascensão da massa de ar chegar a zonas de temperaturas muito baixas, as gotículas poderão se transformar em pequenos blocos de gelo e provocarem as chuvas de granizo.

Figura 1 – Chuva convectiva.
Figura 1 – Chuva convectiva.

Outro fenômeno meteorológico muito citado pelos noticiários pertinentes é o das frentes, que podem ser frias e quentes. São massas de ar em deslocamento e, em alguns casos, seguindo trajetórias que se repetem ao alongo do ano. No Brasil, são conhecidas as “polares”, frias, que vêm pelo Sul e chegam freqüentemente à região Sudeste, ou mesmo um pouco acima; as “tropicais atlânticas”, quentes, que sopram do Atlântico Sul em direção ao leste do continente e podem penetrar em seu interior; as “equatoriais continentais”, quentes, que vêm da Amazônia em direção ao Sudeste e Sul; e as “equatoriais atlânticas”, quentes, que sopram do Atlântico Norte em direção ao Nordeste. O encontro de duas frentes, ou de uma frente com uma massa de ar estacionária, de temperaturas diferentes, pode provocar condensações e instabilidades suficientes para a formação de chuvas. E instabilidades surgem quando massas de ar tornam-se mais quentes do que o ambiente e sobem. Quando, por outro lado, uma massa de ar ocupa uma grande área e tem temperatura homogênea, surge a condição de estabilidade, dificultando a formação de chuvas.

Massas de ar em movimento são responsáveis pelas chamadas “chuvas frontais” ou “ciclônicas”. A Figura 2 mostra o efeito prático de frentes frias ou quentes, ou seja, provocam a elevação de ar quente que está sobre o solo. Se tal massa de ar quente está úmida, tal elevação promove condensação e precipitação. A preocupação em dizer “efeito prático” é porque o fenômeno físico envolvido é um pouco mais complexo. O que resulta, entretanto, é o ar frio atuando como uma cunha. Ora penetrando por baixo do ar quente (se a massa fria é que se movimenta), ora fazendo com que o ar quente deslize sobre ela (se é ele que se movimenta).

Figura 2 – Chuvas frontais
Figura 2 – Chuvas frontais

Exemplos típicos de chuvas frontais são as provocadas pelo encontro de massas polares que se deslocam do Sul em direção ao Sudeste e que vêm encontrando massas estacionárias mais quentes, provocando as instabilidades e as chuvas que, ao contrário das convectivas, tendem a cobrir grandes áreas. Poderão ser fortes ou fracas (garoas), dependendo da grandeza das instabilidades geradas. Quando a massa de ar equatorial continental, vinda da Amazônia, com bastante umidade, consegue chegar à região Sudeste e encontra, aí, outra massa com temperatura menor, acaba por organizar uma região de forte nebulosidade ao longo de uma faixa que corta transversalmente o território brasileiro (do Sudeste até à Amazônia). A mistura das massas gera instabilidades e chuvas, às vezes intensas e duradouras, formando as já muito citadas e conhecidas Zonas de Convergências do Atlântico Sul, as ZCAS. As ZCAS podem ficar ainda mais acentuadas quando a frente fria fica estacionária no litoral do Sudeste e recebe, também, a influência de massa tropical atlântica. Uma outra zona de convergência ocorre no Norte e Nordeste do Brasil, é a Zona de Convergência Intertropical, responsável pela formação de algumas chuvas fortes que atingem o Nordeste. São massas que se movimentam dos Trópicos em direção ao Equador (ventos que são conhecidos como alísios), formando uma faixa ou zona de convergência. Quando essa faixa desce um pouco mais, principalmente no final do verão, acaba produzindo as chuvas de março ou de São José, tão decantadas pelos nordestinos (o dia de São José é 19/03). Quando elas embirram em ficar mais ao norte, o semi-árido sofre com a seca.

Outra ocorrência comum no território brasileiro é a ascensão de massas de ar provocada por diferenças acentuadas de relevo em regiões bem próximas entre si (Figura 3). È o caso, por exemplo, da Serra do Mar que se estende ao longo de boa parte da nossa costa marítima e que chega a provocar, a 30-50 quilômetros do litoral, altitudes acima de 1.000 metros. Isso faz com que massas tropicais atlânticas, quentes e úmidas, sejam empurradas em direção de tais montanhas e obrigadas a se elevarem. A elevação poderá provocar resfriamento suficiente para condensações e chuvas, chamadas “orográficas” ou de “relevo”. Chove na encosta e/ou na faixa litorânea e quando a massa ultrapassa a montanha já está bastante seca e com poucas condições, na maioria dos casos, de propiciar chuvas do outro lado.

Figura 3 – Chuva orográfica ou de relevo
Figura 3 – Chuva orográfica ou de relevo

No litoral de Santa Catarina, este fenômeno do relevo é bem caracterizado. Ali é comum, também, a formação de vórtices ciclônicos (espécies de redemoinhos), em níveis mais altos sobre a faixa litorânea, que ajudam na ascensão das massas quentes e úmidas vindas do Atlântico. O efeito de elevação desses redemoinhos nós estamos acostumados a ver naquelas miniaturas que se deslocam sobre o solo, erguendo poeira, folhas e papéis. Imagine, agora, o poder de grandes redemoinhos sugando ar úmido em seu interior.

Com origens bem específicas ou combinadas, assim são formadas as chuvas que atingem o território brasileiro.

Osvaldo Ferreira Valente, Engenheiro Florestal, Especialista em Hidrologia e Manejo de Pequenas Bacias Hidrográficas e Professor Titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV); ovalente{at}tdnet.com.br

Nota do EcoDebate: para maior e melhor compreensão do tema sugerimos que leiam o artigo anterior de Osvaldo Ferreira Valente, “Por que chove qualquer chuva?

[EcoDebate, 25/03/2009]

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