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Editorial

A alienação consumista e a degradação dos ecossistemas marinhos, por Henrique Cortez

Nos últimos dez anos a população de atuns vermelhos diminuiu 90 por cento.

[EcoDebate] O rápido esgotamento dos estoques pesqueiros e a crescente degradação dos ecossistemas marinhos são temas que muitas pessoas já ouviram falar, mas, definitivamente, não se importam ou não se preocupam.

O relatório da FAO ‘The State of World Fisheries and Aquaculture 2008’ foi bastante noticiado, inclusive aqui no EcoDebate, mas a reação foi mínima, tanto no Brasil como nos EUA e Europa.

Como em outros temas relacionados à crise ambiental global, a maioria das pessoas prefere manter-se alheia ao problema. Não questiono a opção consumista alienada destas pessoas, mas tenho o direito de discutir que isto tem um ‘preço’, a ser pago pelas próximas gerações, nossos filhos e netos.

O relatório da FAO reafirma que a pesca comercial em grande escala já captura 80% de todas espécies oceânicas além de sua capacidade máxima de reposição e que a sobrepesca continua a crescer.

A redução dos ‘estoques’ oceânicos vem sendo compensada pela piscicultura comercial, que, de acordo com o relatório, já oferta 50% dos peixes consumidos em escala global. Em 2002 a piscicultura respondia por 1/3 da oferta.

A tendência de crescimento da piscicultura parece ser uma boa notícia, na medida em que, aparentemente, reduzirá a pressão sobre os cardumes oceânicos. Parece, mas não é.

A piscicultura precisa alimentar os peixes ao máximo, no menor tempo possível, para que atinjam tamanho e peso com valor comercial. Para isto usam rações e óleos produzidos a partir de pequenas espécies como sardinha. Estas pequenas espécies, que são de fundamental importância na cadeia alimentar, também estão sob imensa pressão de sobrepesca e a piscicultura é uma das razões.

As pequenas espécies, que, aparentemente, tem pequeno valor comercial, são intensamente capturadas para produção de rações. Um terço da captura mundial de peixe é desperdiçado na produção de ração animal, sendo que as rações preparadas a partir de peixes representam 37% (31,5 milhões de toneladas) do total de peixes retirados dos oceanos a cada ano e 90 % das capturas transformam-se em farinha e óleo de peixe. Em 2002, 46% de farinha de peixe e óleo de peixe foram utilizadas como alimento para a aqüicultura (piscicultura), 24% para alimentar porcos e 22% para a alimentação de aves.

Os peixes compõem uma fração importante na nossa alimentação e seu consumo continua a aumentar em escala maior do que o aumento da população humana. É um grande mercado, pouco regulado e fiscalizado, que ainda não se preocupa com a sustentabilidade.

A indústria pesqueira mundial viola o ‘Código de Conduta para a Pesca Responsável’ da ONU, de acordo com um estudo que diz que nenhum país merece nota maior do que 6,0 em gestão de pesca. Quatro das cinco nações que mais capturam peixes tiveram nota abaixo de 5,0 num total de 10,0; Brasil ficou com conceito de 3,3

Quatro dos cinco países que mais capturam peixes em áreas costeiras no mundo -China, Peru, Japão e Chile- receberam nota abaixo de 5,0 num estudo que avaliou o grau de adesão da pesca mundial a práticas pesqueiras sustentáveis. O levantamento, que analisou os 53 países que mais pescam no mundo (e respondem por 96% do que é retirado dos oceanos), concluiu que todos têm gestão pesqueira reprovável.

Um estudo recente afirmou que a pesca em pequena escala é a melhor esperança de uma pesca sustentável, porque, em tese, a pesca em pequena escala já seria suficiente para atender a demanda de recursos pesqueiros para alimentação humana. Mas não conseguiria suprir a demanda para produção de rações para alimentação animal.

Não é à toa que o bacalhau, em 20 anos, deixará de estar nas nossas mesas. Mas quem se importa com isto, desde que esteja ‘presente’ no próximo almoço de páscoa.

Estes são fatos amplamente noticiados mas, nem por isto, adquiriram importância no cotidiano da maioria das pessoas.

Um novo componente de ameaça aos ecossistemas marinhos vem do crescimento de consumo dos suplementos alimentares a base de Ômega 3, m tipo específico de gordura encontrada mais frequentemente em peixes.

Uma parte da sobrepesca visa a produção de óleos Ômega 3, mas a redução dos ‘estoques’ pesqueiros ameaçava o crescimento vertiginoso do consumo deste óleo de peixes e a industria descobriu uma nova fonte, o krill.

Mike Adams, editor do portal NaturalNews, em interessante artigo [Questioning Krill Harvesting: Why Krill Oil Isn’t an Eco-Friendly or Sustainable Source of Marine Omega-3 Oils] questiona a sustentabilidade da produção de óleos Omega a partir da captura de krill.

O krill está na base da cadeia alimentar oceânica e, de acordo com o artigo, a sua biomassa sofreu uma redução de 80% nas últimas décadas. Ou seja, a indústria de óleos Ômega 3 encontrou uma ‘solução’ para a redução dos estoques pesqueiros que, ao longo do tempo, irá reduzir ainda mais estes estoques.

Mas e daí? Os óleos Ômega 3 são importantes para a saúde humana e quem se importa como foi produzido ou de onde ele vem?

Reafirmo que não questiono as opções de quem quer que seja, mas também reafirmo que temos a obrigação moral de reconhecer os impactos sociais, econômicos e ambientais destas opções.

Graças ao consumo insustentável de hoje, os que aqui estiverem em 2050 consumirão muito menos, simplemente porque haverá muito menos que consumir.

E esta será uma das consequências de nossas opções, inclusive de fazer de conta que os problemas não existem.

Henrique Cortez, henriquecortez{at}ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate

[EcoDebate, 05/03/2009]

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