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Artigo

Um dia no Cerrado em declínio, estufa no DF, por Rodolfo Siqueira de Brito

É estarrecedor o que está acontecendo diante de nossos olhos, nas
duas últimas semanas não pude deixar de perceber situações que
indicam a desordem climática em que vivemos atualmente no Cerrado do
Brasil.

Após mais uma noite mal dormida, em que o calor abafado e incessante
me faz companhia tão fiel quanto o meu travesseiro, acordo bem cedo
para ver as primeiras notícias na TV, com o espinhaço em pêlos vejo a
menina do tempo anunciar com um sorriso débil que o tempo será “bom”,
ensolarado e quente em todo o Brasil, com algumas chuvas espaçadas no
sul e no sudeste.

A previsão para o cerrado é precisa como um relógio, não é novidade
saber que o tempo será quente e abafado sem previsão de chuvas.

Quando cheguei em Brasília, no final dos anos 80, antes do superávit
primário bombeado pelo agronegócio, lembro-me de um Cerrado mais
fresco e aprazível onde as chuvas de outono caíam deliciosamente após
o pôr do Sol. Não haviam tantas cidades adjacentes mal planejadas e
nem queimadas gigantescas para criar pasto e plantio de monoculturas
geneticamente bizarras.

Entre um gole e outro de café assisto mais algumas notícias sobre a
transposição do Rio São Francisco , o governo do Brasil insiste em
colocar muito dinheiro na obra errada, no alto de sua arrogância se
esquiva do saudável debate técnico que questiona fatos, dados
hidráulicos, biológicos e diagnósticos sócio-culturais.

Há mais notícias sobre denúncias, processos, CPIs e mil falcatruas
corriqueiras na política de um país onde é permitido roubar.

Saí para o trabalho resignado, a esperança é um filete verde de
alegria ao ver um belo ipê amarelo numa das “entrequadras” da Asa
Sul.

A paisagem de Brasília é linda, ao olhar o horizonte se vê o azul do
céu mais bonito que pode existir, não vemos montanhas, há um “mar” de
Cerrado ao longe que forma um “rodapé” verde para a enorme “cúpula”
azul de céu que nos envolve, é única.

Nestes dias de descontrole climático, queimadas e soja, é possível
perceber uma camada estática de poeira e fumaça que tem distorcido
aos poucos as cores do azul do céu

O azul do céu está um pouco mais fosco, meio que querendo ser um
cinza levemente avermelhado, é a tal da camada de poeira e fumaça que
não se move e esquenta o ar como um todo, não há ventos e o ar está
parado, a população sente e o assunto salpica entre os elevadores,
rodoviárias e bares do Distrito Federal.

Já temos o nosso efeito estufa! É a conseqüência natural das
queimadas e das monoculturas no Cerrado e na Amazônia que está
chegando para interferir na regulagem dos ares-condicionados daqueles
que foram eleitos para defender os interesses do povo em Brasília.

O microclima da Granja do Torto já sente um dos crescentes sintomas
do desrespeito à Natureza. Ela se regula e o homem vai pagar o preço
da arrogância.

O dia inteiro é quente e o consumo de água é alto, isso é natural
pois a população precisa atender suas necessidades básicas. Apesar
disso, o uso racional da água é uma necessidade em todo o país e deve
ser incentivado.

Alguém pode explicar para os governantes que as árvores são sagradas
e funcionam como borrifadores naturais de vapor d’água na atmosfera ?
Sem elas não haverá mais rios e chuvas. É dever inadiável de todos,
preservar e plantar árvores.

A combinação do clima descontrolado e o crescimento populacional é a
receita para uma calamidade inevitável, nesse caso, os pacientes, que
somos nós, sociedade e governo, temos seguido a receita à risca,
quase um suicídio.

As tecnologias e as soluções dadas pelos órgãos de gestão ambiental
apontam obras, diretrizes e tecnologias que só conspiram para o
agravamento da crise climática. É tempo para novas tecnologias, eco-
tecnologias.

Dia trabalhado e dever cumprido, assim consigo sustentar minha
família e pagar meus impostos. Ah… se não fossem impostos ! Deve
ser imposto também ao governo as ações para resolver o problema do
povo. Imposto, que palavra.

Ao cair da noite as amigas cigarras iniciam seu canto, elas sabem que
nessa época do ano e nesse horário do dia a chuva deveria estar
chegando para trazer vida ao Cerrado. Elas cantam e gritam, mas a
chuva não vem, os sons são sincronizados e parecem preces à Natureza
para que a água venha abençoar a todos.

Mal sabem elas que lá de longe, o homo nem tão sapiens assim fez
coisas tão horríveis que não permitiram que o ar recebesse as águas
das árvores para que a chuva pudesse cair aqui para refrescar mais
uma noite quente no Plano Piloto.

Rodolfo Siqueira de Brito
Engenheiro civil e morador da SQS 412

In Portal EcoDebate, www.ecodebate.com.br , 15/05/2005

One thought on “Um dia no Cerrado em declínio, estufa no DF, por Rodolfo Siqueira de Brito

  • DIA 11 DE SETEMBRO, dia nacional do Cerrado, faremos uma bela manifestação pacífica na Esplanada dos ministérios, onde será entregue lista de assinaturas pela aprovação da PEC 115/95

    PEC 115-A, de 1995 — Cerrado – Comissão Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 115-A, de 1995, que “modifica o parágrafo 4º do art. 225 da Constituição Federal, incluindo o cerrado na relação dos biomas considerados Patrimônio Nacional”.

    Dia do Cerrado

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