EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Sobre nascentes e rios, artigo de Osvaldo Ferreira Valente

Foto de satélite: Pequena bacia hidrográfica (42 ha)
Foto de satélite: Pequena bacia hidrográfica (42 ha)

[EcoDebate] Ao passar sobre uma ponte, na cidade ou no campo, fico a imaginar, por várias vezes, se outras pessoas que fazem o mesmo já tiveram a curiosidade que sempre me assalta: de onde vem aquele curso d’água? Ele é um caminho pelo qual serpenteiam volumes de água. E caminhos têm sempre os seus inícios. Se for uma grande ponte sobre o Velho Chico, muitos vão dizer que o início está na Serra da Canastra. Isso foi aprendido na escola e está parcialmente correto.

As nascentes são os inícios de pequenos córregos que, ao se juntarem, formam ribeirões e rios. Grandes rios como o Velho Chico são formados por inúmeros córregos, com muitos inícios, e o da Serra da Canastra é oficialmente o mais distante, só isso, pois todos os outros são tão importantes quanto ele. E nascentes são manifestações superficiais de água armazenada nos chamados lençóis subterrâneos que são abastecidos por parte das águas de chuvas que penetram no solo pelo fenômeno conhecido por infiltração. Tudo isso faz parte do ciclo hidrológico, cujo entendimento não pode ficar restrito apenas àquela forma descritiva vista na escola, ou, no outro extremo, confiscado pelos engenheiros em equações matemáticas e em representações que não estão ao alcance de quem não tem formação específica.

Eu sou especialista em hidrologia aplicada ao manejo de pequenas bacias hidrográficas, onde estão as nascentes, e, de uns tempos para cá, depois de me aposentar como professor universitário, resolvi dedicar-me à divulgação dos conhecimentos hidrológicos em forma acessível ao público em geral. O objetivo é fazer com que todos possam ter a mesma curiosidade que eu tenho ao cruzar uma ponte e ter idéia dos vários processos envolvidos na formação e manutenção do curso d’água que passa sob ela. Eu só acredito na otimização do ciclo hidrológico para suprimento de água se a comunidade estiver consciente do resultado de seus comportamentos diários.

Tirar esse assunto das salas acadêmicas, dos seminários científicos e técnicos, dos livros repletos de modelos matemáticos e da vaidade de muitos, é absolutamente essencial, pois as interações diárias da população com a água estão muito além daquelas preocupações expostas nas estatísticas que falam das quantidades de água no mundo e no Brasil, que mostram o perigo da escassez e os exageros do consumo. Interações muito mais importantes são as originadas no recebimento e no tratamento das chuvas que chegam às superfícies. Nas áreas urbanas, por exemplo, há uma intenção clara de os moradores tentarem se livrar rapidamente daquele volume de água que normalmente cai em seus domínios. As áreas cimentadas e com queda para a rua são providências para entregar a água rapidamente ao poder municipal e ganhar o direito de reclamar dos incômodos que ela acabará causando: danos aos pavimentos, estouro de tubulações, inundações, arraste de terra e de lixos etc. Isso é uma interferência muito séria no funcionamento do ciclo hidrológico, pois estamos impedindo uma fase importante do mesmo que é a infiltração e o abastecimento dos lençóis subterrâneos. Em pouco tempo, as áreas urbanas estão ficando totalmente impermeabilizadas e é só lembrar que uma chuva forte, capaz de produzir 20 milímetros de precipitação, sobre um lote de 450 metros quadrados, impermeabilizado, vai lançar na rua um volume de 9.000 litros de água, ou 9 caixas daquelas de 1.000 litros, muito comuns nas residências.

Em resumo, os rios precisam das nascentes, as nascentes precisam dos lençóis subterrâneos e os lençóis dependem da infiltração de parte das águas de chuvas. Precisamos mostrar, de maneira clara e objetiva, como esse processo se desenvolve na prática e nos diversos ecossistemas hidrológicos e indicar os princípios em que se baseiam as técnicas de conservação capazes de privilegiarem o seu lado virtuoso. Por isso, este artigo é o primeiro de uma série que pretendo escrever para desmistificar a idéia de que hidrologia é uma coisa que só poderá ser entendida por conhecedores de teorias físicas e matemáticas mais complexas. A hidrologia de pequenas bacias hidrográficas, aquela em que está baseada a conservação de nascentes, pode é precisa ser conhecida por muitos que teimam em salvar nossos córregos, ribeirões e rios apenas aplicando leis e fazendo planos diretores que não passam de uma contabilidade de água e um conjunto de necessidades e intenções. Enquanto isso, as nascentes minguam a cada ano e nós vamos perdendo a guerra pela água nossa de todo dia.

Osvaldo Ferreira Valente, Engenheiro Florestal, Especialista em Hidrologia e Manejo de Pequenas Bacias hidrográficas e Professor Titular aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV); ovalente@tdnet.com.br

* Artigo enviado pelo Autor, Osvaldo Ferreira Valente, colaborador e articulista do EcoDebate
[EcoDebate, 20/11/2008]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

4 thoughts on “Sobre nascentes e rios, artigo de Osvaldo Ferreira Valente

  • O Autor da matéria foi bastante claro e objetivo na sua exposição.

    Os Profissionais da Área do Ensino / Educação Brasileira pode / deve preparar melhor os Futuros Cidadãos Brasileiros – todos precisam aprender a parar sobre uma ponte e fazer as mesmas reflexões desse autor.

    As crianças e os jovens, também, precisam ser preparados para entender melhor e corretamente a importância dessas águas para toda a Biodiversidade do Planeta Terra – todos, nós adultos, precisamos aprender a aprender e nisso requer muito empenho e persistência.

    Com muitas FERROVIAS no Brasil todos os PAIS poderiam melhor realizar a sua parte, mas para isso precisamos, também, aprender a cobrar dos nossos Governantes e Parlamentares Investimentos SÉRIOS / ÉTICOS na Área do Ensino / Educação, como, também, em todas as Áreas que não dão VOTOS.

    DIVULGUEM isso poderá fazer a diferença ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !

    MISSAO TANIZAKI

    Fiscal Federal Agropecuário
    Bacharel em Química
    missao.tanizaki@agricultura.gov.br (NEW)
    Esplanada dos Ministérios, Bloco “D”, Sala 346-B, Brasíla/DF
    TUDO POR UM BRASIL / MUNDO MELHOR

  • Ótima essa idéia de trabalhar a questão das nascentes e rios. Com certeza estarei sempre por aqui, acompanhando cada artigo!

Fechado para comentários.