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Mercado exige características distintas de produção de farinha de tapioca em duas regiões no estado do Pará, por Raimundo Nonato Brabo Alves e Moisés de Souza Modesto Júnior

Raimundo Nonato Brabo Alves1, Moisés de Souza Modesto Júnior2

[EcoDebate] O Estado do Pará lidera a produção de mandioca, com participação de 20,54%. Em segundo o Paraná com 16,52%, a Bahia com 9,41%, o Maranhão com 6,53% e São Paulo com 6,17%. Esses estados somam 59,17% do volume produzido pelo País, em 2012 (IBGE, 2012).

No Pará, a mandioca é matéria prima de farinha de mesa, farinha de tapioca, goma (amido a 45% de umidade) e fécula. As folhas são moídas e fervidas para preparo da maniçoba. Na prensagem da massa de mandioca amarela sai o tucupi, usado no preparo de pratos tradicionais da culinária paraense, como o pato no tucupi e o tacacá.

A farinha de tapioca feita com a goma (fécula a 45% de umidade), tem característica granular irregular, coloração branca alva a amarelada, crocrante, com elevado teor de amido e baixo teor de proteína, portanto constituindo-se em um alimento altamente calórico. Segundo Cereda e Vilpoux (2003), a tecnologia de fabricação de farinha de tapioca surgiu aproximadamente em 1940, na Vila de Americano, pelo produtor João Miguel. Nesse local, estima-se que existem cerca de 140 fabriquetas de farinha de tapioca que importam a fécula do Estado do Paraná (ALVES e MODESTO JÚNIOR, 2012). Guimarães et al. (1988) relatam que a farinha de tapioca é um produto artesanal do Estado do Pará e que são raras as informações na literatura a respeito desse produto.

Hoje a farinha de tapioca é fabricada em várias comunidades e em diferentes municípios do Estado do Pará com destaque para Santa Isabel e Santarém. Por exigências de mercado existem diferenças no processo de fabricação que interferem nas características do produto em ambos os municípios. Em Santarém é produzida pela comunidade de Boa Esperança, que atende o mercado da região do Baixo Amazonas e difere da produzida em Santa Isabel pelo Distrito de Americano que atende a região Metropolitana de Belém.

A comunidade de Boa Esperança tem maior autonomia no processo de fabricação da farinha de tapioca, pois as farinheiras utilizam como matéria prima a raiz da mandioca produzida na própria comunidade, enquanto que as farinheiras do Distrito de Americano importam toda a fécula do Estado do Paraná estimada em 8,48 mil toneladas, representando um mercado da ordem de 17,81 milhões de reais por ano, considerando o preço da fécula no Paraná no valor de R$ 2.100,00 a tonelada, em outubro de 2013 (ALVES e MODESTO JUNIOR, 2012). O Estado do Paraná detém 56% das fecularias e concentra 68% da capacidade instalada total no país (GROXKO, 2011).

O consumo de fécula na região Norte corresponde a 2,1% da produção nacional que foi em 2012 de 519,67 mil toneladas. Neste ano, de acordo com Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP) o Pará produziu 3.000 toneladas de fécula o que corresponde a 0,6% da produção nacional, mesmo tendo uma capacidade instalada para processamento de 200 toneladas/dia.

Portanto, o processo de fabricação de farinha de tapioca utilizado em Boa Esperança difere do Distrito de Americano, pois inicia a partir da raiz de mandioca para extração da goma, passando pelas etapas de descascamento, lavagem, trituração, adicionamento de agua e maceramento, peneiramento e decantação. A outra diferença é que não é feita a etapa de escaldamento como ocorre em Americano, indo a massa diretamente do encaroçamento para a torragem. O processo de encaroçamento nas farinheiras da comunidade de Boa Esperança é feito em uma esteira vibratória de tela elétrica enquanto que nas farinheiras de Americano é feito em betoneira elétrica adaptada, com a retirada das aletas de turbilhonamento, conforme fluxogramas na Figura 1.

Em ambas as comunidades as farinheiras são de instalações rústicas, piso com revestimento de cimento, cercado de grade de madeira de 2 m, estrutura de madeira roliça, cobertura de telha de concreto, sem divisórias. Essa observação também foi constatada porPonte (2000) como característica predominante nas farinheiras do Distrito de Americano. Na Figura 2 observa-se a etapa de torragem da farinha de tapioca feita no Distrito de Americano.

 Fluxogramas de fabricação de farinha de tapioca nos municípios de Santa Isabel e Santarém, Pará, 2013

Figura 1 – Fluxogramas de fabricação de farinha de tapioca nos municípios de Santa Isabel e Santarém, Pará, 2013.

Figura 2. Etapa de torragem da farinha de tapioca fabricada no Distrito de Americano, Estado do Pará, 2013.

Figura 2. Etapa de torragem da farinha de tapioca fabricada no Distrito de Americano, Estado do Pará, 2013.

As farinheiras do Distrito de Americano substituíram a lenha por caroço de açaí na queima dos fornos de farinha. Observou-se melhor uniformidade no aquecimento dos fornos queimando caroço de açaí com ventilação forçada e menor produção de fumaça que quando da queima de lenha. As farinheiras da comunidade de Boa Esperança em Santarém continuam queimando lenha.

A substituição pelo caroço de açaí em Americano deve-se a dificuldade crescente de acesso à lenha pelas restrições ambientais. De acordo com Lopes (2006), 61,3% dos agricultores de três comunidades nos municípios de São Domingos do Capim e Mãe do Rio, no Nordeste Paraense, também utilizam a lenha para fabricação de farinha de mesa e cocção de alimentos. Para Homma (2001), uma das grandes limitações dos atuais produtores de farinha se refere ao insumo lenha, que chega a participar entre 10 a 15% do custo de produção. Esse autor destaca que há necessidade de políticas para auxiliar os produtores desse segmento, citando, dentre muitos exemplos, a implantação de casas de farinha comunitária e mecanização parcial do processo de fabricação de farinha. Frente ao rigor da fiscalização ambiental, faz-se necessária a implantação de políticas públicas para o plantio de florestas energéticas, visando ao atendimento do suprimento de energia na forma de lenha para esses arranjos produtivos. Em empreendimento de fabricação artesanal de derivados de mandioca, como o tucupi e a goma, os agricultores consomem em torno de 6 m³ de lenha por mês, correspondendo a 5,64% dos custos de produção de 1.440 litros de tucupi e 680 kg de goma por mês (MODESTO JÚNIOR e ALVES, 2012). Um empreendimento de fabricação de farinha no município de Castanhal, Estado do Pará, gasta em media 40 m3 de lenha para produzir 280 sacos de farinha, correspondendo a 9,18% dos custos totais de produção em março de 2013 (MODESTO JÚNIOR e ALVES, 2013) .

Pesquisas comparando duas farinhas, uma produzida na região Bragantina e outra produzida no Baixo Amazonas, feitas por Silva et al, (2013) identificaram perfis granulométricos distintos e diferença significativa ao nível de 5% de probabilidade para a maioria dos parâmetros físico-químicos e tecnológicos analisados. A farinha de tapioca proveniente do Baixo Amazonas apresentou maior umidade (10,7%), em função da maior capacidade de adsorver água, devido a sua maior área específica (menor granulometria) e a coloração é amarelada em relação à de Americano que é branca. A microscopia óptica com luz polarizada, juntamente com as características dos dois produtos indicou a inexistência de um processo padrão utilizado na produção da farinha de tapioca.

De acordo com informações dos produtores de ambas as localidades, as diferenças são impostas pelos mercados locais, cujo consumo predominante é feito com açaí e café. O mercado do Baixo Amazonas não aceita farinha com as características da produzida em Americano no Nordeste Paraense e vice-versa.

REFERÊNCIAS

ALVES, R.N.B.; MODESTO JÚNIOR, M. de S. Custo e rentabilidade do processamento de farinha de tapioca no distrito de americano, município de Castanhal, Pará. Belém: Amazônia: Ciência e Desenvolvimento, v 8, n. 15, jul./dez. p. 7-18, 2012. Disponível em: http://www.bancoamazonia.com.br/bancoamazonia2/Revista/revistaamazonia15.htm. Acesso em: 23 de jul/2013.

ALVES, R.N.B.; MODESTO JÚNIOR, M. de S. Impacto econômico-financeiro de inovações no processamento de farinha de tapioca, no município de Santa Isabel do Pará: um estudo de caso no Distrito de Americano. Belém: Amazônia: Ciência e Desenvolvimento, 2013 (No prelo).

CEREDA, M. P.; VILPOUX, O. F. Processos de fabricação de sagu, tapioca e farinha de tapioca. In: _____  (Coord.). Tecnologia, usos e potencialidades de tuberosas amiláceas Latino Americanas. São Paulo: Fundação Cargill, p. 220-245, 2003. (Culturas de Tuberosas Amiláceas Latino Americanas, 3).

CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA. Produção de fécula fica estagnada e margem diminui em 2012. São Paulo, SP: Eslq/USP. 2013. Disponível em: http://www.cepea.esalq.usp.br/pdf/Cepea_CensoFecula2013.pdf. Acesso em: 06 de Ago./2013.

GROXKO, M. Mandiocultura. Paraná: Secretaria de Agricultura e do Abastecimento, Departamento de Economia Rural, 2011, 14p. Disponível em: http://www.agricultura.pr.gov.br/arquivos/File/deral/mandiocultura_2011_12.pdf . Acesso em: 18 de Set/2012.

GUIMARÃES, M. C.F.; BARBOSA, W.C.; OLIVEIRA,M. L. S.; LIMA, C. L. S. Caracterização tecnológica e química do produto farinha de tapioca. In: ENCONTRO DE PROFISSIONAIS DE QUÍMICA DA AMAZÔNIA, 6, Manaus, 1998. Anais… Manaus: Associação dos Profissionais de Química da Amazônia, 1998. p. 179-188.

HOMMA, A.K.O. O desenvolvimento da agroindústria no Estado do Pará. Saber Ciências Exatas e Tecnologia, Belém, v.3, p.49-76, jan/dez, 2001. Edição especial.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Banco de dados SIDRA, 2012. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/prevsaf/default.asp . Acesso em 24 de jun./2013.

LOPES, B. M. USO DA CAPOEIRA NA EXTRAÇÃO DE LENHA: em três comunidades locais no pólo Rio Capim do PROAMBIENTE – PA. Belém: Universidade Federal do Pará, 2006. 184. (Tese de Mestrado). Disponível em:http://www.cultura.ufpa.br/cagro/pdfs/AA_Agriculturas_Amazonicas/AA_BARTO_MONTEIRO_LOPES.pdf . Acesso em 27 de Ago./2012.

MODESTO JÚNIOR, M. de S.; ALVES, R. N. B. Fabricação artesanal de derivados de mandioca: tucupi e goma. São Paulo, Portal Dia de Campo, 09/04/2012. Disponível em: http://www.diadecampo.com.br/zpublisher/materias/Materia.asp?id=26331&secao=Artigos%20Especiais. Acesso em 17 de abr./2012.

MODESTO JUNIOR, M. S.; ALVES, R. N. B. Minha farinheira meu grande negócio. Belém: Ver-a-Ciência, n. 4, jun/set, p. 44-49, 2013. Disponível em: http://www.veraciencia.pa.gov.br/upload/arq_arquivo/123.pdf. Acesso em: 02 de ago./2013.

PONTE, L. A. S.X. Tradição e Mercado – Os produtores de farinha de tapioca no Distrito de Americano-PA: suas representações e identidade. Belém, PA: UFPA, 2000, 125 p. Dissertação de Mestrado.

SILVA, P. A.; CUNHA, R. L.; LOPES, A. S.; PENA, R. DA S. Caracterização de farinhas de tapioca produzidas no estado do Pará. Ciência Rural, v.43, n.1, jan, 2013.

1 Eng.agrônomo, M.Sc. em Agronomia. Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Caixa Postal 48, CEP 66095-100, Belém, PA. E-mail: raimundo.brabo-alves@embrapa.br

2 Eng.agrônomo, Especialista em Marketing e Agronegócio. Analista da Embrapa Amazônia Oriental. E-mail: moises.modesto@embrapa.br

 

EcoDebate, 17/10/2013


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