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Notícia

Romaria da Terra e das Águas denuncia a CENIBRA

CENIBRA: destruição da biodiversidade e da vida dos trabalhadores
Por Dom Tomás Balduino, Profa. Delze dos Santos e Frei Gilvander Moreira, pela CPT Nacional e de Minas Gerais

Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes elevou. Saciou de bens os famintos e despediu ricos de mãos vazias.” (Lc 1,52-53).

A glória de Deus brilhou, dia 17 de agosto de 2008, na 12ª ROMARIA DA TERRA E DAS ÁGUAS de MINAS GERAIS, no distrito de Cachoeira Escura, município de Belo Oriente, no Vale do Aço, diocese de Itabira e Cel. Fabriciano, MG. O povo abriu as portas e corações para receber, durante uma semana, dezenas de missionários/as que visitaram 25 comunidades do município preparando a 12a Romaria. O tema foi: Terra e água, clamor de vida, e o lema: Lutar pela terra e pela Água é preservar a vida! Cerca de dez mil romeiros e romeiras, vindos de muitos lugares de Minas, com alegria, fé e coragem, pé na caminhada, celebraram e se animaram. “Uma beleza!” exclamavam romeiros e romeiras. “Um pedacinho do céu na terra. Não perderei mais nem uma Romaria. Aqui a gente se liberta. A Romaria cura a cegueira de muitos”.

Esta Romaria foi toda ela simbólica, foi celebrada de ponta a ponta no confronto com o sinal de contradição daquela região, a saber, a CENIBRA. O início da caminhada foi precisamente em frente à entrada principal desta transnacional.

Participaram dois bispos, Dom Lelis Lara e Dom Tomás Balduino. O bispo diocesano, Dom Odilon Guimarães Moreira, no momento participando do COMLA 8, no Equador, deixou uma belíssima carta de total apoio e estímulo aos objetivos da Romaria. “Poluir as águas, acabar com a terra e com as águas é caçar a morte com as próprias mãos. É suicídio. Ou salvamos a natureza, ou não teremos condições de sobreviver. Desenvolvimento material sem desenvolvimento social é antievangélico”, disse dom Odilon.

Abrindo a motivação da caminhada, Dom Tomás disse: “Nunca vi, em minha experiência de romarias, tantos policiais, com tantas viaturas como aqui. Será que vieram para defender estes irmãos e irmãs brasileiros em caminhada de celebração da fé ou foi em defesa desta multinacional, a CENIBRA, que destrói a natureza e explora o povo? Jesus nos ensinou, dirigindo-se a Pedro: ‘Põe a tua espada na bainha, pois quem fere com a espada com a espada será ferido’. Se esta gente está pensando que vamos usar a violência contra o Faraó da CENIBRA e suas milhões de mudas de eucalipto, pode ir embora. Mas, se está aqui porque é conivente com estes opressores do povo pode ficar com medo mesmo, porque a 12a Romaria da Terra e das águas vai usar a espada da Palavra, espada de dois gumes, vai anunciar a boa nova do Reino e denunciar toda injustiça que aqui é cometida”. Padre Luís Carlos, pároco e anfitrião da 12a Romaria falou, com intrepidez, das injustiças praticadas pela CENIBRA e disse ainda que “a polícia, naquele momento tão numerosa para proteger a empresa, não aparece na cidade para dar segurança ao povo no dia a dia”.

Frei Gilvander comunicou ao povo que todos os ônibus que levavam romeiros a Belo Oriente foram parados e revistados pela polícia. Os mais discriminados foram os membros da Congada de Coronel Fabriciano. Policiais, ao revistar os ônibus de romeiros, alertavam: “Vocês são de igreja. Cuidado. O povo lá da Romaria é perigoso. Se houver tentativa de ocupar a empresa, não participem. Corram de volta e entrem nos ônibus de vocês.” A multidão religiosa foi celebrar uma caminhada, porém a influência política da empresa conseguiu do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, cerca de 300 policiais e transformou aquela santa Romaria num caso de polícia.

Afinal, o que é a CENIBRA? Sua decodificação é CElulose-NIpo-BRAsileira. É uma transnacional criada em 13/09/1973, com 100% do capital japonês. Produz mais de 840 mil toneladas de celulose por ano. Em 47 municípios mineiros possui 231.318 hectares de terras, com 121.936 hectares de eucalipto. 94% da celulose produzida pela CENIBRA é exportada em fardos de 250 Kg a partir do Portocel, no Espírito Santo, porto exclusivo da Aracruz Celulose e da CENIBRA. (Dados de cartilhas da CENIBRA.)

Ao longo da BR 381 a empresa espalhou outdoors propalando “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL”. O que se constata, porém, da parte dela é um gigantesco crime ambiental e social. As cidades de Belo Oriente e Cachoeira Escura (e dezenas de municípios que produzem eucalipto para a CENIBRA) estão totalmente tomadas por eucaliptais. Nem árvores ornamentais, nem fruteiras, nem os paus d’arco floridos desta época do ano. Fora desta monocultura só se vê solo arrasado, com grandes erosões e voçorocas, nenhuma mata nativa, nenhuma vegetação, mesmo rasteira. A água que abastece a cidade é escassa e de má qualidade em razão da carga pesada de agrotóxicos nos eucaliptais. Os dejetos industriais venenosos são lançados diretamente no Rio Doce, a 40º centígrados, inviabilizando a vida aquática.

O ar é fétido. O mau cheiro exalado da indústria de celulose da CENIBRA contamina a atmosfera até 70 quilômetros em torno. Ela poupa filtros para lucrar mais financeiramente. A exceção foi na semana da Romaria. Alguém do lugar disse: “deveria haver uma Romaria toda semana para a empresa respeitar mais o povo”. A cidade está coberta por nuvens de pernilongos que proliferam nas poças de água parada, já que os rios e riachos não correm mais. As pessoas não têm como dormir e são perturbadas pelas picadas destes insetos até no trabalho.

Apesar da recepção carinhosa aos romeiros, era visível o medo de muitos moradores temendo as represálias da empresa à acolhida aos missionários da Romaria. A CENIBRA praticamente monopoliza os empregos no município. Quase todas as famílias dependem, para sobreviverem, dos salários dela ou das diversas empreiteiras. Não há alternativas ao monopólio do trabalho. Todos os empregos diretos e indiretos são controlados pela atividade da monocultura do eucalipto e pela indústria da celulose. Até mesmo a feira, que funciona em uma praça, às sextas-feiras, é explorada por empreendedores de Ipatinga e de outras cidades. Nem mesmo a venda de alimentos ou artesanatos é organizada por moradores locais. Não existe experiência de economia popular solidária.

A construção das casas é resultado de muita improvisação. Esteticamente são mal cuidadas, retrato da falta de condições financeiras e da perda da identidade cultural e da auto estima das famílias. Os jovens não têm nenhuma perspectiva de trabalho. Somente parte dos homens tem ocupação garantida e mal remunerada. As atividades econômicas, monopolizadas pela empresa, praticamente excluem as mulheres de qualquer iniciativa, o que reforça a cultura do machismo, pois a mulheres ficam totalmente dependentes. Uma mulher desistiu de participar da Romaria alegando: “Se meu marido souber que eu estou participando da Romaria, ele me mata.” Sentimos que muita gente ficou intimidada e não teve coragem de participar. Mas um dos cantores que ajudou na animação da 12a Romaria desafiou: “Trabalho na CENIBRA. Por estar aqui em cima do trio elétrico cantando e ajudando na animação sei que poderei ser demitido amanhã, mas não abaixo a cabeça.”

E os romeiros, o verdadeiro povo de Deus, foi caminhando e cantando: “Salve, salve a caminhada! Salve, salve a Romaria! Em busca da nova aurora, de um novo dia!…” A Romaria foi organizada como uma grande liturgia eucarística. Constou da Celebração da Palavra durante a caminhada e da Fração do Pão eucarístico no ponto final.

À frente do cortejo ia a grande cruz de madeira roliça trazida do Assentamento Chico Mendes II. Em seguida o povão, com faixas, cartazes e símbolos. No meio os congos paramentados, cantando e dançando ao som das violas e dos tambores. Quatro quilômetros de puxada caminhada, em dia de sol, porém vibrante de alegria e cheia de esperança na certeza da presença principal do Deus-conosco, mais a memória de todos os nossos mártires caídos na mesma luta de todos nós pela justiça na terra e nas águas, pela reforma agrária, pela educação e pela saúde de qualidade para todos, pela dignidade do trabalho para o homem e para a mulher, enfim, pela incansável luta pelo Brasil dos nossos sonhos. Uma grande manifestação de fé e de civismo, num clima de grande liberdade, de cidadania plena e de consciente co-responsabilidade de cristãos e cristãs na construção da cidade humana onde mora Deus. Do trio elétrico iam se sucedendo as falas dos companheiros de lutas específicas, como os do MST, do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens -, dos quilombolas, da FETRAF – Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar -, da Via Campesina, do Movimento ambientalista que luta contra as mineradoras depredadoras, …

Todos os participantes da 12ª Romaria levavam no coração a certeza de que há muito a se fazer. Presentes os cristãos de várias bandeiras, os sem-terra, os atingidos por barragens, os quilombolas, as mulheres, as lideranças de movimentos sociais urbanos e rurais, todos com uma esperança/missão: mais vale a organização dos trabalhadores, a economia popular solidária, a agricultura familiar agroecológica do que a farsa dos megaprojetos de monocultura do agro-hidro-negócio que ameaça não apenas os bens naturais da região, mas, sobretudo, a convivência humana e a perpetuação da vida no Planeta.

Ao chegar à praça da celebração concluiu-se o extenso ato penitencial e de compromisso. Houve um bom espaço para o lanche.

A última parte daquela grande Eucaristia foi a leitura do Evangelho do canto de Maria em visita à Prima Izabel (Lc 1,46-55). Maria foi saudada como a grande romeira que, cantando, ensinou a nós todos como de fato o Reino de Deus está presente entre nós nos pequenos sinais e nos gestos do povo, de indignação contra as injustiças, de solidariedade, de amor fraterno, de dom de si, de construção de um mundo novo a partir do nosso dia a dia.

Aí veio a consagração e o Pão partilhado, objetivo final de nossa Romaria. Houve bênção e distribuição de sementes crioulas e de lindas mudas de palmeiras. Houve, finalmente a bênção e o envio do povo para a mesma missão concreta que Jesus recebeu do Pai e nos confiou. Amém! “Salve, salve a caminhada! Salve, salve a romaria! Em busca da nova aurora, de um novo dia! …” Assim cantaram radiantes de esperança e de alegria os Romeiros e Romeiras da Mãe-Terra e da Irmã Água.

Belo Horizonte, 22/08/2008.

Pela Comissão Pastoral da Terra – CPT – Nacional e de Minas Gerais,
Dom Tomás Balduino, co-fundador da CPT, conselheiro permanente da CPT.
Profa. Delze dos Santos Laureano, mestre em Direito Constitucional, professora de Direito Agrário na Escola Superior Dom Hélder Câmara, em Belo Horizonte; membra da RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares, e-mail: delzesantos@hotmail.com
Frei Gilvander Luís Moreira, mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica e assessor da CPT, CEBs, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br

[EcoDebate, 23/08/2008]