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Lula e a desqualificação dos ambientalistas, artigo de Luiz Carlos Azenha

[Vi o Mundo] Leio no Blog do Planalto que o presidente Lula lembrou que, no passado, se opôs à construção de Itaipu e Belo Monte: “Vocês nem imaginam quantos discursos fiz contra a construção de Belo Monte. E é exatamente no meu governo que ela acontece”, disse Lula na cerimônia que marcou a assinatura do decreto em que concede a Norte Energia — vencedora do leilão para construir Belo Monte — para em seguida pedir ao ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, que fizesse um catálogo de casos bizarros apresentados para barrar a construção das duas usinas.

Zimmermann contou ao Blog do Planalto que o diretor-geral brasileiro de Itaipu, Jorge Miguel Samek, tem um arquivo contendo reportagens publicadas nos anos 80 que diziam, por exemplo, que o lago da usina iria transbordar e provocar alagamento em Buenos Aires, cidade a 1,3 mil quilômetros de Itaipu. Os arquivos mostram também casos mais dramáticos — da criação de uma “bomba atômica” à mudança do eixo da terra ou terremotos provocados pelo peso da área inundada.

Contra Belo Monte, já se disse que a área do reservatório não produzirá energia suficiente que possa justificar o empreendimento — um argumento que, segundo o ministro, vem de quem não conhece a fundo o projeto.

O presidente Lembrou ainda do caso da usina Tijuco Alto, que fica entre os estados de São Paulo e Paraná, outro empreendimento do setor elétrico que enfrenta dificuldades para ser concluído. O impasse, no caso, refere-se a uma caverna que seria alagada. O presidente chamou a atenção para outros casos que geraram embargos em obras do governo, como por exemplo, uma “machadinha” que sinalizaria um sítio arqueológico ou a “perereca” que atrasou as obras de duplicação da BR-101, no Rio Grande do Sul.

*****

Eu, Azenha, sinceramente fico preocupado com essa aparente tentativa de desqualificar os ecologistas e os ambientalistas, como se eles estivessem em busca de um objetivo menor, o de “prejudicar” obras do governo.

É preocupante especialmente diante dos 80% de aprovação popular de que dispõe o presidente da República.

Os ambientalistas argumentam que Belo Monte vai servir, acima de tudo, para produzir energia para consumo da indústria eletrointensiva, como a mineração, que precisa dela para explorar as jazidas da Amazônia. O governo Lula alega que tomou medidas para reduzir o impacto ambiental, para reduzir a área alagada em reservas indígenas e argumenta que as famílias que serão removidas de áreas alagáveis em Altamira já tinham que sair de suas casas na época da cheia.

O vídeo em que o projeto é apresentado coloca seis bodes na sala do internauta (dizendo que havia seis projetos para construir hidrelétricas no rio Xingu), para depois retirar cinco e dizer que ficará apenas um: Belo Monte.

O que Lula deixou de dizer na cerimônia, por desconhecimento ou por não ser conveniente, é que desde que Itaipu foi construída desenvolveu-se uma sólida escola de pensamento que contesta a construção de grandes obras hidrelétricas pelo impacto que causam em todo o curso de um rio, por exemplo. Daí derivaram ideias como a das mini-hidrelétricas, o desmantelamento de barragens para recuperação ecológica e as energias alternativas.

Há sólidos argumentos dos dois lados desta controvérsia, com os desenvolvimentistas dizendo que Belo Monte é melhor que importar gás da Bolívia para tocar termelétricas e que a energia dela é necessária para as populações que já vivem na Amazônia.

Usar esses argumentos é muito melhor que dizer que a obra vai gerar empregos temporários em Altamira ou trazer de volta as teorias bizarras que existiam em relação a Itaipu. Que eu saiba, em relação a Belo Monte, ninguém arguiu que o lago vai oferecer riscos à estabilidade do planeta.

Trata-se de um debate sobre se o Brasil vai promover o desenvolvimento econômico da Amazônia nos mesmos moldes em que ele aconteceu no Sudeste ou no centro-oeste ou se vai reconhecer que, pelas suas condições especiais, a Amazônia será desenvolvida dentro de outro paradigma.

Esse é o debate fundamental que não travamos, já que nesse particular a grande mídia e a oposição concordam com o governo Lula, as grandes construtoras e as grandes mineradoras.

Quando Lula pede a um ministro que traga exemplos de Itaipu para o debate sobre Belo Monte está simplesmente turvando esse debate.

Quando Lula faz piada com a “machadinha” arqueológica ou com a “perereca” que parou uma rodovia, desqualifica o trabalho de gente séria que se dedica à arquelogia e ao ambientalismo. A ausência de uma determinada espécie em um determinado bioma pode não ser considerada dano suficiente pelo presidente da República para atrapalhar uma obra. Mas é engano dele imaginar que a proteção de uma espécie é “frescura”, já que a ausência dela quase sempre é sintoma de desequilíbrio ambiental.

E, como o presidente da República é um humanista, deveria entender que não faz sentido gerar grandes obras que não tenham como objetivo central promover a melhoria de vida dos homens e do meio ambiente em que eles vivem.

Portanto, trazer do passado exemplos de Itaipu e fazer o inventário das “pererecas” e “machadinhas” só serve para mistificar, distorcer ou evitar um debate sério sobre questões sérias. Anedotas presidenciais só contribuem para desqualificar o debate, ainda que se originem num presidente com 80% de aprovação popular.

Opinião originalmente publicada no Blog Vi o Mundo e enviada pelo Movimento Ambientalista Os Verdes de Tapes/RS

EcoDebate, 31/08/2010

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5 thoughts on “Lula e a desqualificação dos ambientalistas, artigo de Luiz Carlos Azenha

  • Dan Moche Schneider

    Excelente texto. Requalifica o debate. Transcrevo de Bentto de Lima, autor que merece ser mais conhecido -o “eco”da ideologia ( disponível em http://www.benttodelima.com.br/upload/avulsos_4/3.pdf):
    “No século XXI, a verdadeira,
    autêntica e necessária revolução
    ecológica constituirá a grande força de
    antagonismo político àqueles que
    hipocritamente irão defender a ecologia
    para, assim, haurir legitimidade. O
    mais angustiante desafio será distinguir
    a sinceridade de propósitos entre
    grupos de discursos formalmente
    semelhantes.”

  • Ótima matéria. Seria bom lembrar ao “companheiro Lula” o que assinou em 1989 após o Encontro dos Povos Indígenas em Altamira com as promessas acerca dos direitos indígenas a respeito dos projetos na Amazônia. Eu posso sempre enviar cópia, juntamente con as perguntas que há várias semanas estou encaminhando para os 3 presidenciáveis a respeito do desastre ecológico e social na Terra do Meio (PARÁ) onde tudo indica che foi utilizado um produto altamente tóxico ( o NUFARM 2,4-D) manipulado com outro produto ainda pior que transforma um herbicída em desfoliante, contaminando solo, água e tudo que for produzido na área que se encontra entre os rios Xingu e Iriri. Esta área DEVE SER BONIFICADA antes de se tornar a fonte de DIOXINAS que iriam ser represadas quando da barragem do Belo Monte ( em 1989 se chamava KARARAÔ = o grito de guerra dos Índios Kayapó). Que tal o Presidente Lula rever e mandar traduzir o que a Índia Tuira carregando o filho dela e passando o facão na cara do engenheiro Nunes da Eletronorte falou?
    Se o Presidente Lula ainda não teve conhecimento do Dossier sobre “As Hidrelétricas do Xingu e os Povos Indígenas” que editamos em 1987, posso sempre encaminhar cópia também para os 3 presidenciáveis juntamnte com as perguntas que já encaminhei para os debates eleitorais e que ainda não foram respondidas.
    Padre Angelo Pansa- Delegado da Fundação Corte Internacional do Meio-Ambiente.

  • Teria sido oportuno que o sr. Ministro de Minas e Energia Márcio Zimmermann tivesse falado também da Usina de Balbina. Este desastre de usina já ainda em fase de construção tinha sido reconhecida “incapaz de gerar a energia planejada” pela Eletronorte, e não aquela de Kararaô. Talvez houve confusão por parte do sr. Ministro a não ser que a barragem de Belo Monte não seja localizada no mesmo rio da barragem de Kararaõ , quer dizer na Volta Grande do rio Xingu, e sim no rio Uatumã reforçado pelas águas do rio Alalaú onde está a barragem de Balbina.
    Padre Angelo Pansa- Delegado ICEF.

  • Quem pode ser a favor do continuísmo?
    Desmatamento de 50% de toda a área de cerrado do país, de 2002 a 2009, e desrespeito a às leis ambientais nacionais e internacionais e direitos humanos na imposição dos projetos de transposição do rio São Francisco e da usina hidrelétrica de Belo Monte. A continuar nesse ritmo…

    Outra falácia alardeada pela propaganda oficial (a exemplo da “tecnologia” das urnas eletrônicas mais atrasadas e vulneráveis do mundo) é a questão social.
    Vejamos os seguintes recordes na área social:
    No IDH, índice de desenvolvimento humano, o Brasil foi ultrapassado por 12 países desde a posse de Lula, enquanto nos governos anteriores o Brasil ultrapassou 14 países em 12 anos. Contrariando a propaganda oficial, o Brasil está perdendo terreno em relação ao resto do mundo.
    Em desigualdade social (índice Gini), o Brasil agora subiu ao pódio pela primeira vez, conquistando o 3.o lugar, atrás apenas do Haiti (destruído pelo terremoto) e da Bolívia, campeã mundial em desigualdade sob o também “reeleito” companheiro Evo Morales, o líder cocaleiro bolivariano.

  • Excelente matéria, caracterizando as contradições entre a propaganda oficial e os atos do governo.
    Além do maior desmatamento da história do país (recorde de 80.000 km2 no primeiro quadriênio do primeiro mandato), este governo está batendo mais um recorde ambiental: METADE do cerrado brasileiro devastado entre 2002 e 2009, segundo dados do próprio governo. Além dos crimes (desrespeito às leis) ambientais do Velho Chico e de Belo Monte, o descumprimento de meta decenal de redução da poluição do óleo diesel (1.850ppm ao invés de 50ppm) pela Petrobrás levará à morte de dezenas de moradores das grandes cidades.
    Vamos apoiar o continuísmo?

Fechado para comentários.