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Ecoinformática, barata e eficiente. Entrevista com Reiner Hartenstein: o paradigma do futuro

Em tempos de crise energética, a solução para o futuro passa pela economia e a rapidez nos processos rodados nas máquinas do cybermundo. Uma das alternativas adota o conceito de computação verde, já em uso na UnB

Não é difícil ficar impressionado com a capacidade de processamento dos computadores atuais. As máquinas de hoje em dia conseguem fazer milhares de operações por segundo, abrindo possibilidades de cálculo e comparações antes inimagináveis para o homem. Mas toda essa parafernália é responsável por um enorme consumo de energia elétrica. Para se ter uma ideia, os servidores do Google nos Estados Unidos respondem por 2% do gasto com eletricidade em todo o mundo. “O atual paradigma da computação é extremamente ineficiente. A computação precisa ser reinventada”, afirma o professor Reiner Hartenstein, da Universidade de Kaiserslautern, na Alemanha. Reportagem de Carolina Vicentin, no Correio Braziliense.


Reiner é considerado o pai da chamada computação verde, conceito que prega o uso de novos processos na engenharia de software para aumentar o desempenho e a economia de energia elétrica. Quase todos os computadores funcionam com base no modelo de von Neuman. John von Neumann foi um matemático húngaro que, por volta da década de 1940, unificou tudo o que se sabia até então sobre a computação.

Grosso modo, ele definiu um método, uma forma de organizar o funcionamento das máquinas que é usada até hoje. Segundo esse padrão, o computador deve rodar a partir de instruções, uma após a outra, desde o usuário até o processador. Só que esse caminho é longo, as instruções precisam passar por várias camadas de software até que cheguem ao núcleo do PC na linguagem que ele entende, a binária(1).

Essa lógica é demorada e dispendiosa. “As instruções têm que ser processadas no processador, mas elas estão na memória e tudo tem que ser feito passo a passo, sequencialmente”, detalha o professor Carlos Llanos, do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília. Ele é um dos professores da UnB que aposta em uma tecnologia mais eficiente. O FPGA (Field Programmable Gate Array, na sigla em inglês) é um dispositivo de hardware programável. Esse tipo de placa, que existe no mercado desde 1984, permite que as instruções sejam inseridas diretamente no hardware, na parte física do computador.

Difusão
Com esse dispositivo programado para fazer determinadas tarefas, elimina-se a parte de mandar instruções, uma vez que essas já foram codificadas na placa. Se, por exemplo, nos atuais computadores, um comando gera 50% de dados e 50% de instruções, com o FPGA ficariam somente os 50% relativos aos dados, ou seja, o fluxo de informações seria reduzido pela metade e, consequentemente, haveria menos gasto com energia elétrica. Além disso, o processamento também ficaria mais rápido. Hartenstein acompanhou testes de placas FPGAs para rodar programas decodificadores de criptografia. A placa programável foi 28 mil vezes mais rápida do que um processador comum.

Mesmo diante de todas essas vantagens, o uso desse tipo de dispositivo ainda não está difundido entre profissionais e estudantes da área. “É um problema educativo, precisamos descobrir como fazer livros, treinar professores para que mostrem aos seus alunos as duas possibilidades: programar em sofware e em hardware (na FPGA)”, aponta o professor Carlos Llanos.

Na UnB, há uma série de projetos que utilizam as FPGAs, entre eles alguns de biocomputação (uso de máquinas para detecção de sequências de genoma) e de robótica. “Estamos agora dando um grito. Há uma crise energética aí, nós temos a solução, mas há o problema da mudança de paradigma. Mudar a cabeça das pessoas não é fácil”, observa o professor Llanos.

1 – Zeros e uns
Para processar todos os elementos que precisa, a máquina usa uma linguagem muito simples, chamada de linguagem binária, representada por zeros e uns. O processador apenas mede a tensão, que varia entre 0 e 5 volts. Tudo que estiver mais perto de 0 é considerado 0, e tudo que estiver mais perto de 5 é considerado 1.

Entrevista – Reiner Hartenstein: o paradigma do futuro

O professor Reiner Hartenstein, 75 anos, docente emérito da Universidade de Kaiserslautern, no sudoeste da Alemanha, é uma daquelas pessoas que realmente acredita na capacidade de transformação de conceitos. Ele viu, ao longo das últimas décadas, a evolução dos computadores e da internet. Porém, nunca se conformou com o formato adotado pela maioria das máquinas. Em entrevista ao Correio, ele falou sobre a ineficiência delas e sobre a urgente necessidade de se mudar a forma de fazer computação. Leia trechos da conversa:

Por que é importante pensar em uma computação mais sustentável?
O consumo de todos os computadores do mundo está crescendo muito. Provavelmente, dentro de dois anos, nós vamos ter problemas por causa do alto custo da energia. O auge da produção de petróleo (fonte de energia) ocorreu no último ano e agora está diminuindo. Ao mesmo tempo, o uso da internet está cada vez maior, serviços estão sendo adicionados, TV na web, vídeos sob demanda e outros serviços que vão consumir muito mais banda do que está disponível. As previsões mostram que, em 2030, o consumo de energia por conta da internet vai estar 30% maior. Isso significa que se o mundo economizar um terço de energia é bom, mas, ainda assim, não será suficiente.

Qual é o principal problema do atual formato de computação?
Há algum tempo, tive acesso a uma pesquisa que dizia que a parte de hardware do computador — toda a parte de controle, de memória cache — não gasta mais do que 5% da energia do processamento. (…) Assim, a maior parte da ineficiência vem do software, que tem várias camadas, uma sobrepondo a outra. É lógico que a capacidade de espaço do hardware está crescendo rapidamente, considerando o número de transistores que podem ser colocados nos chips. Mas os pacotes de software alcançam dimensões astronômicas. Não é um problema de tecnologia, e sim da forma como o software é organizado.

E qual seria a alternativa para isso?
O FPGA, uma tecnologia disponível desde 1984. Essa placa permite que, na hora da execução, nenhuma instrução seja necessária. Essa é parte mais importante disso, você não precisa de nenhuma instrução, somente os dados atravessam todo o sistema. Com essa engenharia, os elementos ficam conectados uns aos outros, não precisam buscar coisas armazenadas em alguma memória e isso deixa a computação extremamente mais rápida.

As companhias têm interesse em implantar esse tipo de tecnologia?
Eu tenho dúvidas sobre como isso vai acontecer. Várias propostas foram feitas, mas a solução ainda não foi achada. Eu acredito que se eles não se “ligarem” na área da FPGA, eles não irão sobreviver pelos próximos 15 ou 20 anos. Eles são inteligentes, já sabem disso. (…) Talvez os usuários paguem um pouco a mais por isso, mas muito pouco. Anos atrás as placas FPGA eram caras, mas agora não é mais assim.

Mas fazer essa mudança não será um pouco complicado?
Um problema, é claro, é que há uma quantidade de softwares legados no mundo (programas que poucas pessoas dominam), alguns estão aí há décadas. Para mudar isso, precisamos de um grande esforço, muitas pessoas envolvidas. Os programadores precisam ser reeducados, a computação precisa ser reinventada. Temos que mudar o que ensinamos nas universidades. Provavelmente, você não poderá migrar todos os softwares, talvez você achará alguns pacotes que são tão grandes que será melhor deixá-los como estão. Mas isso vai demorar muitos e muitos anos, por isso precisa começar o quanto antes. Não devemos esperar. Isso significa que os políticos têm que correr para transformar a situação o mais breve possível. Pelo menos na Europa, alguns políticos e algumas pessoas bem inteligentes já estão falando disso há um bom tempo. Eles, geralmente, vão para mídia falar dessas ideias. Por isso, acredito que essa mudança vai depender de um grande suporte da mídia.

EcoDebate, 11/08/2010

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