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Quem precisa de energia nuclear? A Alemanha e a decisão de desligar sua última usina nuclear até 2021

Parece não haver muito mais dúvida de que o planeta está ficando febril. Mesmo os cientistas que dizem não ser possível ter certeza absoluta sobre o aquecimento global sugerem que é tempo de adotar o chamado princípio da precaução. Segundo esse princípio, na ausência da certeza científica formal, a existência de risco de um dano sério ou irreversível requer medidas que possam evitar o pior. Por Ricardo Neves, revista ÉPOCA, 07/03/2008 – 23:56 | Edição nº 512.

No lugar de ver o aquecimento da atmosfera como um dos sinais do Apocalipse, entendo que isso traduz novos tempos, que nos obrigam a achar novas respostas. O aquecimento global está fundamentalmente associado às atuais fontes de energia usadas em nossa sociedade de consumo. As respostas de sempre são basicamente o carvão e o petróleo. Alguns acreditam que trazer de volta uma resposta antiga como a energia nuclear é parte da solução. Os franceses, que têm 70% de sua matriz energética vinda desse tipo de opção, começam a proclamar que viveremos a “renascença nuclear”. O lobby nuclear francês já conseguiu o apoio do presidente Nicolas Sarkozy, que esteve pessoalmente na Líbia, na Arábia Saudita e na Síria mascateando o setor nuclear do seu país.

Em um caminho oposto, a Alemanha se comprometeu a zerar sua dependência da energia nuclear. Pretende desligar sua última central nuclear até 2021. Cumprir essa decisão não é um desafio fácil. Afinal, a Alemanha é o quinto país do mundo em consumo de energia elétrica. Só para comparar, no ano passado, o Brasil consumiu 400 bilhões de quilowatts, enquanto os alemães usaram 600 bilhões. Um terço disso veio das 17 usinas nucleares.

Só que a opinião pública alemã entendeu que os riscos de apostar na energia nuclear não valem a pena. Os alemães foram profundamente sensibilizados pelo acidente na usina nuclear ucraniana de Chernobyl em 1986, cujos efeitos até hoje atingem milhões de pessoas. Os ambientalistas souberam mostrar à sociedade alemã que Chernobyl era um caso exemplar de que os riscos da opção pela energia nuclear são altos demais. E souberam ainda mostrar que o destino final do lixo nuclear, que permanece ativo por milhões de anos, é um problema de resolução ainda pendente. Foi nesse contexto que a rejeição à energia nuclear tornou-se uma política de Estado, quando o Partido Verde alemão entrou na coalizão que chegou ao poder federal no ano 2000.

Em 2007, a Alemanha gerou com cataventos 6 vezes mais energia que nossa Angra 1

Para compensar, sem risco de apagão, essa perda de um terço de suas fontes atuais de energia elétrica, governo e empresários alemães resolveram apostar nas seguintes alternativas: aumentar a eficiência energética e investir mais em energias renováveis e sustentáveis, com destaque para a solar e a eólica (dos ventos). Os alemães também decidiram acelerar a pesquisa e o desenvolvimento do hidrogênio como opção energética.

A visão estratégica de governantes e empresários é que o investimento para compensar a política de zerar a dependência da energia nuclear tem um bônus estratégico. Apostam que a Alemanha pode se tornar o líder mundial em termos de sustentabilidade ambiental. Esse bônus já começa a aparecer. A Alemanha está na vanguarda de todas essas modalidades de conservação, eficiência e novas fontes sustentáveis, tanto no conhecimento científico e tecnológico quanto na produção. Desde 2006, a Alemanha tem ganhado todos os campeonatos mundiais de energia renovável: é o primeiro país do mundo em termos de aproveitamento de energia solar, dos ventos e biodiesel. Para se ter uma idéia comparativa, neste ano, o que a Alemanha aproveitou em energia dos ventos equivale a 6 vezes a energia produzida por Angra 1. Em energia solar, já produz o equivalente a uma Angra 1.

Por isso digo à minha filha adolescente, assustada com a visão do apocalipse ambiental, que uma parte da humanidade está empenhada em produzir inovações que vão nos conduzir a uma economia mais sustentável. Mesmo que, na maioria das vezes, isso ainda não seja manchete dos jornais.