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Artigo

Pacote Ecológico de Crescimento (2): Energia Elétrica, por Rogério Grassetto Teixeira da Cunha

[Correio da Cidadania] No artigo anterior, propus a criação de um PEC (Programa Ecológico de Crescimento), em contraposição ao PAC do governo federal, extremamente danoso ao meio ambiente, numa tentativa de ir além das críticas e apresentar propostas concretas. A idéia é mostrar que é possível alcançar os objetivos do programa governamental com projetos e ações que possuam um impacto ambiental bem menor. Comecei mostrando que é possível atingir as metas de oferta de energia elétrica apenas investindo-se em fontes eólicas, ao invés de concentrar esforços em usinas hidrelétricas, que geram uma série de efeitos ambientais e sociais extremamente negativos, apesar de constituírem-se em fontes de energia renovável e relativamente limpa. Causam particular preocupação aos ambientalistas os projetos das mega-usinas na região amazônica, especificamente no rio Madeira (Jirau e Sto. Antônio) e Xingu (Belo Monte), cujos problemas já analisamos aqui diversas vezes.

Mas não precisamos ficar restritos ao vento. Mesmo que não seja possível suprir todos os objetivos de oferta de energia elétrica do PAC com esta fonte, ainda assim, outras formas de energia renovável poderiam complementar a eólica e atingir as metas. Sol, por exemplo. Em um país com abundante oferta de luz solar, ela poderia ser uma opção extremamente interessante. Contudo, os custos dos painéis fotovoltaicos, que convertem a energia solar em elétrica, ainda não são competitivos. Mas, com uma produção em maior escala, a tendência dos preços é cair.

Mesmo assim, a produção solar de energia elétrica poderia ser incentivada de diversas formas pelo governo. Uma possibilidade seria o desenvolvimento de linhas de crédito para a habitação que incluam exigências de padrões de “segurança ambiental”. Em alguns locais do mundo, construções possuem verdadeiros tetos ou fachadas solares, recobertos de painéis, e a energia é jogada diretamente na rede, complementando a energia existente. O incentivo a tais construções seria mais uma opção. Além disso, imagino que, se houvesse desoneração e estímulo ao setor, possivelmente o custo da energia cairia. De qualquer forma, a principal vantagem no momento para o Brasil dos painéis fotovoltaicos é o seu uso em locais isolados, o que já vem sendo aplicado, democratizando o acesso à energia em lugares para os quais a extensão de linha convencional seria muito cara.

Podemos também utilizar a energia solar diretamente para o aquecimento de água, através de coletores solares, que estão se tornando cada vez mais populares e já podem ser vistos em muitos telhados pelo Brasil afora. Este sistema serve para o aquecimento residencial de água, e até mesmo para algumas aplicações comerciais industriais, e deve sempre ser complementado por um sistema auxiliar (a gás ou elétrico), no caso de uma seqüência de dias nublados. A importância desta modalidade seria a redução da demanda, permitindo o direcionamento da energia elétrica para outras finalidades. Aliás, poderia economizar-se também gás natural e GLP (o gás de cozinha), principalmente nas aplicações industriais que os utilizam para aquecimento de água.

Para que se tenha uma idéia do tamanho da economia em potencial, cerca de 22% do consumo de energia elétrica no Brasil é residencial. Destes, estima-se que o gasto com aquecimento de água represente até 30% (dados de um documento da ONG Vitae Civilis – diversos documentos produzidos pela entidade podem ser acessados em www.vitaecivilis.org.br). Assim, do total da energia produzida no país, até 6,5% são utilizados para esquentar água nas residências. Dados da mesma ONG indicam que a demanda associada é de 9.000 megawatts (milhões de watts – MW), enquanto que, para os setores comercial e industrial que se utilizam de água aquecida, estaria em torno de 2.300 e 25.000 MW, respectivamente. Desta forma, o total em potencial que poderia ser liberado para outras aplicações seria de 36.300 MW (só para lembrar, a meta do PAC é oferecer mais 12.300 MW até 2010 e 27.420 adicionais após esta data).

Obviamente, nem toda aquela demanda total deve ser passível de ser atendida pelo aquecimento solar de água, mas mesmo uma parcela dela já forneceria uma contribuição significativa para alcançar os objetivos desejados pelo governo, sem a necessidade de construção de um número tão grande de usinas hidrelétricas. Mais: com um planejamento adequado do crescimento do setor industrial, boa parte da demanda futura por energia elétrica fruto deste crescimento poderia ser suprida com o aquecimento solar de água, já que a maior parcela da energia requerida por indústrias é justamente para aquecer água para diversos processos.

E quanto aos investimentos? Imagino que, com toda a montanha de dinheiro destinada ao seu programa (R$ 78,4 bilhões no setor de energia elétrica), diversas ações poderiam ser feitas para o estímulo ao setor. Por exemplo: desoneração fiscal dos produtos relacionados, estímulo à demanda por particulares (desconto no imposto de renda, por exemplo), programas governamentais de instalação para a população de menor poder aquisitivo, estímulo à criação de empresas energéticas que ofereçam água aquecida via solar (numa espécie de leasing energético diretamente no local de consumo), incentivos fiscais a empresas e instalações comerciais novas ou a unidades já construídas que se convertessem ao aquecimento solar de água.

Além disso, o investimento em energia solar e o estímulo ao setor poderia ser um fator importante na geração de emprego e renda. É sabido que empresas de porte pequeno a médio (como as que produzem os painéis solares e os sistemas de aquecimento solar de água) geram mais empregos em termos proporcionais, além de produzir renda de forma mais distribuída do que empresas grandes ou gigantes, como as do setor de construção civil.

Assim, vemos que não só a energia eólica, mas também a solar poderia ser utilizada para cumprir boa parte das metas para o setor elétrico do programa governamental. Mesmo que fossem levantadas dúvidas e objeções a uma ou outra, ambas as formas combinadas certamente poderiam suprir integralmente a oferta enérgica desejada e ainda com um impacto positivo extra na economia.

Em meu próximo artigo, pretendo dar continuidade à discussão sobre fontes alternativas de energia, discutindo as vantagens da energia de biomassa para a produção de energia elétrica e mostrando que há mais possibilidades ainda para a concretização de um Programa Ecológico de Crescimento.

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
E-mail: rogcunha@hotmail.com

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Correio da Cidadania (ed. 541)
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