Garantir a prosperidade para além do crescimento do PIB
É preciso uma mudança de rumo para que as economias sejam regenerativas e distributivas, tanto dentro dos países quanto entre eles
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A humanidade ficou viciada na armadilha do crescimento exponencial do Produto Interno Bruto (PIB). A “crescimentomania” (growthmania) se expressa na obsessão moderna pelo crescimento econômico contínuo, que se consolidou como o paradigma dominante desde a Revolução Industrial – especialmente nos últimos 250 anos, o período de maior expansão material da história humana.
A crescimentomania é a crença ideológica de que o crescimento econômico ilimitado é sempre desejável, necessário e sinônimo de progresso:
-
PIB como medida suprema de sucesso – reduzindo a complexidade do bem-estar humano a um número agregado de produção e consumo;
-
Fé tecnológica – a ideia de que a ciência e a inovação resolverão qualquer limitação ambiental;
-
Expansão infinita em um planeta finito – o dogma de que a economia pode crescer indefinidamente, ignorando os limites ecológicos.
Para o economista ecológico Herman Daly (1938-2022), o planeta já ultrapassou o ponto em que o crescimento econômico traz benefícios líquidos e a humanidade entrou na era do “crescimento antieconômico”, isto é, quando o aumento da produção causa mais danos do que ganhos.
Recuperando o conceito de “estado estacionário” de John Stuart Mill (1806-1873), Herman Daly ajudou a diagnosticar essa “doença civilizacional” e contribuiu para ampliar as discussões sobre pós-crescimento, decrescimento, sustentabilidade e limites ecológicos. Para ele, o crescimento das atividades antrópicas nos últimos 250 anos mudou a correlação de forças no Planeta, aumentando a proporção da presença humana (planeta cheio) e diminuindo a proporção das demais espécies e da biocapacidade (planeta vazio).
Esta ideia de um Planeta antropicamente cheio é corroborada pela metodologia das “Fronteiras Planetárias”. Este conceito foi desenvolvido por um grupo de cientistas liderados por Johan Rockström e Will Steffen em 2009. Eles criaram uma metodologia para avaliar os limites ambientais dentro dos quais a humanidade pode operar de forma segura, evitando danos graves ao planeta e à estabilidade dos sistemas naturais que sustentam a vida. A abordagem descreve nove limites fundamentais que representam as condições ambientais críticas para a sobrevivência da humanidade e a estabilidade do sistema Terra.
Na primeira avaliação das fronteiras planetárias, realizada em 2009, apenas três dos limites tinham sido superados. Posteriormente, em 2015, este número subiu para quatro. Em 2023, os novos estudos concluíram que foram superados seis dos nove limites dos processos que regulam a estabilidade e a resiliência do sistema da Terra. Em novo relatório do Laboratório de Ciências de Fronteiras Planetárias do Instituto de Pesquisa de Impacto Climático de Potsdam (PIK) foi constatado que 7 das 9 fronteiras críticas do sistema terrestre já foram ultrapassadas, o que torna mais provável a possibilidade de um colapso ambiental global.
Paralelamente à ultrapassagem dos limites ambientais, o grande crescimento econômico global não conseguiu eliminar as carências sociais, pois grande parte do aumento da produção de bens e serviços ficou concentrada nas mãos de uma parcela reduzida da população mundial. Desta forma, a governança global precisa avançar na agenda conjunta para enfrentar os desafios ambientais e sociais.
Os economistas Andrew Fanning Kate Raworth, do Doughnut Economics Action Lab em Oxford, Reino Unido, criaram uma metodologia para avaliar 13 indicadores ecológicos que se baseiam na estrutura dos Limites Planetários e para acompanhar 22 indicadores sociais que se conectam aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Em artigo na revista Nature, os autores traçam um quadro conceitual da “Doughnut of social and planetary boundaries” (“Economia da rosquinha”), explicitando a ideia de que a humanidade deveria viver entre dois limites concêntricos: 1) por dentro: uma fundação social (social foundation) — ou seja, garantir que ninguém fique abaixo dos padrões mínimos de vida digna e 2) por fora: um teto ecológico (ecological ceiling), ou seja, os limites dos sistemas-Terra (“planetary boundaries”) que não devem ser ultrapassados para manter a estabilidade do ambiente que sustenta a vida.
O “espaço intermediário” entre esses dois limites constitui o “espaço seguro e justo para a humanidade” — ou seja, uma economia e sociedade onde todos têm o suficiente para viver bem e o planeta não é degradado além de seus limites. O artigo busca atualizar esse quadro com dados empíricos globais de 2000 a 2022, cobrindo 35 indicadores em 21 dimensões (social + ecológica) para avaliar: (a) o quanto progrediu a humanidade em reduzir a privação social; (b) o quanto estamos ultrapassando os limites ecológicos; (c) como isso varia entre países e regiões, conforme mostra a figura abaixo.
Status global atual de déficit e superação das fronteiras sociais e planetárias

Fanning, A.L., Raworth, K. Doughnut of social and planetary boundaries monitors a world out of balance. Nature 646, 47–56 (2025). https://doi.org/10.1038/s41586-025-09385-1
O artigo mostra que apesar de o PIB global ter mais que dobrado entre 2000 e 2022, os resultados sociais são modestos e os impactos ecológicos cresceram rapidamente. Em termos de privação social (“social shortfall”), a melhoria foi lenta: para alcançar em 2030 o objetivo de que todos atinjam o limiar mínimo de bem-estar, a velocidade de progresso teria de multiplicar por cinco. Em termos ecológicos (“ecological overshoot”), a situação é crítica: a ultrapassagem dos limites está aumentando e teria de parar imediatamente e depois avançar quase duas vezes mais rápido em direção à segurança ecológica para 2050.
Em desigualdade: os 20% mais ricos das nações (aproximadamente 15% da população mundial) são responsáveis por mais de 40% do overshoot ecológico anual; por outro lado, os 40% mais pobres dos países (aproximadamente 42% da população mundial) experimentam mais de 60% da shortfall social. Nenhum país cumpre até agora os dois critérios — garantir socialmente os mínimos para todos e manter o uso ecológico dentro dos limites planetários. (Isso já era sabido, mas os novos dados reforçam e atualizam essa constatação.
Desta forma, os autores concluem que a dependência das nações no crescimento contínuo do PIB como paradigma de progresso está falhando: crescimento econômico por si só não está garantindo bem-estar social de forma suficientemente rápida, e está agravando a degradação ecológica.
É preciso uma mudança de rumo para que as economias sejam regenerativas (isto é, que restaurem e revigorem os sistemas naturais) e distributivas (isto é, que compartilhem recursos, oportunidades e poder de forma mais equitativa), tanto dentro dos países quanto entre eles.
As transformações necessárias são de três tipos: conceitual (como definimos “progresso”), métricas (como medimos sucesso além do PIB) e direcional (o que perseguimos: não mais “mais” em si, mas “suficiente e sustentável”).
Para que isso aconteça, os países ricos em particular precisam liderar ao reduzir seu impacto ecológico e ajustar seus modelos de consumo e produção – e os países mais pobres precisam ser apoiados para eliminar a privação social, mas sem repetir os padrões de exploração ecológica. A equidade global é um imperativo.
O artigo mostra que, mesmo com um forte crescimento econômico global entre 2000 e 2022, a humanidade não está no espaço seguro e justo definido pela estrutura do Doughnut, pois milhões ainda vivem em privação, ao mesmo tempo em que estamos ultrapassando de forma acelerada os limites ecológicos do planeta.
Para reverter isso, é preciso abandonar o credo do crescimento a todo custo e adotar economias que sejam regenerativas e distributivas. Isso exige mudanças profundas no “quê” de progredir, “como” medir progresso e “para onde” estamos indo.
Como escreveu Kate Raworth em Doughnut Economics: “Temos economias que precisam crescer, independentemente de nos fazerem prosperar ou não; o que precisamos são economias que nos façam prosperar, independentemente de crescerem ou não”.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. As fronteiras planetárias e a autolimitação do espaço humano, Ecodebate, 06/06/2012
ALVES, JED. Herman Daly e o mundo antropicamente cheio, Ecodebate, 30/03/2022
https://www.ecodebate.com.br/2022/03/30/herman-daly-e-o-mundo-antropicamente-cheio/
Herman Daly, Economics for a full world, Great Transition, June 2015
https://greattransition.org/publication/economics-for-a-full-world
Andrew L. Fanning & Kate Raworth, Nature, volume 646, pages47–56 (2025)
https://www.nature.com/articles/s41586-025-09385-1
Editorial. End GDP mania: how the world should really measure prosperity, Nature, 01 October 2025
https://www.nature.com/articles/d41586-025-03144-y
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]