O Vietnã com superávit em transações correntes e o Brasil com déficit
“Você não pode mudar o vento, mas pode ajustar as velas do barco para chegar aonde quer”
Confúcio (551 a.C. – 479 a.C)
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O Vietnã sofreu muito com o colonialismo e as guerras. A independência do Vietnã foi proclamada em 2 de setembro de 1945, em Hanói, pelo líder Ho Chi Minh, após a rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial. Nesse dia, ele leu a Declaração de Independência da República Democrática do Vietnã, inspirada em parte na Declaração de Independência dos EUA e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa.
No entanto, essa independência não foi imediatamente reconhecida. A França tentou restabelecer o domínio colonial, o que levou à Primeira Guerra da Indochina (1946–1954). O conflito terminou com a vitória vietnamita em Dien Bien Phu (1954) e os Acordos de Genebra, que reconheceram a independência, mas dividiram o Vietnã em Norte (comunista) e Sul (anticomunista). A unificação só viria depois da Guerra do Vietnã (1955–1975), concluída em 30 de abril de 1975, com a queda de Saigon e a vitória do Vietnã do Norte sobre os Estados Unidos da América. Em 2 de julho de 1976, foi oficialmente proclamada a República Socialista do Vietnã, país unificado e independente. Ou seja, a primeira proclamação de independência foi em 1945, mas a independência plena e unificada só foi consolidada em 1975–1976.
O país herdou uma infraestrutura devastada após três décadas de guerra. Houve tentativas de integração entre Norte e Sul, mas com muitas tensões sociais e econômicas. A coletivização forçada gerou queda de produtividade agrícola, provocando escassez de alimentos. O país enfrentou hiperinflação, fome, queda da produção industrial e atraso tecnológico. O isolamento internacional agravou a crise: relações cortadas com os EUA e aliados e dependência da ajuda da União Soviética.
Porém, na década de 1980 o Vietnã passou por transformações profundas, em três grandes dimensões – econômica, política e social – que o tiraram do isolamento e da pobreza extrema para se tornar uma das economias mais dinâmicas da Ásia e do mundo. Em 1986, o Partido Comunista lançou as reformas Doi Moi (“renovação”), mudando o modelo de economia planificada centralmente para uma economia socialista de mercado.
Foram adotadas diversas ações como privatizações parciais, estímulo ao setor privado, abertura para investimentos estrangeiros e integração comercial transformaram o país. O Vietnã entrou na OMC em 2007 e aprofundou uma integração soberana na globalização. Hoje é um dos maiores exportadores mundiais de têxteis, calçados, café, arroz, eletrônicos e smartphones e outros produtos tecnológicos. Desde a década de 1990 tem mantido um crescimento médio do PIB acima de 6% ao ano, tirando milhões de vietnamitas da pobreza.
Em artigo para o jornal Folha de São Paulo (28/09/2025), Ronaldo Lemos mostra que o Brasil está tomando uma surra do Vietnã em tecnologia, educação e agro. No exame Pisa, que compara o aprendizado dos alunos em diferentes países, a situação é dramática. Os 10% piores estudantes do Vietnã têm desempenho similar aos 10% melhores alunos brasileiros, incluindo as escolas privadas. Mesmo alunos de famílias mais pobres no Vietnã têm desempenho muito acima da média nacional do Brasil.
Segundo Lemos, em 2024, o Vietnã exportou US$ 124 bilhões em produtos tecnológicos, enquanto no Brasil foram US$ 8 bilhões. No agro, o Vietnã cresceu usando conhecimento e estratégia. Está apostando em certificações para agregar mais valor aos seus produtos. No café, onde atua há bem menos tempo, tornou-se o segundo maior exportador, controlando 20% do mercado global (o Brasil tem 37%). Está também criando redes próprias de cafeterias, como a Trung Nguyên Legend, especializada em café vietnamita, com lojas na Califórnia, Texas, Oregon ou Xangai.
O gráfico abaixo, com dados do FMI, mostra um indicador simples que ilustra o avanço econômico do Vietnã. A renda per capita vietnamita, em preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp) era de US$ 1,6 mil em 1980, 8,3 vezes menos do que a renda per capita brasileira de US$ 13,7 mil. Mas em 2024 a renda do Vietnã foi de US$ 14,4 mil, apenas 40% menor do que a brasileira de US$ 19,6 mil. Para 2030, o FMI estima o Vietnã com uma renda per capita de US$ 18,5 mil, cerca de 20% menor do que a renda per capita brasileira de US$ 21,9 mil.
O avanço do Vietnã na área econômica e social foi significativo. Como mostrei no artigo “Vietnã emergente e Brasil submergente”, publicado aqui no Portal Ecodebate (Alves, 16/04/2021) uma das grandes diferenças do sucesso do Vietnã em relação ao Brasil está em uma política fiscal mais equilibrada e em maiores taxas de poupança e investimento. Desta forma, o Vietnã tem conseguido manter o crescimento econômico, reduzir a pobreza e manter a inflação baixa.
Outra razão do sucesso vietnamita está nas contas externas. As exportações brasileiras eram bem superiores às exportações vietnamitas. Porém, houve empate em 2016 e a partir de 2018 as exportações do Vietnã superaram em muito as exportações do Brasil. Mesmo com o tarifaço tresloucado do presidente Donald Trump, o Vietnã continua aumentando suas exportações em 2025, superando a marca de US$ 400 bilhões
O gráfico abaixo, também com dados do FMI, mostra que o Vietnã possui superávit em transações correntes durante todos os anos 2000, enquanto o Brasil tem déficit. Do ano 2000 a 2030 o Vietnã apresenta um superávit anual de US$ 4 bilhões anuais, enquanto o Brasil tem um déficit anual de US$ 41 bilhões. Isto torna o Brasil dependente do capital externo, enquanto o Vietnã mantém controle sobre suas contas externas e sua capacidade de investimento.
O Vietnã tem uma consistente estratégia de desenvolvimento socioeconômico. Tem se beneficiado da sua localização no leste asiático – que é a região de maior crescimento do mundo – e tem sabido se manter em equilíbrio com as duas superpotências mundiais. Em fevereiro de 2019 o país sediou a reunião entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, ocorrida em Hanói. Na guerra comercial entre China e EUA o Vietnã tem conseguido ampliar suas exportações.
Em 2020 entrou no grande acordo regional denominado Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), que será maior que a União Europeia e o Acordo Estados Unidos-México-Canadá. Os membros somam quase um terço da população mundial e 29% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta. Em relação à pandemia, o Vietnã teve coeficiente de mortalidade muito menor do que o coeficiente brasileiro.
Nos últimos anos o Vietnã manteve um crescimento anual do PIB de cerca de 6%, mas o governo almeja o crescimento de 10% do PIB nos próximos 5 anos. Para impulsionar o crescimento e compensar a possível queda nas receitas comerciais, a política macroeconômica planeja um investimento financiado por dívida em infraestrutura e outros projetos, em parte elevando seu déficit orçamentário para cerca de 5% do PIB no próximo quinquênio, acima da faixa de 3,1% a 3,2% prevista para 2021-2025.
Entre os projetos de infraestrutura planejados estão 5.000 quilômetros de vias expressas, uma ferrovia de US$ 8 bilhões ligando a cidade portuária de Haiphong e a capital Hanói a Lao Cai, na fronteira com a China, e sistemas de metrô em Hanói e na Cidade de Ho Chi Minh. Os níveis relativamente baixos de dívida pública do Vietnã, que totalizaram pouco menos de 35% do PIB no ano passado, dão ao país amplo espaço para investir em melhorias de infraestrutura. O Vietnã também desenvolverá centros financeiros internacionais na Cidade de Ho Chi Minh e em Danang, bem como “zonas de livre comércio de nova geração” em grandes cidades como Danang e Hai Phong para aumentar os recursos financeiros e atrair investimentos.
Já o Brasil está com uma economia estagnada e possui uma renda per capita que avançou pouco desde 2013. Para fechar o Balanço de Pagamentos e cobrir os rombos na conta transações correntes o país precisa vender seu patrimônio para firmas estrangeiras, ficando cada vez mais dependente do influxo do capital estrangeiro. O Brasil vive uma crise fiscal, possui baixos níveis de investimento e tem mais de 25 milhões de pessoas desempregadas ou subutilizadas, enquanto o Vietnã mantém uma política de pleno emprego.
Desta forma, pode-se considerar que o Brasil e o Vietnã são países que estão apresentando ritmos diferentes de desenvolvimento.
O Vietnã é uma nação emergente que tem apresentado bons indicadores econômicos e cresce acima da média mundial, enquanto o Brasil é uma nação submergente que teve a sua segunda década perdida (2011-20) e cresce abaixo da média mundial.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Vietnã: o vencedor do duelo comercial entre EUA e China, Ecodebate, 14/08/2019
ALVES, JED. Vietnã emergente e Brasil submergente, Ecodebate, 16/04/2021
https://www.ecodebate.com.br/2021/04/16/vietna-emergente-e-brasil-submergente/
ALVES, JED. O grande salto da renda per capita do Vietnã, Ecodebate, 20/07/2022
https://www.ecodebate.com.br/2022/07/20/o-grande-salto-da-renda-per-capita-do-vietna/
ALVES, JED. A população do Vietnã de 1950 a 2100, Ecodebate, Ecodebate, 26/06/2023
https://www.ecodebate.com.br/2023/06/26/a-populacao-do-vietna-de-1950-a-2100/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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