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Poluentes emergentes escapam do tratamento e ameaçam rios e saúde pública

 

250929 etar

Os adoçantes artificiais, antibióticos e medicamentos comuns estão inundando rios e lagos, já que as estações de tratamento de água não conseguem removê-los.

A ineficácia dos sistemas atuais levanta preocupações urgentes sobre a saúde humana, a vida selvagem e a proliferação de superbactérias.

As estações de tratamento de águas residuais (ETARs), essenciais para a sociedade moderna, estão se revelando ineficazes na remoção de uma série crescente de poluentes emergentes. Pesquisas recentes demonstraram que os métodos convencionais, que usam processos mecânicos-biológicos (CAS), falham em eliminar muitos produtos químicos de uso diário, transformando as próprias ETARs em fontes de poluição para os corpos hídricos.

Ineficácia dos métodos convencionais e persistência dos poluentes

O problema central reside no fato de que os sistemas de tratamento padrão nem sempre estão equipados para lidar com a natureza de certas substâncias.

  1. Adoçantes Artificiais: Substâncias amplamente utilizadas em refrigerantes, alimentos processados e produtos sem açúcar, como pastas de dente, estão aparecendo em níveis crescentes nas ETARs e, subsequentemente, em nossos rios e ecossistemas naturais. Ao contrário dos açúcares naturais, os adoçantes artificiais são projetados para resistir à digestão, passando pelo corpo humano praticamente inalterados e entrando nos sistemas de águas residuais.

    • Enquanto alguns adoçantes como a sacarina e o ciclamato são facilmente removidos, outros, como a sucralose e o acessulfame, são mais difíceis de eliminar e acabam liberados no meio ambiente.

    • O professor Qilin Wang aponta que adoçantes como a sucralose são “incrivelmente persistentes”, significando que sua estabilidade química permite que sobrevivam a processos de tratamento convencionais e até mesmo avançados, chegando a rios, lagos e águas costeiras.

    • Essa persistência é comparável à de substâncias per- e polifluoroalquílicas (PFAS), os “produtos químicos eternos” que se acumulam no meio ambiente e na água potável.

  2. Produtos Farmacêuticos: Medicamentos comuns — incluindo antidepressivos, antibióticos e medicamentos para alergia — estão sendo descarregados em cursos d’água.

    • O tratamento convencional se mostrou ineficaz na remoção de muitos fármacos, como o antidepressivo fluoxetina (Prozac), o analgésico diclofenaco e o anticonvulsivante carbamazepina.

    • Em alguns casos, como com a fluoxetina, diclofenaco e carbamazepina, os processos de tratamento podem até levar a níveis mais elevados desses compostos na água descarregada do que na água residual original.

    • A emissão anual de produtos farmacêuticos para rios a partir de ETARs em áreas estudadas chegou a pelo menos 40 Mg, sendo o cetoprofeno, sulfametoxazol, carbamazepina e fluoxetina os principais contribuintes.

Riscos para ecossistemas, vida selvagem e saúde humana

A liberação contínua desses poluentes representa sérios riscos ecológicos e de saúde pública.

  • Impacto na Vida Aquática: A presença de adoçantes artificiais apresenta riscos de toxicidade para animais aquáticos. Em peixes-zebra, a sucralose causa defeitos congênitos, e altos níveis de sacarina são neurotóxicos. Os produtos farmacêuticos também representam um risco para os organismos aquáticos. A fluoxetina e o antialérgico loratadina (Claritin) representam o maior risco ecológico devido à sua capacidade de perturbar a sinalização hormonal e o desenvolvimento nos níveis encontrados na água tratada.

  • Proliferação de Superbactérias: Quando as pessoas tomam antibióticos, parte da dose é excretada e acaba nas águas residuais. Essa baixa dose de antibiótico cria um ambiente propício para a evolução de bactérias resistentes.

    • A Dra. Liyuan “Joanna” Hou alertou que, sem um tratamento aprimorado, as águas residuais podem servir como um “viveiro de ‘superbactérias'” que podem entrar em recursos hídricos (rios, lagos, reservatórios), representando riscos potenciais para a saúde pública.

    • Amostras de efluentes de ETARs revelaram cepas de bactérias multirresistentes, incluindo algumas que eram resistentes até mesmo a medicamentos de “último recurso” como a colistina.

    • Embora algumas dessas bactérias encontradas (como as espécies de Microbacterium, Chryseobacterium, Lactococcus lactis, e Psychrobacter) raramente sejam perigosas para a maioria das pessoas, elas podem atuar como reservatórios ambientais, transferindo genes de resistência para outras bactérias, incluindo patógenos clinicamente relevantes, como a E. coli.

  • Deterioração da Função da ETAR: Além dos contaminantes químicos e microbianos, as ETARs, que dependem de bactérias microscópicas para quebrar poluentes, podem “adoecer” devido a ataques virais.

    • Quando os vírus infectam as comunidades de bactérias (o “lodo ativado”), eles podem romper as células hospedeiras, resultando na liberação de carbono orgânico dissolvido na água efluente.

    • Mais carbono orgânico no efluente significa que mais oxigênio é consumido por microrganismos nos corpos d’água receptores, o que pode ter impactos negativos nos ecossistemas aquáticos vizinhos.

O desafio da adoção de novas tecnologias

Diante da ineficácia dos métodos atuais, há um apelo por monitoramento contínuo, regulamentações mais rígidas e tecnologias de tratamento aprimoradas para mitigar os riscos ambientais.

A busca por novas soluções inclui a exploração de alternativas mais verdes:

  • Compostos Naturais: Cientistas testaram compostos naturais para combater as bactérias multirresistentes em águas residuais.

    • Os compostos mais eficazes foram a curcumina (derivada da cúrcuma) e a emodina (derivada do ruibarbo). Estes se destacaram na inibição do crescimento celular e da formação de biofilme em bactérias resistentes Gram-positivas.

  • Desafio Tecnológico: Embora a curcumina e a emodina mostrem promessa, a pesquisa ainda está em estágios iniciais. O desafio agora é realizar mais estudos, incluindo testes em matrizes complexas de águas residuais e a avaliação de impactos a longo prazo nas comunidades microbianas.

    • É considerado crítico o aumento da escala dos estudos de laboratório para ensaios em escala piloto para avaliar a viabilidade e a segurança ambiental desses novos métodos.

  • Ajustes Operacionais: No caso de ETARs afetadas por vírus, uma maneira possível de influenciar a quantidade de vírus gerados e a consequente liberação de carbono orgânico poderia ser ajustar a forma como a estação é operada. A presença de carbono orgânico também afeta a eficiência dos processos de desinfecção e remoção de produtos farmacêuticos.

Em resumo, a crise dos poluentes emergentes expõe uma falha crítica na infraestrutura hídrica global, exigindo não apenas a atenção de agências de proteção ambiental e autoridades hídricas, mas também investimentos urgentes em inovações para proteger a saúde pública e o meio ambiente.

Referências:

Removal efficiency of pharmaceuticals during the wastewater treatment process: Emission and environmental risk assessment, PLOS One (2025). DOI: 10.1371/journal.pone.0331211.

From Wastewater to Resistance: Characterization of Multidrug-Resistant Bacteria and Assessment of Natural Antimicrobial Compounds, Frontiers in Microbiology (2025). DOI: 10.3389/fmicb.2025.1612534

Jibin Li et al, Artificial sweeteners in wastewater treatment plants: A systematic review of global occurrence, distribution, removal, and degradation pathways, Journal of Hazardous Materials (2025). DOI: 10.1016/j.jhazmat.2025.138644

Oskar Modin et al, A relationship between phages and organic carbon in wastewater treatment plant effluents, Water Research X (2022). DOI: 10.1016/j.wroa.2022.100146

Nota da Redação – Sobre o tema “Poluição das Águas” recomendamos que leia, também:

Antibióticos estão contaminando rios em todo o mundo, mostra estudo

Agrotóxicos, resíduos industriais e medicamentos ameaçam nossa água potável

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Riscos dos contaminantes emergentes à saúde e ao meio ambiente

 

Citação
EcoDebate, . (2025). Poluentes emergentes escapam do tratamento e ameaçam rios e saúde pública. EcoDebate. https://www.ecodebate.com.br/2025/09/29/poluentes-emergentes-escapam-do-tratamento-e-ameacam-rios-e-saude-publica/ (Acessado em setembro 29, 2025 at 04:12)

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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