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Artigo

Panorama da transição demográfica pelo registro civil no Brasil

 

O Brasil está em fase avançada da transição demográfica com redução das taxas brutas de mortalidade e natalidade. O número de nascimentos está caindo no Brasil desde a década de 1980.

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O Brasil apresentou queda do número de nascimentos, diminuição do número de casamentos, aumento do número de divórcios, diminuição do tempo médio dos casamentos e redução do número de óbitos em relação ao auge da pandemia, segundo as Estatísticas do Registro Civil, divulgadas em 16 de maio de 2025, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O número de nascimentos está caindo no Brasil desde a década de 1980. Eram cerca de 4 milhões de bebês em 1985, caiu para algo em torno de 3 milhões em 2018 e, em 2023, foram registrados de 2,52 milhões de nascimentos e deve continuar caindo ao longo do século XXI.

O IBGE mostra que, na análise dos registros de nascimentos ocorridos no ano, segundo a idade das mães, nas últimas décadas, em todas as Grandes Regiões, houve uma diminuição na proporção de nascidos vivos gerados por mães mais jovens, até 19 anos de idade e no grupo de 20 a 24 anos de idade. Isto é um fato muito positivo, pois indica que as crianças e adolescentes estão tendo mais acesso aos direitos reprodutivos e, provavelmente, tenha havido uma diminuição da violência sexual. Embora o Brasil ainda tenha muito o que resolver sobre a gravidez indesejada entre meninas de 10 a 19 anos.

Em 2023, um total de 641.180 nascimentos foram gerados por mães de 25 a 29 anos de idade na ocasião do parto, o que representou 25,5% do total de nascimentos do País. Essa foi a faixa etária com o maior número absoluto e relativo de nascimentos, seguida pelo grupo etário de 20 a 24 anos com 594.235 nascimentos. Os dados de 2023 evidenciam o aumento da representatividade dos nascidos vivos cujas mães possuíam 30 anos ou mais. Desta forma, há uma tendência de envelhecimento no padrão reprodutivo das mulheres brasileiras.

estatísticas do registro civil no Brasil

Em 2023, foram realizados em Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais 940.799 registros de casamentos civis o que representa uma redução de 3% em relação ao ano anterior. Desse total, 11.198 ocorreram entre pessoas do mesmo sexo. O aumento dos casamentos das pessoas do mesmo sexo se deve às mudanças recentes que viabilizaram a formalização de uniões que se tornaram realidade na última década.

A diminuição no número de casamentos civis no Brasil é um fenômeno complexo com diversas causas interligadas: a) Menor pressão social e familiar: O casamento já não é visto como uma obrigação ou um rito de passagem essencial para a vida adulta como era em décadas passadas. Há maior aceitação de outros modelos de relacionamento e de pessoas que optam por não se casar; b) Individualismo e autonomia: A sociedade contemporânea valoriza mais a autonomia individual e a liberdade de escolha, o que pode levar alguns a postergar ou evitar o matrimônio; c) Novas formas de relacionamento: A união estável se tornou uma alternativa mais flexível e menos burocrática ao casamento civil, oferecendo muitos dos mesmos direitos e deveres; d) Prioridades de vida: Muitos jovens adultos priorizam a educação, a carreira e a estabilidade financeira antes de considerar o casamento. Adiar o casamento se tornou uma tendência.

As Estatísticas do Registro Civil no Brasil indicaram também uma tendência de diminuição na duração dos casamentos e diversos fatores contribuem para essa nova realidade:

Mudanças Sociais e Culturais: a) Transformação do papel da mulher: A crescente inserção da mulher no mercado de trabalho e a conquista de independência financeira proporcionam mais autonomia para buscar o divórcio em relações insatisfatórias; b) Menor estigma social do divórcio: O divórcio deixou de ser visto como um fracasso ou um tabu, tornando-se uma opção mais aceitável socialmente quando o casamento não funciona; c) Novas configurações familiares: A sociedade reconhece e aceita diversas formas de família, o que pode diminuir a pressão para manter um casamento tradicional a qualquer custo.

Fatores Econômicos: Estresse financeiro: Dificuldades financeiras podem gerar tensões e conflitos no relacionamento, contribuindo para o desgaste e eventual separação.

Mudanças nas Relações Interpessoais: a) Idealização do casamento: A visão romantizada e idealizada do casamento, muitas vezes propagada pela mídia, pode levar a frustrações quando a realidade do dia a dia se mostra diferente; b) Dificuldade de comunicação e resolução de conflitos: A falta de diálogo aberto, empatia e habilidades para lidar com desentendimentos pode levar a um acúmulo de problemas que culminam na separação; c) Infidelidade: A quebra de confiança causada pela infidelidade é uma causa significativa de divórcios; d) Perda da intimidade e do desejo: O desgaste da rotina e a falta de investimento na relação podem levar à perda da conexão emocional e física entre o casal; e) maturidade: A falta de maturidade emocional de um ou ambos os parceiros pode dificultar a construção de um relacionamento duradouro.

Legislação e Processos de Divórcio: Facilitação do divórcio: A Emenda Constitucional nº 66/2010 facilitou o processo de divórcio, eliminando a necessidade de comprovação de culpa e prazos mínimos para a solicitação. Isso tornou o divórcio uma opção mais acessível e rápida.

É importante ressaltar que a decisão de se divorciar é pessoal e complexa, envolvendo uma variedade de fatores que se interligam. A diminuição da duração dos casamentos no Brasil reflete as transformações sociais e individuais em relação ao casamento e aos relacionamentos afetivos.

As Estatísticas do Registro Civil também indicam um aumento no número de divórcios no Brasil influenciado por uma série de fatores interligados que refletem mudanças sociais, culturais, econômicas e legais. Podemos destacar os seguintes pontos:

Mudanças na Legislação: a) Emenda Constitucional nº 66/2010: Esta emenda eliminou a exigência de comprovação de culpa e prazos para a decretação do divórcio, tornando o processo muito mais rápido e desburocratizado. Antes, era necessário passar por um período de separação judicial ou comprovar motivos específicos para o divórcio direto. A facilidade legal incentiva casais infelizes a formalizarem a separação; b) Divórcio Extrajudicial: A possibilidade de realizar o divórcio em cartório, de forma consensual e sem a necessidade de processo judicial, agiliza ainda mais a dissolução do matrimônio.

Aumento da Longevidade: O aumento da expectativa de vida faz com que as pessoas vivam mais tempo e, consequentemente, tenham mais tempo para reavaliar seus relacionamentos e buscar novas experiências, mesmo em idades mais avançadas (fenômeno conhecido como “divórcio grisalho”).

Em resumo, o aumento do número de divórcios no Brasil é um reflexo de uma sociedade em transformação, com novas leis que facilitam o processo, mudanças culturais que valorizam a individualidade e a felicidade pessoal, e fatores econômicos que proporcionam maior autonomia aos indivíduos.

As Estatísticas do Registro Civil ainda apontaram para um aumento da guarda compartilhada, uma vez que houve um crescimento significativo do percentual de divórcios judiciais entre casais com filhos menores de idade em cuja sentença consta a guarda compartilhada dos filhos. A Lei do Divórcio (Lei n. 6.515, de 26.12.1977) prevê a guarda compartilhada de filhos menores de idade em caso de divórcio. Contudo, somente com a Lei n. 13.058, de 22/12/2014, essa modalidade passou a ser priorizada ainda que não haja acordo entre os pais quanto à guarda dos filhos, desde que ambos estejam aptos a exercer o poder familiar. Isso porque, de acordo com a referida legislação, o tempo de convívio deve ser equilibrado entre o pai e a mãe, salvo se um deles declarar que não deseja a guarda do menor.

A pesquisa Estatísticas do Registro Civil, desde a promulgação da Lei do Divórcio, capta a informação sobre a guarda dos filhos menores por um ou ambos os pais. Em 2014, a proporção de guarda compartilhada entre os pais com filhos menores era de 7,5%. Em 2023, essa modalidade passou a representar 42,3%, conforme mostra o gráfico abaixo.

infográfico da proporção de divórcios judiciais segundo o arranjo familiar

Desta forma, a guarda compartilhada tem aumentado no Brasil devido a uma combinação de fatores legais e sociais:

Mudanças na legislação: Lei nº 13.058/2014: Essa lei alterou o Código Civil e estabeleceu a guarda compartilhada como regra geral, priorizando o direito da criança de conviver com ambos os pais. Com isso, a guarda compartilhada passou a ser aplicada mesmo em casos em que não há acordo entre os pais, a menos que haja motivos que a desaconselhem, como violência doméstica ou incapacidade de um dos genitores.

Evolução do conceito de família: Paternidade ativa: A sociedade brasileira tem reconhecido cada vez mais a importância da participação ativa do pai na criação dos filhos, não se limitando ao papel de provedor financeiro, havendo também a busca por maior igualdade entre homens e mulheres, com ambos os pais buscando participar ativamente da vida dos filhos.

Benefícios para a criança: Desenvolvimento saudável: Estudos apontam que a guarda compartilhada contribui para o desenvolvimento emocional e psicológico mais equilibrado da criança, que mantém vínculos afetivos fortes com ambos os pais. A guarda compartilhada pode reduzir os conflitos entre os pais, uma vez que ambos participam das decisões importantes sobre a vida dos filhos, evitando a sensação de perda ou exclusão.

Maior conscientização: Divulgação de informações: A crescente divulgação de informações sobre os benefícios da guarda compartilhada, tanto por profissionais do direito quanto pela mídia, tem contribuído para que mais pais e mães optem por esse modelo.

O aumento da guarda compartilhada no Brasil reflete uma mudança de paradigma, impulsionada por uma legislação mais moderna e pela crescente valorização da participação de ambos os pais na vida cotidiana dos filhos.

Em síntese, o Brasil está em fase avançada da transição demográfica com redução das taxas brutas de mortalidade e natalidade. O número de nascimentos está caindo no Brasil desde a década de 1980. Eram cerca de 4 milhões de nascimentos em 1985, caiu para algo em torno de 3 milhões em 2018 e agora está abaixo de 2,6 milhões de nascimentos e deve continuar caindo ao longo do século XXI.

Junto à transição demográfica há uma mudança da estrutura etária que se reflete no processo de envelhecimento populacional.

Devido à inversão da pirâmide populacional, o número de óbitos vai crescer ao longo do século XXI e a população brasileira decrescerá a partir da década de 2040. Ao mesmo tempo diminui a taxa de casamento e aumenta a pluralidade e a diversidade dos arranjos familiares.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Brasil 2042: Enfrentando a Nova Revolução Demográfica, Ecodebate, 23/08/2024

https://www.ecodebate.com.br/2024/08/23/brasil-2042-enfrentando-a-nova-revolucao-demografica/

ALVES, JED. As novidades e as surpresas do censo demográfico 2022, Ecodebate, 03/07/2023

https://www.ecodebate.com.br/2023/07/03/as-novidades-e-as-surpresas-do-censo-demografico-2022/

ALVES, JED. O crescimento da população de 50 anos e mais de idade e a economia prateada, Ecodebate, 25/09/2024 https://www.ecodebate.com.br/2024/09/25/o-crescimento-da-populacao-de-50-anos-e-mais-de-idade-e-a-economia-prateada/

ALVES, JED. O envelhecimento populacional é uma conquista histórica, Ecodebate, 14/05/2025

https://www.ecodebate.com.br/2025/05/14/o-envelhecimento-populacional-e-uma-conquista-historica/

ALVES, JED. A dinâmica demográfica e espacial e a transição religiosa no Brasil, Ecodebate, 16/04/2025

https://www.ecodebate.com.br/2025/04/16/a-dinamica-demografica-e-espacial-e-a-transicao-religiosa-no-brasil/

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022

https://prdapi.ens.edu.br/media/downloads/Livro_Demografia_e_Economia_digital_2.pdf

IBGE. Estatísticas do Registro Civil 2023, IBGE, 2025

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2023_v50_informativo.pdf

 
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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