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Artigo

População e transição demográfica no Brasil: 1800-2100

 

População e transição demográfica no Brasil: 1800-2100, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”
Machado de Assis (1839-1908) em Memórias póstumas de Brás Cubas

O Brasil foi um dos países de maior crescimento populacional do mundo, pois tinha 3,4 milhões de habitantes em 1800 (representando 0,35% da população global) e passou para cerca de 213 milhões em 2021 (representando 2,7% da população global). A população brasileira cresceu 62 vezes em 1800 e 2021. O maior crescimento ocorreu no século XX.

Na primeira metade do século XXI o ritmo de aumento vem caindo rapidamente e na segunda metade haverá decrescimento populacional. O Brasil está avançando rapidamente na transição demográfica. As duas figuras abaixo ilustram este processo e foram apresentadas no Webinar “Tendências demográficas e pandemia de covid-19” do IPEA, no dia 23 de junho e disponível no link na referência abaixo.

O gráfico a seguir mostra que a população brasileira deve continuar crescendo até 228 milhões de habitantes em 2042, conforme projeções da Divisão de População da ONU, realizadas em 2019 (antes da pandemia). Provavelmente, o pico populacional deve ocorrer em um valor menor e em uma data anterior, pois a covid-19 aumentou o número de óbitos e diminuiu o número de nascimentos.

Mas os efeitos da pandemia devem ser temporários e as tendências demográficas de longo prazo devem prevalecer. Mas o fato inconteste é que o Brasil terá decrescimento demográfico na segunda metade do século XXI.

Na projeção média da ONU o Brasil alcançará 182 milhões de habitantes em 2100. Mas este valor pode variar de 120 a 240 milhões dependendo do comportamento dos 3 componentes da dinâmica demográfica: natalidade, mortalidade e migração.

população brasileira 1800 2100

 

A curva de crescimento populacional brasileiro tem este formato devido a transição demográfica (TD) que é o fenômeno de mudança de comportamento de massa mais expressivo e mais impactante da história da humanidade. Ela mudou uma realidade que parecia inexorável. Desde o surgimento do Homo Sapiens, há pelo menos 200 mil anos, as taxas de mortalidade sempre foram elevadas e a morte precoce era a norma que ceifava vidas. O número de óbitos infantis era elevadíssimo, assim como a prevalência da mortalidade materna. Mais da metade dos nascimentos não chegavam à idade adulta.

Segundo Angus Maddison (2008), a esperança de vida ao nascer da maior parte da população mundial, antes do século XIX, estava abaixo de 25 anos. Para se contrapor às elevadas taxas brutas de mortalidade (TBM), as sociedades se organizavam para manter altas taxas brutas de natalidade (TBN), gerando muitos filhos, para que o número de sobreviventes fosse maior do que o número de pessoas falecidas.

Mas a história mudou com o avanço da modernidade urbano-industrial, o que possibilitou a diminuição da letalidade das doenças, da miséria e da guerras. Com menos mortes precoces, foi possível reduzir o número de nascimentos por casal. Esta conquista é única e excepcional. A TD tem um padrão que se repete, invariavelmente, da mesma forma em todos os países do mundo. Não há exceções. Primeiro caem as taxas de mortalidade e, depois de um certo lapso de tempo, caem as taxas de natalidade. Este formato foi observado em todas as nações independentemente da língua, da religião, da localização geográfica ou de qualquer diferenciação cultural. O que varia, são os níveis históricos das taxas, o momento inicial da queda, a velocidade do declínio e os níveis finais após o fenômeno transicional.

O século XX foi o período, por excelência, da transição demográfica. Mas em muitos países o início da queda da TBM começou no século XIX, enquanto as quedas mais significativas da mortalidade e da natalidade ocorreram entre 1900 e o ano 2000. A figura abaixo mostra a representação da transição demográfica brasileira em 3 séculos. Nota-se que, na maior parte do século XIX as taxas brutas de natalidade (47 por mil) e de mortalidade (33 por mil) eram muito altas, o que propiciava taxas de crescimento vegetativo, na ordem de 14 por mil (1,4% ao ano). Acrescente a este alto crescimento vegetativo o fluxo imigratório que aumentava mais o ritmo de crescimento demográfico.

As taxas brutas de mortalidade (TBM) começaram a cair ainda no período do Império e aprofundaram a queda no período da República. As taxas brutas de natalidade (TBN) só começaram a cair significativamente por volta de 1970. Assim, o crescimento populacional se acelerou muito entre 1880 e 1970, com taxas de variação na casa de 3% ao ano.

transição demográfica brasileira 1800 2100

 

Para se ter uma ideia do que representa um crescimento de 3% ao ano, o Brasil teria 426 milhões de habitantes em 2021 se a taxa de 3% prevalecesse no período de 1970 a 2021. E o Brasil chegaria a 4,4 bilhões de habitantes se a taxa de 3% prevalecesse no período de 1970 a 2100. Portanto, a queda da fecundidade foi significativa e o futuro da configuração demográfica do Brasil será completamente diferente dos 500 anos anteriores. Em 2042 (ou mesmo antes), a TBN e a TBM vão se encontrar, gerando estabilidade populacional.

Mas com a inversão das curvas, o Brasil terá diminuição da população a partir de 2042. Assim, o Brasil terá decrescimento com envelhecimento populacional.

Evidentemente, o novo cenário demográfico vai gerar mudanças na economia e nas políticas públicas, conforme discutido no Webinar “Tendências demográficas e pandemia de covid-19” do IPEA. Mas a questão dos 3 bônus demográficos será apresentada em outros artigos.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

 

Referências:
ALVES, JED; CAMARANO, AA. Tendências demográficas e pandemia de covid-19, Webinário IPEA, 23/06/2021
https://www.youtube.com/watch?v=Bzog2U-zBo0

ALVES, JED. Três séculos de população no Brasil e os três bônus demográficos, Apresentação Webinário IPEA, 23/06/2021
https://drive.google.com/file/d/1JQW9TcZi3DFFfvEuIM1C78jQIxHLInVn/view

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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